Fidel Castro: produto e vítima da guerra fria. Por Jayme Martins

Fidel Castro: produto e vítima da guerra fria

                           Jayme Martins

… Acontece que, por sua orientação  nacionalista, antifeudal e anti-imperialista, o governo revolucionário tratou de assumir o comando dos setores econômicos.

Em 1950, quando o deplorável ditador Fulgêncio Batista, sustentado pelo EUA, fugiu para a República Dominicana, os guerrilheiros de Fidel Castro avançavam de Sierra Maestra para a Capital,  Havana.

O governo ficou acéfalo e o Bispado da Igreja Católica cubana sugeriu que se organizasse um governo de união nacional.

O novo governo, sob as presidências sucessivas de Manoel Urrutia e Osvaldo Dorticós, duas figuras de expressão liberal-democrática, teve como primeiro-ministro Fidel Castro, sob a bandeira do Movimento 26 de Julho, que não tinha caráter nem socialista nem comunista. Tanto isso era verdade que o PC Cubano, de orientação soviética, se opunha veementemente aos guerrilheiros de Sierra Maestra.

O 26 de Julho era um movimento declaradamente nacionalista, antifeudal e anti-imperialista.

Em pouco tempo, Fidel Castro alijava do governo tanto Urrutia como Dorticós, dos quais eu não soube mais nada, passando Fidel a concentrar todo o poder em suas mãos e do grupo dirigente do 26 de Julho, grupo revolucionário encabeçado por ele, seu irmão Raul, Camilo Cienfuegos, Che Guevara e outros comandantes guerrilheiros.

Inicialmente, amplos setores da opinião pública mundial e até o governo norte-americano viam com simpatia o novo governo cubano. O mesmo acontecia aqui no Brasil. Estou bem lembrado de ter visto um trator agrícola desfilando pelo Viaduto do Chá e outras vias do centro da Pauliceia, trator que o diretor do jornal “O Estado de S. Paulo”, Júlio Mesquita Filho, estava enviando de presente para Fidel Castro, como símbolo de simpatia e apoio apoio que esse jornal dedicava à vitoriosa revolução cubana, especialmente por haver posto fim à odiosa ditadura de Fulgêncio Batista

            Acontece que, por sua orientação  nacionalista, antifeudal e anti-imperialista, o governo revolucionário tratou de assumir o comando dos setores econômicos.

No mesmo ano da vitória da revolução, 1959, foi decretada a reforma agrária, expropriando os latifúndios, os maiores dos quais pertenciam a empresas norte-americanas, como a famigerada  multinacional United Fruit Company. As usinas de açúcar, os bancos e as empresas de mineração foram nacionalizados, mediante compensações consideradas insuficientes.

Ocorreram então manifestações de descontentamento por parte do governo norte-americano, presidido pelo general Eisenhower, que era o comandante supremo da OTAN, entidade militar criada para fazer frente ao crescente desenvolvimento militar  da URSS.

            Moscou se comprometeu a adquirir anualmente, durante cinco anos, um milhão de toneladas de açúcar cubano e a conceder um crédito de 100 milhões de dólares para a industrialização de Cuba.

            Como os  EUA suspenderam a compra de açúcar cubano, a URSS se comprometeu a adquirir a quota de açúcar que ia para os EUA.

Além disso, Moscou passou a fornecer petróleo bruto que a Texaco e outras empresas norte-americanas se recusaram a refinar. Foram todas expropriadas,

Em represália pela nacionalização das grandes empresas americanas, o governo dos EUA suspendeu as exportações e as viagens de turistas americanos para a ilha.

Em 1961, o governo do general Eisenhower rompeu relações diplomáticas com Cuba e, logo depois o novo presidente americano,  John Kennedy, aprovou um plano, organizado pela CIA, de desembarque de exilados cubanos na baia dos Porcos, iniciativa que foi prontamente rechaçada.  

             Em 1962, os EUA descobriram que a URSS estava instalando em Cuba mísseis teleguiados apontados para para território americano. Então os EUA promoveram o bloqueio naval de Cuba e restringiram navios de outros países que aportassem em Cuba. Além disso, os EUA tratavam de promover uma invasão, mesmo que tivessem de enfrentar a URSS.

Negociações entre Moscou e Washington levaram à retirada dos miseis soviéticos de Cuba, contrariando e desgostando Fidel. Em compensação, os EUA retiraram seus mísseis instalados na Turquia.

            Quase uma centena de empresas norte-americanas foram nacionalizadas, mas o governo cubano não tinha condições de assumir com qualidade a administração das mesmas, com o que a economia cubana viveu um descalabro de que se ressente até hoje, com as piores consequências para o bem estar de seu povo.

            Nas reportagens de televisão que estamos vendo nos últimos dias, em decorrência da morte de Fidel Castro, a população cubana que vemos pelas ruas de Havana é uma gente visivelmente mal alimentada, mal calçada, mal habitada, carente de muita coisa, inclusive dos meios de comunicação, os telefones celulares são uma raridade e pior ainda é a situação dos telefones fixos.

            Outra situação precária é também a do transporte coletivo e individual, pois os ônibus e automóveis que circulam por alguma ruas constituem um verdadeiro museu de sucata a céu aberto, datando os mais recentes dos anos de 1950. Ainda bem que estão chegando por lá aos milhares as bicicletas chinesas, aliviando um bocado a locomoção do povo trabalhador e da juventude estudantil.

            Há entre nós pessoas que ainda se referem elogiosamente a Fidel Castro e à revolução cubana, realçando alguns feitos positivos destes 60 anos, como bons índices de alfabetização e de assistência médica, mas é preciso considerar que tais legados foram possíveis como frutos dos período em que Cuba contou com ajuda da ex-URSS.

            Mas, com o desmantelamento da URSS e o fim da ajuda soviética, tais itens talvez não possam ser sustentados a longo prazo, a menos que se consiga outros recursos para sua manutenção.

            Portanto, como dissemos nos início deste depoimento, Fidel Castro e a revolução cubana foram produtos e vítimas da guerra fria entre os EUA e a URSS.

            Com o fim da guerra fria e agora com o restabelecimento das relações diplomáticas, comerciais, culturais e demais relações entre os EUA e Cuba, a vida da população cubana deve melhorar consideravelmente, graças a investimentos não só dos EUA, do Canadá, dos países europeus, do Japão, da China e também do Brasil.

            O turismo voltará a ser uma importante fonte de renda em divisas para Cuba, e os primeiros aviões de turistas já estão aterrissando em grande número em Havana, com passageiros de todo o mundo, inclusive do Brasil, não poucos deles aqui de Jundiaí.

            Portanto chegou a hora de voltarmos de  exclamar: Viva Cuba libre! E sem repressão.

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jayme-martinsJayme Martins–  Jornalista, consultor, viveu na China por 20 anos

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