Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016). Por Silvio Lancellotti

Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016)

Por Silvio Lancellotti

Arcebispo da cidade que tem seu nome desde 1970, Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016) e eu compartilhamos duas crenças. Uma, bem mais leve e menos importante, o gosto pelo Futebol e pelo Corinthians. Outra, muito mais profunda e crucial, a oposição às ditaduras e a defesa das Verdades com o V maiúsculo. Claro, em hipótese alguma eu me compararia ao Santo Homem. Até porque eu não passei de um mero pupilo dos seus ensinamentos, desde a minha integração à velha JUC, a Juventude Universitária Católica, pouco antes do início do Golpe Militar de 1964.

 Estivemos juntos em inúmeras ocasiões. De uma, porém, eu me orgulho mais particularmente. Aconteceu em 75, quando eu dirigia, na Band, o programa “Informação:” de entrevistas. Habitualmente o programa exibia quatro âncoras, Karin Rodrigues, Pinky Wainer, Jorge da Cunha Lima e Plínio Marcos (1935-1999).

Com o total apoio dos meus chefes, João Jorge Saad (1919-1999), Cláudio Petraglia e Roberto de Oliveira, para o Natal daquele ano idealizei uma situação diferentíssima. Mesmo debaixo de uma Censura terrível, uma conversa em que, através de metáforas, denunciássemos o desrespeito aos Direitos Humanos e à tortura quase institucionalizada.

Foi memorável. Depois de destruírem, elipticamente, os conceitos que garantiram a impunidade dos militares dos porões, uma aula magistral sobre as canalhices de Torquemada (1420-1498) e a torpeza da Inquisição, o Cardeal e o Mino, sempre indiretamente, homenagearam a Vlado Herzog (1937-1975), assassinado, fazia semanas, numa câmara de horrores do Doi-Codi. Tudo sob os eflúvios do Natal. Por quê, afinal, as pessoas só falavam em solidariedade nas vésperas de tal data cristã?

Jantamos, depois, na sede de um outro saudoso, o amigão Giovanni Bruno (1936-2014). Colecionei, em quase meio século de carreira, um montão de satisfações e orgulhos profissionais. Raríssimos, todavia, como a lembrança das risadas que trocamos naquela noite. Da maneira que fora possível, tínhamos enganado os Donos do Poder.

Obrigado, Dom Paulo, pelo privilégio.

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Resultado de imagem para silvio lancellottoSilvio Lancellotti – jornalista

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