Em minha última coluna
desmenti um mito comum do que se passa por análise econômica em certos
círculos, a saber, que o principal fator impulsionando a piora das contas
públicas no país seria a taxa de juros. Como mostrei, uma vez que se considere
que o fator relevante para o aumento da dívida relativamente ao PIB é a taxa real
de juros (isto é, a taxa de juros deduzida a inflação), não há como concluir
que o desarranjo extraordinário das contas do governo resulte desta variável.
A verdade é que a
inflação, que atingiu quase 10% nos 12 meses até outubro, contribui para
reduzir o valor da dívida. “Desenvolvimentistas” podem se esquecer disto, mas
não as pessoas que têm sua poupança corroída por ela.
Parte da inflação
decorre do ajuste dos preços administrados, concentrado agora por força dos
desequilíbrios que sua contenção causou nos últimos anos, seja sobre as
finanças da Petrobras, seja sobre o setor elétrico, para mencionar apenas os
efeitos mais notórios desta política irresponsável.
Ainda assim, fica claro
que o processo inflacionário está longe de se esgotar nos preços administrados.
Mesmo se ignorássemos seu efeito, como defendem alguns, a inflação dos chamados
“preços livres” ainda seria 7,7%. Caso desconsiderássemos, além dos
administrados, também os preços de alimentos, a inflação alcançaria acima de 7%
em 12 meses, batendo inclusive o limite superior para a meta de inflação
(6,5%).
Trata-se, portanto, de um
problema sério. Embora possa “ajudar” no sentido de reduzir a dívida
relativamente ao PIB, duvido que a população – que sente literalmente na carne
o efeito da alta persistente e generalizada dos preços – ache que a inflação
nos níveis atuais seja algo além de um flagelo, principalmente sua camada mais
pobre.
Neste aspecto seria
curioso, não fosse imoral, o particular desprezo que os economistas ditos
“progressistas” dedicam à questão. Não se vê, em qualquer de suas propostas,
nada concreto para lidar com a carestia (exceto se considerarmos seu apoio à
política econômica anterior, incluindo sua desastrada tentativa de controle
direto dos preços).
Isto parece decorrência
do “diagnóstico” dos keynesianos de
quermesse
acerca das causas da inflação, que atribuem à desvalorização do
real face ao dólar, sem, é claro, oferecer nenhuma evidência mais sólida que
ampare esta crença.
Ao contrário, a maioria
dos que se aventuraram pelo caminho de tentar medir o efeito do dólar sobre os
preços domésticos acabam por concluir que são relativamente modestos: a maior
parte encontra um efeito da ordem de 0,5% nos preços domésticos para cada 10%
de desvalorização da moeda, insuficiente para explicar até mesmo o
comportamento dos “preços livres”.
Isto é ainda mais
visível quando se nota que, há muitos anos, a inflação brasileira se
caracteriza pela elevada inflação de serviços, justamente aqueles para quem os
efeitos do dólar são geralmente muito baixos.
Conclui-se disto que,
além do diagnóstico equivocado sobre a piora fiscal, os autodenominados
“progressistas” não têm muito a dizer também sobre o controle da inflação.

Ainda assim, apesar do
estrago que suas políticas causaram nos últimos anos, se acham iluminados,
únicos na posse de verdades reveladas acerca da economia nacional.
(Publicado 11/Nov/2015)

16 thoughts on “Illuminati

  1. Alexandre, você poderia fazer um post sobre essas revisões no cálculo do PIB dos últimos anos. O IBGE revisou muito para cima o PIB de 2011 para cá. Mas não entendo por que o mesmo não pode ser feito com os anos anteriores. Como pode ser comparado o crescimento entre anos em que os métodos de cálculo foram diferentes? A imprensa informa isso muito superficialmente, mas não explica nada. Um exemplo da mudança que vi foi a inclusão do IR como "consumo das famílias". Mas essa receita, depois de gasta pleo governo, não é computada omo gasto do governo? Não é dupla contagem? Se for assim, o governo pode aumentar o IR para 100% e gastar tudo (sonho de muita gente) e dobrar a meta, digo o PIB. Enfim, você poderia explicar essas coisas? Será que há uma argentinização do nosso IBGE?

  2. Estranho como os "progressistas" tem fetiche por políticas econômicas que acabam fazendo com que o padrão de vida regrida. No Brasil, os defensores do progresso são os vanguarditas do atraso.

  3. Cristiano Romero no Valor: "Apenas sete anos depois, graças ao experimento criminoso conhecido como Nova Matriz Econômica, as conquistas foram jogadas na lata de lixo."

  4. Alexandre,

    A taxa implícita da dívida pública é definida como a razão entre o pagamento nominal de juros no período t, e o estoque total da dívida no período anterior t-1, certo?

    Como as operações do Banco Central no mercado de cambio fez com que a taxa implícita "explodisse"(quase 30%, certo)?

  5. Alex, tudo bem com voce?

    Parabens pelas colunas. Me tira uma duvida, se possivel?

    Em 2013 e 2014 era inequivoco que havia pressao de demanda na economia brasileira. Isso demandava, obviamente, apertos monetarios.

    Agora em 2015, estamos claramente sob efeito de choques de oferta (aumentos, por exemplo, dos precos da energia e da gasolina).

    Mesmo que medidas de nucleo ainda mostrem inflacao acima do intervalo de tolerancia, a gente sabe que existe influencia dos administrados nos demais precos.

    Assim sendo, te pergunto: sera mesmo que o BCB deveria elevar juros nessa situacao? Ou nao seria melhor acomodar o choque?

    Passada a influencia da "inflacao corretiva", o hiato negativo (por qualquer medida que se queira, HP, funcao de producao ou Kalman) fará seu papel de desinflacionar a economia.

    De fato, no caso de acomodar, a recessao sera mais longa, mas menos cruel. A escolha nao é obvia em termos de bem-estar.

    O que pensa a respeito?

    Bjs,
    Cecilia Machado

  6. Boa pergunta, Cecília.

    Eu não teria tanta certeza que "estamos claramente sobre sob efeitos de choques de oferta". Sim, preços administrados empurram a inflação para cima e, como você notou, núcleos (e preços livres) rodam na casa de 8% aa (ou mais).

    Parte pode ser efeito secundário do choque de oferta, mas isto é precisamente o que deve ser combatido.

    Em outras circunstâncias eu seria mais simpático à ideia de acomodar e estender o período de convergência (sempre noto que foi exatamente a estratégia adotada em 2004-2005).

    Mas este BC é como o garoto que gritava "lobo!". Fosse a primeira, ou mesmo segunda vez, que acomodasse a inflação, ainda daria para acreditar na formeza de propósito. Depois de 5 anos de desculpas, não.

    Fora isto, a inflação no ano que vem, apesar do hiato, ameaça varar 6,5%, seja por câmbio (sou um tanto cético aqui), seja por expectativas. Se nada for feito, as expectativas para 2017, que, na média (não mediana) já estão em 5,25% vão subir ainda mais. Ou seja, o problema se reporá em 2016 (e 2017…), cada rodada piorando o trade-off de curto prazo.

    O custo da desinflação agora sera alto? Sem dúvida, mas há bons motivos para pensar que será uma barganha perto do que nos espera nos anos à frente…

    Abs

  7. São sinônimos sim. Mas o conceito mais difundido de custo médio normalmente se aplica à DPF (ou DPMFi) e aí obviamente não vai se igualar a taxa implícita da DLSP. É importante, então, saber se as taxas estão se referindo ao mesmo conceito de dívida. Certo, Alex?
    Abs, Jorge.

  8. Excelente comentário, Jorge, em particular se estivermos nos referindo à taxa implícita da DLSP. que captura os efeitos de subsídios ao BNDES e retorno sobre as reservas, entre outros.
    Abs

  9. Tô achando o Alex mais cordial nas respostas ultimamente. O que aconteceu? Namorada nova, feliz porque o São Paulo vai ficar no G4 ou sua bisavó andou puxando sua orelha?

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