Crime e castigo. Por Alexandre Schwartsman

Crime e castigo

Por Alexandre Schwartsman

…Não há dúvida que o aumento do policiamento reduz a ação criminosa. No entanto, em geral, mais policiamento não é uma decisão independente da criminalidade: o poder público reage ao aumento dos crimes botando mais polícia na rua.

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 22 de fevereiro de 2017

Andei investigando crime e policiamento. Em 1.323 episódios cobrindo 119 países descobri que não há relação alguma entre estes fenômenos. O maior caso de sucesso foi a redução do policiamento: em 62,18% dos casos o crime caiu quando isto ocorreu. Em contraste, em apenas 50,75% dos casos em que houve aumento do policiamento o crime caiu, enquanto em 53,45% dos casos em que não se mexeu no policiamento o crime caiu da mesma maneira.

Conclui-se, assim, que gastos com policiamento representam apenas uma transferência de renda para grupos privilegiados. (Segundo Daniel Cerqueira, do IPEA, gastos com segurança pública equivaliam a 5,4% do PIB em 2014, quase 11 vezes o gasto com o Bolsa-Família naquele ano).

OK, já posso parar a brincadeira, torcendo para que nenhum dos 18 leitores tenha desistido ali pelo final do primeiro parágrafo: é óbvio que policiamento tem relação estreita com criminalidade (na verdade duas, e este é o problema).

Não há dúvida que o aumento do policiamento reduz a ação criminosa. No entanto, em geral, mais policiamento não é uma decisão independente da criminalidade: o poder público reage ao aumento dos crimes botando mais polícia na rua.

O pesquisador ingênuo que observa apenas a correlação entre um fenômeno e outro não demora a notar que esta parece ser zero. Há casos em que o crime aumenta quando há mais policiais na rua (espelhando a segunda relação) e há casos em que a elevação do policiamento reduz a criminalidade (a primeira relação), o que leva ao tipo de confusão que descrevi no primeiro parágrafo.

O pesquisador despreparado, que ignora que as relações de causa e efeito correm tanto da taxa de juros para a inflação como da inflação para a taxa de juros, comete o mesmo erro…

Há momentos, porém, em que os fenômenos ocorrem (quase) como que em laboratório e são por isto chamados de “experimentos naturais”. Tome-se, por exemplo, o acontecido no Espírito Santo, quando a greve dos policiais reduziu seu efetivo nas ruas, não por uma queda de criminalidade, mas por motivo externo (ou “exógeno”). Neste caso houve um grave aumento da criminalidade em resposta à redução “exógena” do policiamento. Em outras palavras nosso “experimento natural” confirma que mais polícia na rua diminui o crime (e vice-versa).

Na verdade, se trocarmos “policiamento” por “taxa de juros” e “criminalidade” por “inflação” temos o “estudo” descrito por Clóvis Rossi em sua coluna deste último domingo. Como na minha investigação fictícia, em muitos casos a taxa de juros cai porque a inflação (esperada) também cai, como hoje no Brasil; em outros casos, a taxa de juros sobe porque a inflação esperada se eleva.

…O que apenas prova outra relação estatística robusta: quem menos entende de um assunto é tipicamente o mais inclinado a dar palpite.

O pesquisador despreparado, que ignora que as relações de causa e efeito correm tanto da taxa de juros para a inflação como da inflação para a taxa de juros, comete o mesmo erro acima: conclui que não há relação entre estas variáveis quando na verdade elas existem.

Não há muitos “experimentos naturais” na área. Uma possível exceção foi a redução na marra da Selic entre 2011 e 2012, que levou à aceleração da inflação logo em seguida. Há também técnicas estatísticas que permitem superar o problema e elas apontam robustamente que aumento do juro reduz a inflação, o que, aliás, foi exatamente o que ocorreu no Brasil ao longo do ano passado.

O que apenas prova outra relação estatística robusta: quem menos entende de um assunto é tipicamente o mais inclinado a dar palpite.

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Alexandre-BSB• * ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)

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