O pato do ajuste fiscal

Na sexta passada o
governo federal anunciou corte de R$ 70 bilhões em suas despesas, sugerindo à
primeira vista que, ao contrário do habitual, desta vez seria o setor público
quem mais sofreria com a proposta do ajuste fiscal. No entanto, como quero
mostrar, o “ajuste”, de novo, se fará à custa do contribuinte, sem redução de
gastos. Trata-se, na verdade, de um truque recorrente e não posso esconder a
frustração que me causa a aceitação pouco crítica desta mágica orçamentária.
Antes de revelar o
truque, porém, precisamos saber de onde vem este número de R$ 70 bilhões e,
para isto, peço um tanto de paciência (e mais quatro parágrafos) dos 18 fiéis.
Segundo a proposta
orçamentária aprovada pelo Congresso, o governo federal esperava obter receitas
totais de R$ 1,447 trilhão, dos quais R$ 224 bilhões seriam repassados a
estados e municípios. As receitas líquidas de transferências atingiram,
portanto, R$ 1,223 trilhão.
A despesa orçada para
2015, por sua vez, ficaria em R$ 1,168 trilhão, dos quais R$ 856 bilhões de
gastos obrigatórios (pessoal, aposentadorias, vinculações, etc.) e R$ 312
bilhões de gastos discricionários. Com isto, o resultado do governo federal atingiria
R$ 55 bilhões (0,9% do PIB).
O mau desempenho da
arrecadação, contudo, fez o governo rever sua projeção de receitas para R$
1,371 trilhão, R$ 76 bilhões a menos do que previa. A arrecadação mais baixa que
a esperada também significa menos transferências a estados e municípios, de
modo que a perda de receita líquida foi um pouco menor: R$ 65 bilhões.
Assim, para manter o
resultado em R$ 55 bilhões, o governo federal precisaria também reduzir seus gastos
em R$ 65 bilhões. Como, porém, as despesas obrigatórias foram revistas para
cima (R$ 860 bilhões, R$ 5 bilhões a mais), a redução das despesas
discricionárias, sobre as quais tem controle, ficou em R$ 70 bilhões, o número
do primeiro parágrafo. Assim, o dispêndio federal cairia a R$ 1,103 trilhão, ou
18,9% do PIB.
Parece um esforço
extraordinário, até que alguém se pergunte quanto foi gasto no ano passado. O
número, disponível no sítio do Tesouro Nacional, revela que o governo federal
gastou R$ 1,028 trilhão em 2014 (18,6% do PIB).
Em outras palavras,
mesmo que sejam cumpridas todas as promessas de “corte” de gastos anunciadas na
sexta-feira, as despesas federais aumentariam em R$ 75 bilhões entre
2014 e 2015, ou, se preferirem, de 18,6% para 18,9% do PIB. Curioso corte que
implica, de fato, elevação do gasto.
Já a receita federal subiria
de R$ 1,221 trilhão (22,1% do PIB) no ano passado para R$ 1,372 trilhão (23,5%
do PIB) este ano. Em português, um alívio depois de tantos números, o ajuste
fiscal se faz mais uma vez nas costas do contribuinte, chamado a cacifar R$ 151
bilhões (1,4% do PIB) a mais do que pagou no ano passado.
É mais um aumento de
carga tributária, tornando o sistema ainda mais pesado e complexo, com
consequências negativas óbvias para nossa capacidade de crescimento de longo
prazo. E há ainda quem não entenda o motivo de nosso desempenho medíocre.

Quando o jogador de
pôquer não consegue identificar o otário à mesa, o pato é ele. Ao observarmos
por entre os jogos de luz e sombra do ajuste fiscal, descobrimos que os patos
somos nós.
Contribuinte (de capacete, ainda bem!)
(Publicado 27/Mai/2015)

13 thoughts on “O pato do ajuste fiscal

  1. No 5º Parágrafo: "projeção de receitas para R$ 1,371 trilhão”

    No 9º Parágrafo: “para R$ 1,372 trilhão (23,5% do PIB) este ano”

    É muito número …

  2. Alexandre, no programa Entre Aspas você mencionou sobre um trabalho do sergio Lazzarini (Insper). Poderia me passar o titulo do trabalho?

    Obrigada.

  3. Alex,

    Visto que as despesas obrigatórias chegam a R$ 860 bilhões,e a receita federal, já com a elevadíssima carga tributária, somaria R$ 1,372 trilhão, como você, se fosse o Ministro da Fazenda, faria os ajustes necessários para a economia brasileira voltar a crescer?

    Precisamos levar em conta que a mudança na obrigatoriedade das despesas não é algo que se mude em tão pouco tempo.

    Obrigado

  4. Mercado voltando a falar em Selic acima de 15%
    Juros futuros estável pode voltar a subir
    Alguns falando em topo só nos 16%aa.

    Alex, será que a crise estaria recrudescendo mais forte, ou os meus forwards que estão loucos?

  5. Nosso Brasil não tem jeito mesmo. Jogamos fora outra oportunidade de ouro. Esquecendo os governos Sarney e Collor, tivemos 21 anos de estabilidade econômica sem grandes avanços em nossa infraestrutura, nossa moral e ética foram ladeira abaixo com o PT e estamos colhendo as mazelas do populismo que é a marca registrada dos nossos políticos "decision makers" e do nosso sistema eleitoral, não importando o partido. Se não me falha a memória, em 21 anos de governo Militar, que durante os anos iniciais teve que estabilizar a moeda (como o FHC), foram planejados e construídos Itaipu, Angra 1 e 2, Aeroportos Internacionais do Galeão e Guarulhos, Metro de São Paulo e Rio, Rodovias Classe 0 (Nossas únicas e verdadeiras "Freeways" – todas em São Paulo – Bandeirantes, Imigrantes, Ayrton Senna, Dom Pedro), Embraer, Embrapa, Mobral, Sujismundo etc. e tal. Após os últimos 12 anos de PT (que pegou a economia já estabilizada) temos quase nada de significante em termos de nova infraestrutura, necessária para baixar o custo Brasil. Os fundos de pensão e Petrobras foram saqueados, bem como o BNDES… A previdência cujas contas nunca fecharam continuam um problema sem solução… o que fazer? Punição para bandidos (mas aqui eles recorrem em liberdade e nosso judiciário é lento e o supremo parcial), Educação para o povo (mas a pátria Educadora esta cortando os investimentos), Corte de Despesas (que são sempre ilusões como mostrou o Ilustre São Paulino, a Presidanta poderia dar o exemplo cortando seu pessoal em cargos executivos como simbolismo, mas nada faz) e Sacrifício (esse sim continua no conta de quem trabalha – aumento da carga tributária). Ou seja, esperança e solução a curto prazo é brincadeira, mas a cerveja continua gelada (se não tivermos apagões), a comida espetacular, as mulheres lindas, e o povo simpático. Vou torcer para o Alckmin daqui alguns anos, pois parece um dos melhores administradores da coisa pública… até lá lagrimas, suor e sacrifício. Se eleito, suor e sacrifício!

  6. Fala Alex,

    Conseguiu avançar em alguma coisa naquele enigma da PNAD (salários desabando e depois acelerando novamente em 2014, de forma bem descolada da PME)?

    Abs
    Economista X

  7. Pois é, cara. Fiz aqui uma abertura do dado de rendimento por grupamento de atividade e percebi que Construção lidera a queda em meados de 2014 e a consequente retomada.

    Ora, por que motivo o setor de construção deveria ter desacelerado tanto no exato pré-Copa e Copa na PNAD e não na PME, dado que as Regiões Metropolitanas viveram mais intensamente a Copa?

    Enfim, está em aberto… Se descobrir algo, fala. Estou em contato com diversas casas e ninguém sabe bem explicar.

    Abs
    Economista X

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