As tartarugas fujonas

Há certa insistência,
correta a propósito, para que a presidente faça o mea culpa sobre a tal da “nova matriz macroeconômica”, hoje órfã de
pai e mãe, já que não há, nas hostes “desenvolvimentistas”, quem tenha coragem
de assumir a responsabilidade por seu estrondoso fracasso. Argumenta-se que, ao
reconhecer seus erros, a presidente melhora a percepção acerca de seu
compromisso com a nova política econômica, o que pode, em tese, contribuir para
a redução dos custos a ela associados, sem, é claro, eliminá-los.
Curiosamente, o Banco
Central tem escapado ileso desta cobrança. Considerem, por exemplo, a
declaração de seu presidente, afirmando que “o BC foi, está e continuará sendo
vigilante com a inflação
”.
Sério? Então só se pode
concluir que o BC andou vigiando alguma outra inflação (talvez a americana, quem
sabe a europeia), porque a brasileira já fugiu faz tempo, segundo as más
línguas em companhia das duas tartarugas a quem competia também sua guarda (uma
terceira engravidou e o BC não sabe quem é o pai).
A verdade é que o BC
posa como se a inflação média de 6,2% ao ano observada entre 2011 e 2014 não
fosse sua responsabilidade. Destes longos 48 meses, em apenas oito deles (entre
março e outubro de 2012) a inflação ficou a menos de um ponto percentual da meta,
mas, segundo o BC, nada disso lhe diz respeito.
Pela sua particular
mitologia, a culpa foi sempre de algo fora do seu controle. A chuva, a falta de
chuva, o aumento de preço das commodities,
a queda dos preços das commodities,
assim como o gramado, nunca nas condições ideais para a prática da política
monetária.
Em momento algum o BC,
seja na figura de seus diretores, seja por meio de seu presidente, teve a
grandeza de vir a público e admitir que sua própria postura fosse equivocada.
De meados de 2011 ao
início de 2013, como se sabe, o Copom embarcou num processo de redução das
taxas de juros, mesmo em face de inflação acima da meta.  Conscientemente ignorou as expectativas de
inflação, que sugeriam a persistência deste processo, notando, de passagem, que
o mercado foi até otimista (a inflação observada ficou algo como 0,5% ao ano em
média mais elevada do que o previsto pelos analistas). Desconsiderou alertas em
contrário, crente na superioridade da sua visão.
Quando finalmente se
rendeu às evidências e começou, tardiamente, o processo de aperto da política
monetária, o fez de forma relutante. Interrompeu o ajuste por nada menos do que
seis meses, de abril a outubro de 2014, e só o retomou, por coincidência ou
não, depois de passado o segundo turno das eleições presidenciais.
Ao longo do processo
sua comunicação foi errática, sinalizando pausas que não se concretizaram, “longos
períodos de estabilidade” que, na prática, duraram um par de meses, e completa
falta de sintonia com o comportamento da inflação.
Não é outro o motivo da
extraordinária perda de credibilidade. Embora o BC jure hoje, por todos santos,
orixás e deuses dos mais variados panteões, que busca trazer a inflação de
volta para a meta de 4,5% em 2016 (e há quem ainda se digne a propagar
a história
),
a média dos analistas vê inflação na casa de 5,6% no ano que vem.
Esta diferença, 1,1
ponto percentual, é uma medida da (perda de) credibilidade; um BC crível
obteria do mercado expectativas próximas à meta num horizonte tão longo (20
meses).
A afirmação de seu
presidente sugere que não há mudança na postura do BC. Se já era vigilante e a
inflação escapou, o que mudou para nos convencer que, daqui para frente, tudo
vai ser diferente?
Caso o BC queira
recuperar, ao menos em parte, sua credibilidade, será necessário, em primeiro
lugar, reconhecer que errou no passado e que a consciência deste equívoco
desempenhará papel importante na formulação futura da política monetária.

Enquanto isto, se
acharem duas tartarugas fujonas e o pai das tartaruguinhas, o BC agradece.
Tá explicado…
(Publicado 22/Abr/2015)

9 thoughts on “As tartarugas fujonas

  1. Equivoco, mea culpa, fracasso não fazem parte da linguagem deste desgoverno que esta aí. Dilma manda e seus subordinados obedecem cegamente. A culpa não sendo da Dona Dilma (e sabemos que é), tem que ser de outra pessoa. Considerando que "shit rolls down hill", o Tombini vai ter que engolir a seco… o BC não fez sua obrigação de nos proteger, "shame on them"!

  2. Tombini deve ser um bom sujeito, deve ser competente, o "deve" se deve à minha falta de conhecimento sobre o mesmo. Mas, educadamente, é "um pau mandado". Aí, não tem jeito. Continuamos à deriva da credibilidade. Oremus.

  3. Mas peraí ?

    Com os juros a 13,25%, digamos que os preços realmente parem de subir e não mais se tenha "inflação".

    De que ainda viver, digamos, "sem" inflação s eos preços pararam de subir lá em cima, no nível do pico do everest ?

    Podem brincar d emodelo econometrico o tanto que queiram … inflaçao do tomate, cenoura, ônibus, gaolina, etc. não tem nada a ver com taxa SELIC; tem a ver com a demanda e politica.

  4. No passado o BC era acusado de favorecer os especuladores. Ultimamente o próprio BC tem especulado, apostando em cenários futuros.
    Os especuladores cumprem sua função de apostar, o BC claramente desvia de sua funções originais.
    MF

  5. É impressão minha ou aqueles quermesseiros que vinham defender a política econômica não aparecem mais por aqui?
    Alex, vc tem bloqueado os comentários deles?

  6. " tem a ver com a demanda e politica."

    Tá serto, com o aumento da demanda política, o preço dos políticos sobem, daí tanta corrupção.

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