Com hífen, a carne reembalada fica pior. Por Josué Machado

COM HÍFEN, A CARNE REEMBALADA FICA PIOR

Por Josué Machado

Quando o hífen e o pecado da carne são misturados no mesmo pacote

Pelo jeitão da coisa, a reforma ortográfica de 2010 ainda não chegou à “Folha de S.Paulo”, que alguns chamam desairosamente de “Falha de S.Paulo”.

Pois o jornal publicou estes dois trechos sobre o escândalo da carne:

1.“A investigação revelou até mesmo o uso de carnes podres e a re-embalagem de produtos vencidos.”

  1. “…a re-embalagem de produtos vencidos e até papelão na produção de embutidos.”

“Re-embalagem”?

Não há dúvida de que o uso do hífen é algo tenebroso e confuso por causa das várias regras que parecem se contrapor.

Por exemplo, “mandachuva” passou a se escrever assim, sem hífen, e “manda-tudo”, que também quer dizer chefe, figurão, se escreve com hífen. E antes da reforma os dois compostos eram escritos com hífen. Não é uma graça?

Mas de onde teria o redator tirado a ideia de escrever “re-embalagem” com esse glorioso hífen no texto principal sobre os últimos pecados da carne e num destaque paralelo?

Já não se usava hífen depois do prefixo “re” antes da última reforma. Estão lá nos velhos dicionários reeducar, reeleger, reeditar, etc.

São 137 verbetes iniciados com “ree” sem o desnecessário hífen só no primeiro Houaiss, a versão completa, de 2002, anterior à última reforma.

Verdade que os dicionários não registram “reembalar”, mas o “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” de 2009, da Academia Brasileira de Letras, sim, registra.

Em todo caso, os dicionários anotam “reembarcar”, “reembolsar” e outros, que não deixam dúvida sobre como escrever “reembalagem”.

O fato é que um pouco de desconfiômetro e a aplicação da lei da analogia ajudariam o redator e o editor, já que a dúvida e o dicionário fazem bem à saúde e ao texto.

Teria o escriba se sentido mal na hora de escrever por ter comido da boa carne nas últimas refeições?

            ESTE “SÓ” É POUCO OU MUITO?

Verdade que a Polícia Federal fez certo estardalhaço com a divulgação dos pecados da carne estragada. Mas por que não, se se trata de atentado contra a saúde pública com a colaboração de fiscais caras sujas do governo?

(Estaria a Polícia Federal trabalhando à socapa para as carniçarias da terra do Trumpão, como sugerem certas teorias conspiratórias?)

Verdade também que das mais de 4 mil empresas brasileiras produtoras de carne, que Temer Lulia chamou de “plantas” — infeliz e desnecessário anglicismo correspondente a fábricas, produtores, empresas,  frigoríficos — só 21 estejam sendo investigados.

“Só”?

Sim, “só”.

Só que das 21 empresas – não “plantas” –, algumas são das maiores do país e situadas entre as maiores do mundo, como a BRF (dona de Sadia e Perdigão) e a JBS (dona de Friboi, Seara e Swift) – grupos contribuintes contumazes de políticos e organizações políticas desses e dessas que conhecemos.

Uma podridão só.

Só.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

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