O topo do pódio

Segundo a Receita Federal do Brasil o total de tributos
arrecadados em 2013 atingiu R$ 1,6 trilhão, o equivalente a 35,95% do PIB, algo
maior que o observado no ano anterior (35,86% do PIB), fenômeno que se repetiu
em 14 dos 19 anos desde a estabilização da economia em 1994. A fome tributária
do governo brasileiro (nos seus três níveis, mas principalmente no que se
refere à esfera federal) não dá mostras de saciedade. Pelo contrário, o apetite
governamental segue crescente.
De fato, nos 3
primeiros anos da atual administração, a carga tributária saltou de 33,5% para
os já mencionados 36,0% do PIB. Calculados a preços de hoje o total de tributos
cresceu pouco mais de R$ 200 bilhões, enquanto o aumento do PIB no período,
também corrigido pela inflação, correspondeu a R$ 270 bilhões.
Posto de outra forma,
de cada R$ 100,00 a mais produzidos no país entre 2010 e 2013 o governo se
apropriou de R$ 74,00. Destes, pouco menos de R$ 50,00 foram tomados pelo
governo federal, enquanto estados e municípios arrecadaram o restante.
Apesar do aumento da
arrecadação da ordem de 2,5% do PIB, o superávit oficial combinado das 3
esferas de governo (federal, estadual e municipal) encolheu o equivalente a
0,7% do PIB (de 2,6% para 1,9% do PIB) neste intervalo.
A conclusão inescapável
é que a piora do desempenho fiscal – a despeito dos clamores do governo federal
quanto às desonerações tributárias – necessariamente decorre do aumento do
gasto público. Apenas no caso do governo federal este aumento foi equivalente a
1% do PIB de 2010 a 2013; caso 2014 seja incluído na conta o salto passaria a
ser de 2% do PIB.
Trata-se, resumindo, de
um governo que tributa muito, mas consegue a proeza de gastar ainda mais. Já a
contrapartida em termos de serviços públicos é visível: saúde, segurança,
justiça e educação, para ficarmos apenas nos essenciais, continuam abaixo da
crítica, em geral de qualidade inferior àqueles oferecidos em países de renda
per capita semelhante à nossa.
É este o quadro que
espera a nova equipe econômica, um quebra-cabeça com data marcada para sua
solução, à vista da promessa do novo ministro de produzir, sem truques
contábeis, um superávit primário de 1,2% do PIB no ano que vem.
Resta pouca dúvida,
porém, que a principal parcela deste ajuste virá, de novo, sob a forma de
maiores impostos, mesmo que Joaquim Levy tenha sugerido o contrário. A redução
de gastos, se houver, desempenhará o papel de mero coadjuvante, como, aliás,
ocorreu em todos os episódios de “ajuste” fiscal no país.
A perspectiva,
portanto, é que nossos “sócios” em Brasília continuem a se apropriar da parte
do leão (sem trocadilho barato com o mascote da Receita Federal). Há, contudo,
consequências.
Caso mantenhamos o
padrão dos últimos anos, um produtor qualquer reterá apenas R$ 26,00 de cada R$
100,oo daquilo que gerar adicionalmente. Não é necessário ser um gênio, ou
mesmo um neoliberal malvado, para concluir que este arranjo desestimula
fortemente qualquer atividade econômica.
Aliás, é bastante provável
que parcela relevante da queda do investimento observada no período – e,
portanto, de nossa capacidade de crescimento de longo prazo – resulte da
percepção que a maior parte dos frutos deste investimento será colhido pelo
governo, e não por quem o plantou.

A triste conclusão é
que o nosso desempenho fiscal se tornou, há muito, um obstáculo para o
crescimento sustentado do país. Sem um programa que contenha a expansão do
gasto (0,3% do PIB ao ano no caso do governo federal), será difícil crescermos
rapidamente. No entanto, a presidente já deixou claro que considera o controle
do gasto “rudimentar” e que “gasto corrente é vida”. Não é por outro
motivo que colhe o terceiro pior desempenho de crescimento da República; pode
agora lutar bravamente pelo primeiro lugar neste nada honroso pódio.
(Publicado 24/Dez/2014)

8 thoughts on “O topo do pódio

  1. Alex, feliz 2015. Que ao longo do novo ano você continue nos presenteando com a destreza, competência e contundência de textos excelentes como este.

  2. Brilhante comentário.

    Eu não tenho a menor ilusão de que o governo federal vá fazer o "dever de casa"em relação às contas públicas.

    Eles já estão aumentados salários, comprando smartphones, torrando nossos impostos em viagens, etc.

    O boleto pra tudo isso chega na casa de todos os brasileiros.

    Pior que a maioria dos brasileiros nem tem noção do quanto é escravizado.

  3. Bom dia Alexandre!
    Assistindo, pela tv, o discurso do Ministro Joaquim Levy, parece que ele estava cançado no final do discurso. Ele estava quase parando nas ultimas linhas. Voce viu?

  4. Dois economistas no programa da Miriam Leitão disseram que se não fosse a ação do BNDES o investimento teria caído mais.

    Você tem algum post que refuta essa ideia? Caso não tenha,poderia tratar desse assunto em algum post futuro,por gentileza?

  5. "Dois economistas no programa da Miriam Leitão disseram que se não fosse a ação do BNDES o investimento teria caído mais."

    Há o trabalho do Sergio Lazzarini (já acho a referência).

    E, mais recentemente, o trabalho do Bonomo:

    As operações de crédito público – seja crédito direcionado ou originado em bancos com controle governamental – tiveram um papel importante durante a recente crise financeira, compensando a forte contração observada na oferta de crédito livre dos bancos privados no Brasil. No entanto, as concessões de crédito público continuaram a se expandir mesmo após a recuperação da atividade econômica. Usando uma base de dados composta por empréstimos entre bancos e empresas entre 2004 e 2012, perfazendo um painel desbalanceado com quase 1 milhão de empresas, este artigo investiga algumas características importantes da recente expansão de crédito público no Brasil. Os resultados mostram que o crédito direcionado tem sido importante no financiamento de setores intensivos em externalidade socail. No entanto, esses setores não foram os principais beneficiários da forte expansão do crédito direcionado observado desde a crise de 2008. Os resultados também mostram que as empresas maiores, mais maduras e menos arriscadas foram as maiores beneficiadas pela expansão do crédito público. Além disso, apesar de um maior acesso ao crédito direcionado levar a uma maior alavancagem, o efeito sobre a taxa de investimento não é estatisticamente significativo, ao menos para as empresas de capital aberto. Como as taxas de juros praticadas nos contratos de crédito direcionado são mais baixas do que as taxas de juros de mercado, as empresas com maior acesso a este tipo de empréstimo tendem a reduzir o custo de sua dívida.

    http://www.bcb.gov.br/pec/wps/ingl/wps378.pdf

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