Emprego para os jovens, ocupação para os aposentados. Por Aylê-Salassié F. Quintão*

Emprego para os jovens, ocupação para os aposentados

Aylê-Salassié F. Quintão*

            … para um grande número de aposentados, o retorno ao trabalho ajuda a preservar a sanidade física e mental. Portanto, a contribuição é mais subjetiva…

Perde uma bela discussão sobre mudanças na legislação trabalhista quem está concentrado em contar votos, no Congresso, para a reforma da Previdência, cuja rejeição pode criar, de fato, problemas para os aposentados atuais e inviabilizar as futuras aposentadorias. Os temas da reforma trabalhista são ainda mais provocativos. Prevê-se mudanças em cerca de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Entre elas, surgiu uma proposta de Regime Especial de Trabalho para aposentados. O objetivo é facilitar a contratação, pelas empresas, de pessoas com mais de 60 anos para ocupar até 5% das vagas disponibilizadas no mercado de trabalho.

Sugerido pelo Sebrae, o projeto criaria um tratamento exclusivo para a categoria, permitindo  o retorno de idosos ao mercado. Seriam contratos sem vínculo empregatício, e por hora. Para esses haveria isenção do recolhimento da Previdência, do FGTS e de outros encargos. Aproximadamente, 1,8 milhão de pessoas na terceira idade estariam aptos a se beneficiar das oportunidades nos próximos dez anos.

Entre as justificativas do projeto está a preservação do conhecimento adquirido. Em segundo lugar vem a preocupação com a reinserção no mercado de trabalhadores aposentados cujo valor recebido mensalmente situa-se nos limites do INSS, reclamando por uma complementação. Além da subsistência, um grande número dos idosos tem encargos de apoiar diretamente familiares desempregados.

Seria mesmo uma boa opção, se a questão fosse manter a regularidade da produção e dos índices de produtividade. Mas, o sistema produtivo está sendo convocado a renovar seus processos, tecnologias e produtos.

A força de trabalho ou a massa crítica empresarial aposentada provavelmente não estaria em condições de alavancar essas transformações. Mudanças corajosas são com aqueles que estão entrando ou entraram no mercado nos últimos 10 anos. Além disso, os 13 milhões de desempregados são acrescidos anualmente de mais um milhão de novos profissionais que as universidades despejam no mercado. Pessoas muito criativas estão desocupadas e, certamente, “pensando o diabo”, em termos de sobrevivência.

Nesse cenário, ocupar as vagas que surgirem com aposentados seria um contra senso A função social do trabalho precisa ser melhor compreendida. Em tese, o aposentado busca uma atividade, e não propriamente um emprego. Enquanto o jovem cava uma renda para iniciar a vida, o aposentado busca ocupar o tempo. São variáveis distintas para pessoas realmente diferenciadas em termos de habilitação e disposição para empreender. O trabalho tem importantes contribuições intangíveis para as quais poucos prestam atenção, ao focar apenas no salário ou na luta contra o capital.

Professor durante 17 anos, nunca perdi de vista a perspectiva de empregabilidade dos meus alunos. Observava preocupado o achatamento gradativo das oportunidades de trabalho. Com a chegada das novas tecnologias, as empresas passaram a demitir muito, para desespero dos sindicatos dos jornalistas.

Todo dia um jornal era fechado. E eu preparando profissionais para ingressar num mercado em recessão. Não conseguia conviver passivamente com os dramas cotidianos da universidade particular. Um estudante brilhante, com potencial para grande editor, tinha a matrícula suspensa por falta de pagamento. A outra, do mesmo naipe, abandonara o curso porque o pai não conseguia pagar mais a anuidade. Uma terceira vendia bombons em sala para pagar a universidade.

Tudo ficava muito confuso. Percebi que estava dedicando quase a metade do salário a fazer empréstimos para um, pagar a mensalidade para outro, a negociar o prolongamento de dívidas de alguns, quase sempre comprando a caixa de bombons ainda cheia para manter a atenção da aluna na aula.

… A proposta da reforma deveria ser seletiva. Sugeriria a garantia da “renda mínima” para um aposentado, assegurada pelo Estado, por meio de um regime de redistribuição, deixando-o livre para inventar ou reinventar a realidade…

Depois de tanto tempo no magistério, um dia fui demitido. Não me deram muitas explicações, nem eu pedi. Fiquei um pouco aborrecido com o desfecho, porque planejava propor à universidade a redução do meu próprio salário. A inesperada demissão refletiu em mim, contudo, como se fosse um “pé na bunda”. Aborrecido, cheguei a distribuir meu currículo para duas ou três instituições e empresas. Duas me ignoraram, uma me chamou e numa terceira foi preterido por uma jovem de 25 anos. Surpreso, terminei rindo sozinho de mim mesmo: era uma ex-aluna.

Fiat lux! Precisava parar. Não exatamente por causa das diferenças de gerações, mas porque a consciência começou a recusar disputa de oportunidades no mercado com ex-alunos num momento de desemprego crítico. Rejeitei a proposta que recebera. Deixei a vaga aberta para um desesperado.  Fiquei com minhas duas aposentadorias que, depois de acompanhar de perto esse tal rombo na Previdência, passei a achar demasiadas.

Concluo, em tese, que, para um grande número de aposentados, o retorno ao trabalho ajuda a preservar a sanidade física e mental. Portanto, a contribuição é mais subjetiva. Não caberia tirar a oportunidade de trabalho dos mais jovens, mesmo inexperientes, para entregá-las aos mais velhos. A proposta da reforma deveria ser seletiva. Sugeriria a garantia da “renda mínima” para um aposentado, assegurada pelo Estado, por meio de um regime de redistribuição, deixando-o livre para inventar ou reinventar a realidade ou mesmo entregar-se a responsabilidade do consumo, como uma das alavancas para o crescimento da economia.

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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural

 

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