O assunto que tem
dominado o noticiário econômico é a chamada crise dos países emergentes. Com
sinais de recuperação mais sólida da economia norte-americana, espera-se que os
emergentes venham a receber um influxo menor de capitais. Assim, estes países
terão que reduzir seus déficits externos, com exportações maiores e importações
menores, o que requer que suas moedas se enfraqueçam relativamente ao dólar.
Este processo guarda
paralelos incômodos com o observado a partir de meados dos anos 90, quando o
aperto monetário nos EUA contribuiu para uma onda de desvalorizações,
inicialmente no leste asiático, cujos efeitos foram particularmente
destrutivos. Vários países da região sofreram recessões bíblicas e as ondas de
choque acabaram se propagando para todo universo emergente, num fenômeno até
então desconhecido de contágio financeiro. A crise russa de 1998 e o abandono
do câmbio administrado do Brasil em 1999 se devem, entre outros fatores, também
à propagação daquele terremoto original.
Não é acidente,
portanto, a reação de mercados financeiros à (perspectiva de) alteração da
política monetária americana. Quando o mamute se ajeita, a loja treme.
Isto dito, em que pesem
certas semelhanças ao ocorrido então, há diferenças substantivas. Para começar,
enquanto no final dos anos 90 a imensa maioria dos países emergentes adotava
regimes de câmbio administrado, hoje, pelo contrário, moedas flutuantes
predominam. Duas implicações são importantes.
Em primeiro lugar, o
regime flutuante costuma desestimular a tomada de empréstimos externos por
parte de empresas (e famílias), pois o risco de desvalorização (portanto
aumento da dívida em moeda nacional) é elevado. Já sob câmbio administrado é
comum o oposto: a percepção de estabilidade da taxa de câmbio incentiva a
formação de elevados passivos externos. Assim, quando a desvalorização ocorre,
em geral é acompanhada de crise financeira e forte queda do produto.
Em segundo lugar,
quando a taxa de câmbio é administrada os bancos centrais relutam em permitir a
desvalorização (até pelo motivo acima), o que os obriga a elevar fortemente a
taxa de juros para impedir a fuga de capitais, com efeitos negativos sobre o
PIB.
Caso, porém, a taxa
flutue, o BC não tem a obrigação de defender a moeda, apenas moderar o impacto
da desvalorização sobre os preços domésticos, o que tipicamente requer
movimentos de taxas de juros bem mais modestos do que os necessários para
manter uma paridade ameaçada pela mudança de rumo dos fluxos de capitais. Taxas
de câmbio flutuantes, portanto, ajudam a “isolar” a economia doméstica das
alterações do ambiente externo.
Adicionalmente,
escaldadas precisamente pela crise de 1997-99, economias emergentes acumularam
uma grande quantidade de reservas, o que também ajuda a mitigar as ondas de
choque oriundas da reorientação da política monetária americana.
Neste aspecto, parece
exagero comparar o atual processo ao ocorrido no final dos anos 90. A
desvalorização das moedas emergentes, mais que sinal de fraqueza, é parte central
da funcionalidade do regime.
Isto dito, não decorre
do exposto acima que todos os emergentes estejam bem. Há divergências
importantes, que resultam das políticas adotadas durante os anos de capitais
abundantes.
Países que mantiveram
políticas sólidas, controlando gastos e mantendo a inflação na meta, hoje
conseguem atravessar a turbulência de forma muito mais suave. Quem, por outro
lado, desperdiçou a bonança com políticas equivocadas, agora paga o preço do
descontrole, como é claro nos casos de Argentina e Venezuela.

Já no Brasil a falta de
cuidado com a inflação nos últimos anos vai nos custar ainda mais caro. Partindo
de inflação alta e expectativas idem, o BC terá que trabalhar mais duro para
evitar os efeitos inflacionários da desvalorização. Não foi, como bem sabem os
18 fiéis, por falta de alerta.
(Publicado 5/Fev/2014)

15 thoughts on “Crise?

  1. Caro Alex,
    Ótima análise.
    E muito boa aula sobre as virtudes do câmbio flutuante e os riscos de uma política desleixada de combate à inflação.
    Valeu !

  2. Não lembro de ter dito isto, embora, sim, eu ache o Ackerlof um p… economista e um professor extraordinário (as notas de aulas dele – quase uma coreografia – são um capítulo à parte). Proavelmente me referi ao Krugman, não necessariamente pelas conclusões, mas sim pelo método (pequenos modelos, hipóteses ultra simplificadoras).

    Já quanto ao post do Adolfo, temos pontos em comum, outros nem tanto, mas os primeiros são mais importantes do que os últimos.

  3. Toda a análise de conjuntura macroeconômica que faço converge para um ponto comum: o tamanho da recessão que teremos a partir de 2015 na hipótese de, enfim, o(a) presidente empossado (Dilma ou qualquer outro) voltar efetivamente, e não de mentirinha, a perseguir o centro da meta de inflação.

    É, portanto, a famosa Razão de Sacrifício que retém a minha atenção nesses dias calorentos de verão.

    Vou de um a outro modelo, dos mais simples aos mais complexos e lá está a dolorosa e inescapável correção de rumos, uma explosão final – cabruuuumm – de uma bomba relógio armada ainda em 2011 e que recebeu o solene nome de Nova Matriz Econômica.

    Triste destino o que nos aguarda.

  4. Meu caro,

    Se fosse necessario gerar recessao para reduzir a inflacao, deveriamos ter voltado para a idade da pedra com o Plano Real..

    A questao eh fazer as expectativas convergirem e, para isso, uma mudanca no comando do BCB (com um nome de primeira) ja pode ser um otimo passo…

    vlec

  5. Alex você conhece algum 'think thank" estilo o IMIL (instituto milenium) fora do Brasil? Que divulgue ideias liberais,entretanto de forma não " religiosa" como pregam certos o instituto mises,etc.

  6. Caro Anônimo, acho que sua análise ignora alguns aspectos relevantes, tais como:

    i) o comportamento do mercado de trabalho, em pleno emprego, que apenas agora começa a mostrar sinais – lentos – de desaceleração;

    ii) os fortes indícios de queda do Produto Natural da economia brasileira (tenho referências acadêmicas consistências dessa mudança);

    iii) a ineficiência da Política Monetária ante esses 54% do crédito total da economia (crédito direcionado) que não respondem a elevações das taxas de juros – esse é outro aspecto que vem sendo explorado por diversos economistas de primeiríssima linha;

    iv) a ausência de sinalização de mudanças consistentes na expansionista Política Fiscal em curso. Vem aí, meu caro, o PAC 3 e mais 1 milhão de casas no Minha Casa Minha Vida. Muitos economistas ainda não perceberam o caráter inercial da gastança pública que caracterizou o período pós 2008 e que em 2011 foi incorporado a essa esdrúxula invenção batizada de Nova Matriz Econômica.

    v) A pressão cambial que vem por aí, com dólar namorando os R$ 2,60. E o Goldfajn e outros bons analistas ainda enxergam algum overshooting importante até o final do ano.

    vi) O represamento dos preços administrados. Que tipo de ancoragem muda a expectativa de que num dado momento vão explodir?

    vii) A ressurreição de diversos mecanismos de indexação formal e informal na economia.

    Por fim, sugiro uma leitura mais comedida do velho Lucas, para o qual nem mesmo sob um cenário de total credibilidade da Política Monetária, com absoluta convergência de expectativas, é possível reduzir a inflação sem aumento de desemprego. Afinal, as expectativas são racionais, certo? Ou seja, os agentes ponderam tudo em tempo real, inclusive, a dinâmica da Política Fiscal, comportamento do mercado de trabalho, eficácia da Política Monetária, cenário externo, câmbio, etc.

    Assim, nem mesmo colocando o Gustavo Franco na presidência do BACEN, algo bem dentro da sua proposta, esse centro da meta é alcançado sem recessão. E esta chaga retificadora de rumos tende a ser tato menor quanto mais restritiva passar a ser a Política Fiscal.

    Sobre a dinâmica da inflação durante os primeiros anos do Plano Real, os aspectos fundamentais da análise são outros, por óbvio. Naquele momento, a ancoragem de expectativas tinha um papel muito mais relevante (a inflação em 1993 foi de 2.708,2%, medida pelo IGP), e as políticas eram críveis (o Plano teve como ponto de partida um ajuste fiscal severo, que depois foi relaxado!), contudo, mesmo assim, saliento que o desemprego seguiu aumentando a partir de 1995 até 1998 (essa foi a bandeira de Lula no pleito eleitoral deste último ano!) em perfeito compasso com o comportamento da inflação (IGP), que foi de 14,8% em 1995, 9,3% em 1996, 7,5% em 1997 e 1,7% em 1998.

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