A lei, ora a lei…Por Josué Machado

A LEI, ORA A LEI…

Por Josué Machado

Alguns juízes deitam, rolam e deslizam gostosamente na cama elástica da Constituição esparramada e cheia de remendos, ecoando a expressão de Getúlio.

O ministro Gilmar Bocarra ou Beiçola Mendes se sentiu livre para convidar Temer Lulia, Moreira Franco e Eliseu Padilha para um jantar ameno (pago por nós)  na casa dele (paga por nós) pouco antes do recesso de julho em encontro fora da agenda oficial. Repetiram o encontro dias depois também fora da agenda.

Para o jantar, foram todos à ministral casa em carros pretos de luxo (pagos por nós, assim como a gasolina), protegidos por uma ou duas dúzias de seguranças em outros carros pretos (pagos por nós, assim como a gasolina), fazendo horas extras (pagas por nós).

Os três ainda ilustres convivas são investigados e denunciados. Faltaram Geddel Vieira Lima, Eduardo Cunha e outros, que não puderam ser convidados por motivo de força maior, bem maior.

Grupo formidável em jantar formidável no qual se discutiram amenidades: o tempo, filmes em exibição, o sabor macio do uísque single malte (pago por nós), o que fazer no recesso. Coisas assim, suaves. Nada das acusações contra Temer, nada de Joesley Safadão gravante, nada do desafeto de todos, Rodrigo Janot, nada da nomeação da que seria a substituta dele na Procuradoria Geral da República, Raquel Dodge (depois confirmada).

Assim foi.

Juiz de todos os juízes, Beiçola não se preocupou com o fato de que seus ínclitos convidados poderão ser julgados daqui a algum tempo pelo STF que ele ainda integra.

Se isso ocorrer, claro que não se declarará impedido de participar do julgamento. Nada disso.

A lei é boa, maleável e distensível à vontade do manipulador.

Por isso, o melhor da carreira de um juiz brasileiro talvez seja a expansão desmedida da Constituição de 1988 com seus 250 minuciosos artigos temperados pela generosidade de 96 emendas, o que faz dela a mais inchada das constituições da Via Láctea.

Tanto que os meritíssimos (isto é, muito merecedores) juízes não raro torcem um que outro artigo para extrair da Lei os fundamentos de sentenças vez que oitra conflitantes: um condena aki com base em certos tópicos enquanto outro inocenta ali apoiado em outros.

São os artigos, parágrafos incisos e alíneas bem cruzados e combinados à vontade do freguês, isto é, do meritíssimo.

Por isso Aócio foi afastado do cargo pelo ministro Edson Fachin e depois reconduzido por Marco Aurélio Rococó de  Mello.

Por isso Fachin mandou para casa o “rapaz de boa índole” Rodrigo Rocha Lores depois de tê-lo engaiolado. Vai que o rapaz começasse a denunciar, dedurar e apontar distrações de seu antigo protetor Lulia… Seria uma caquinha!

Por isso o barroco Marcaurélio talvez tenha liberado o banqueiro Salvatore Cacciola, o goleiro Bruno e outros de estranhos casos. Foi Marcaurélio, aliás, o único da turma a votar pela libertação de Suzane Von Richtofen, a que ajudou a matar os papais a pauladas.

Por isso também, finalmente, um juiz ministroso como Gilmar Bocarra e Beiçola Mendes – que sabe exatamente como tudo deve ser feito na área jurídico/política — já tenha livrado da acusação e da prisão criaturas como o banqueiro Daniel Dantas, o ex-médico Roger Abdelmassih e o ex-bilionário Eike Batista.

Bocarra, Marcaurélio e todos os juízes fazem o que fazem sempre em nome da lei e nela sempre bem apoiados. Sempre.

Haja criatividade ou seja lá o que for.

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Poste escrito: “Bocarra” e “Beiçola” se referem a qualidades espirituais da figura – Bocarra pela “disenteria verbal” imperativa; Beiçola pela arrogância evidente no beição caído.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade

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