Sonhos de Taciana. Por Aylê-Salassié F. Quintão*

Sonhos de Taciana

 Aylê-Salassié F. Quintão*

A crise instalada não se alimenta, portanto, somente da delinquência institucionalizada, que não inocenta o ex-presidente, mas também pela resistência do seu partido em assumir a responsabilidade pela crise que gerou…
“Sonho para o Brasil  com o dia em que alguém desenvolva uma nova patente, publique uma pesquisa importante ou ganhe um prêmio Nobel, e os  estranhos digam: Tinha que ser brasileiro!” Essa é  a esperança interrompida de milhares de jovens neste País, expressa em uma constrangedora palestra na Universidade Harvard (EUA),  pela curitibana, de 22 anos, bolsista em bioengenharia, Taciana Pereira, levando às lágrimas os presentes, inclusive o juiz Sérgio Moro, também convidado.
              Embora o Brasil seja reconhecido internacionalmente  pelas suas  virtudes  naturais,  elas parecem muito acima da qualificação dos seus dirigentes. Mergulhados numa crise sem fim,  governo e economia  sobrevivem,  há quatro anos,  deixando  deslizar sem rumo  o futuro de milhares jovens e trabalhadores.  Desqualificado pelas agências de avaliação de risco, o Brasil  se beneficia da liquidez do mercado e da disposição de investidores estrangeiros corajosos que ainda acreditam  nas potencialidades do País.
            Delicadíssima a situação atual da economia. Uma repentina fuga de capitais, tal como aconteceu na Argentina,  pode levá-la à bancarrota, restaurando os níveis de pobreza absoluta, à semelhança do que ocorreu lá também. A tábua de salvação são os R$ 350 bilhões em reservas.  Mas, se houver necessidade de recorrer a elas, os brasileiros terão chegado ao fim do túnel.
                         A injeção de  R$ 38 bilhões na economia, provenientes dos saques no Fundo de Garantia, tirou 70 % dos devedores da condição de inadimplência, mas 24% não conseguiram regularizá-la.  Para além disso, um grande número dos favorecidos com a estratégia do Governo tem evitado fazer compras: só o necessário. Usam a poupança para impedir que o dinheiro desapareça,  o que dificulta um fôlego novo na economia.
             Há esperança de que os aportes do FGTS possam alimentar a travessia até dezembro, quando a produção é naturalmente aquecida. Até lá, parece cada dia mais obstruída e dramática a vida das pessoas.  O uso desse dinheiro para amenizar a crise do emprego  trouxe um certo alívio, sim, mas ficou evidente  que o crescimento da poupança e a deflação não deram ao brasileiro a segurança de que tudo vai retornar à normalidade  em breve.
             Na medida em que as delações se ampliam, novos personagens afloram, anuviando o panorama. Há um receio, potencializado pelos discursos correntes, de que a Pinguela caia. O Banco Central acaba de rever para baixo as projeções do crescimento em 2017. É uma sinalização para a possibilidade de um prolongamento da crise e da inamovibilidade do desemprego. O governo tenta sobreviver e reanimar o sistema produtivo com o anúncio das reformas, esperando também amenizar as emulações  políticas. Mas, a Oposição insiste em refutá-lo, denunciando atitudes e práticas delituosas dos dirigentes que, embora requeiram ainda “materialidade apropriada”, leva à perda gradual da confiança. A caravana passa, a reforma trabalhista está sendo aprovada, mas  não acaba aí.
               Do outro lado está,  supostamente,  FHC – o criador da Pinguela – viajando, “de férias”, para a Europa, mas  defendendo a renúncia do Presidente e as eleições diretas. Seu partido, o PSDB, com as bases estremecidas, já não está certo de apoiar o Governo. Um grande número de correligionários de Temer, também não.
           “Ninguém aguenta mais o governo Temer”, diz o suspeito senador Renan Calheiros, que defende a substituição constitucional pelo o atual presidente da Câmara. Para que serviria isso? Para aprovar as reformas e completar a travessia até as eleições de 2018? A Oposição reage. O PT prega as eleições diretas já.
           Há uma bateria de fogo concentrada na direção de Temer.  Começa nos sindicatos, passa pela Procuradoria Geral da República, avança pelo Congresso e sobe ao Supremo. Não há sinais de contemporização. O Presidente está acuado na Pinguela. Simula segurança e força com um discurso positivista. Entre os próprios companheiros de legenda há quem esteja convencido de que o melhor para o País seria a renúncia. Rodrigo Maia (DEM-RJ) seria o substituto imediato, e o possível condutor de uma  “inevitável e tumultuada travessia” representada pelas reformas da previdenciária e a da política. Conseguiria?!
             Em reunião do diretório nacional do Partido dos Trabalhadores, em Brasília, Lula  enfatizou que: “Rodrigo Maia está se preparando para ser o próximo presidente da República como seguidor do golpe, e não podemos achar que um golpista é melhor do que outro. Golpista é golpista”.
            A crise instalada não se alimenta, portanto, somente da delinquência institucionalizada, que não inocenta o ex-presidente, mas também pela resistência do seu partido em assumir a responsabilidade pela crise que gerou. Para se proteger, decreta intencionalmente a continuidade do caos. Não há uma iniciativa que atenue. Falta diálogo, criatividade e mais rigor da lei. Nesse momento, governante parece ser mesmo protagonista de “um filme de terror”. As vítimas são as novas gerações e os próprios trabalhadores.
             Assim, preocupa o destino  que terão, lá em Harvard,  os sonhos de Taciana, se a Pinguela cair?

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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural

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