O injustiçado Valdir Peres. Coluna Mário Marinho

O injustiçado Valdir Peres

COLUNA MÁRIO MARINHO

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Antes e mais nada, é o seguinte: Valdir Peres foi um grande goleiro.

No último dia 5 de julho, completaram-se 35 anos da tristemente famosa “Tragédia de Sarriá” quando a espetacular Seleção Brasileira dirigida por Telê Santana foi eliminada da Copa da Espanha, 1982, pela Itália.

Jogando o fino do futebol, empolgando este e outros mundos a Seleção acabou batida por 3 a 2.

Li e ouvi naqueles dias, muitas críticas ao goleiro Valdir Peres.

Provavelmente, pessoas que nem assistiram aos jogos do Brasil condenando Valdir Peres, culpando-o por um, dois ou os três gols da Itália.

Alguns mais nervosos chegaram a levantar dúvidas do por que Telê convocou Valdir e deixou no Brasil outros goleiros muito mais eficientes que o Valdir. Acusações sem nexo, sem o menor sentido que deixam no ar várias interpretações.

Eu acompanhei muito de perto a carreira do Valdir que começou em sua cidade natal, Garça, passou pela Ponte Preta – Campinas, onde jogou de 1970 a 1973, quando se transferiu para o São Paulo, cuja camisa vestiu até o ano de 1984. Daí, teve passagens pelo América-RJ, Guarani- SP, Corinthians- SP, Portuguesa de Desportos- SP, Santa Cruz- PE e voltou à Ponte para encerrar a carreira.

A grande fase de Valdir Peres foi no São Paulo. Com 611 jogos (269 vitórias, 193 empates, e 122 derrotas), foi o segundo jogador que mais vestiu a camisa do São Paulo, perdendo apenas para outro grande goleiro, o multirrecordista Rogério Ceni.

Dentro e fora de campo foi sempre muito respeitado por companheiros e adversários.

Tinha característica especial, assim como Rogério Ceni: defender pênaltis.

Nesse momento, aliava técnica e agilidade, que possuía em quantidade, com pontual certa catimba.

Participamos juntos de diversos programas de televisão. Em um deles, explicou porque sempre defendera muitos pênaltis em sua carreira (em uma época, é bom lembrar, que não havia internet, não havia tanta informação sobre cobradores de pênaltis).

Aliás, nem mesmo eram marcados tantos pênaltis. Vigorava até uma frase do filósofo carioca Neném Prancha:

– O pênalti é tão importante que deveria ser cobrado pelo presidente do Clube. De terno e gravata.

As táticas usadas por Valdir Peres eram as seguintes, segundo ele mesmo:

– Se o jogador for brasileiro, eu procuro chegar perto dele e digo: se você bater no canto direito eu pego. Isso confunde a cabeça dele, o coloca em dúvida. Se for no estrangeiro, eu me adianto e defendo. O que o juiz vai fazer? Apenas mandar repetir. Aí, meu amigo, o cobrador já estará com uma minhoca a mais na cabeça: mudo de canto, não mudo… E eu acabo pegando também.

Mas ele fez uma ressalva: se a situação estiver muito ruim, aplicam-se as duas táticas.

Em 1981, o Brasil fez uma excursão pela Europa e enfrentou a Alemanha, a França, a Inglaterra e a Espanha.

Contra a Alemanha, 2 a 1, Valdir Peres defendeu o mesmo pênalti batido por Paul Breitner, cobrado duas vezes. Reparem como ele aplica a tática do adiantamento. A narração é do saudoso Luciano do Valle.

Telê já desenhava ali o forte e inesquecível time da Copa de 1982. Eis a escalação:

Valdir Peres (São Paulo- SP); Edevaldo (Fluminense- RJ), Oscar (São Paulo-SP), Luzinho (Atlético- MG) e Júnior (Flamengo- RJ); Toninho Cerezo (Atlético-MG), Sócrates (Corinthians- SP), Zico (Flamengo- RJ depois Vítor, também do Fla); Paulo Isidoro (Atlético-MG), César (Vasco- RJ depois Renato do São Paulo- SP) e Eder (Atlético-MG).

Nesta excursão, o Brasil venceu a Inglaterra (1 a 0); a França (3 a 1) e a Espanha (1 a 0). E ainda há quem duvide da qualidade desse time!

Veio a Copa de 1982.

A estreia do Brasil foi contra a União Soviética do goleirão Dasaev.

E foi aí que Valdir Peres se deu mal. Aos 34 minutos do primeiro tempo, o meia Bail chutou de longe e Valdir tomou um frangaço. Ainda bem que Sócrates empatou no segundo tempo, também um golaço; e pouco depois, Paulo Isidoro cruza pela direita, Sócrates abre as pernas para a bola passar e Eder marca um senhor gol.

Bem, veio o jogo fatídico do dia 5 de julho de 1982, no estádio Sarriá.

Convido o amigo ao sofrimento de rever os gols. Mas, veja com atenção: onde Valdir Peres falhou?

No primeiro gol da Itália, Paolo Rossi aparece livre para cabecear. Sócrates empata em bela jogada com Zico.

No segundo gol da Itália, Cerezo passa bola entre Luizinho e Falcão. Os dois titubeiam e Paolo Rossi aparece para sair na cara de Valdir Peres e marcar. Falcão empata em mais um belíssimo gol que teve a participação de Júnior e Falcão.

No terceiro gol, há o escanteio a favor da Itália. Para quem diz que o Brasil não se fechou após conseguir o empate, 2 a 2, que lhe daria a classificação, repare que Sócrates está na entrada da área e pula com o zagueiro Oscar, que também era alto, mas eles não conseguem cortar a bola que vai para o atacante italiano e dali para Paolo Rossi que poderia estar impedido, não fosse o fato de o zagueiro Júnior ter ficado colado à trave, após cobrança do escanteio, dando condições de jogo a Paolo Rossi.

Veja os lances.

Se Brasil e Itália estivessem jogando até hoje, é provável que o placar estivesse em 1.392 a 1.391 a favor da Itália. Com 1.392 gols de Paolo Rossi.

Em um outro programa de televisão, perguntei a Valdir Peres qual era o lance que não saía de sua cabeça. Ele me respondeu que foi o frango contra a Rússia.

– Mas, naquela Copa, argumentei, você fez outras muitas importantes. E a falha contra a Rússia não foi decisiva, já que o Brasil virou.

– É, disse ele conformado, mas as pessoas se lembram mais das falhas do que das virtudes. E muitos acham que fui eu o culpado pela perda da Copa.

E foi realmente o que aconteceu. Alguns poucos de memória curta somados a muitos que não viram os jogos naquela época, acabaram por sedimentar a injustiça contra Valdir de Arruda Peres, esse nobre cidadão brasileiro que nasceu em Garça – SP e foi um grande goleiro que resistiu a falhas dentro do gol, a uma grande injustiça, mas não ao infarto que o matou na cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, no dia 23 de julho em 2017.

Salve, Goleirão!

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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