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Os fins e seus meios. Por Alexandre Schwartsman

Os fins e seus meios

Por Alexandre Schwartsman

…seguimos gastando mais do que o suficiente para fazer nossa dívida crescer de maneira acelerada, mas não para termos serviços públicos com um mínimo de qualidade. O resultado deste arranjo é o aumento da meta de déficit para 2017 e 2018…

 Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 16 de agosto de 2017
Há no país uma crença estabelecida: se queremos atingir determinado objetivo simplesmente passamos uma lei afirmando isto e damos o assunto por resolvido; pouca atenção é dedicada à construção dos meios para chegar onde queremos. Este padrão também se aplica à principal medida aprovada até agora no âmbito fiscal, a criação do teto para as despesas federais.
Considero o teto um passo importante para recuperarmos o equilíbrio fiscal, em particular porque institui como princípio o controle das despesas, que cresceram de forma praticamente ininterrupta por 20 anos, de R$ 454 bilhões em 1997 para R$ 1,3 trilhão nos 12 meses terminados em junho, valores expressos a preços de junho de 2017. No entanto, como tive a oportunidade de apontar mais de uma vez, trata-se de um ponto de partida, não a jornada completa.
De fato, a emenda aprovada no ano passado estabelece medidas de controle de gastos em caso de violação do limite (os incisos de I a VII ao artigo 109 da Constituição), mas não dá nenhum instrumento para evitar que isto aconteça. Ao contrário, deixadas à própria sorte, as despesas obrigatórias – notadamente as ligadas à previdência, mas uma série de outros gastos também – seguirão crescendo sem controle.
No primeiro semestre deste ano, por exemplo, as despesas obrigatórias aumentaram pouco mais de 5% na comparação com o mesmo período do ano passado, já descontada a inflação, ou seja, R$ 24 bilhões. Já as despesas ditas “discricionárias” caíram R$ 23,1 bilhões, em particular o investimento, que registrou R$ 11 bilhões de retração no mesmo período.
Há, portanto, um paradoxo: faltam gastos em setores vitais para a operação do estado, mas, em outros flancos, as despesas ainda crescem a ritmo quase chinês. Desta forma, não apenas o governo deixa de controlar o conjunto do dispêndio federal, mas também a rigidez do gasto público aumenta (com maior peso para as despesas obrigatórias), enquanto a qualidade do gasto federal despenca.
Posto de outra forma, conseguimos o pior dos mundos: seguimos gastando mais do que o suficiente para fazer nossa dívida crescer de maneira acelerada, mas não para termos serviços públicos com um mínimo de qualidade. O resultado deste arranjo é o aumento da meta de déficit para 2017 e 2018 em meio a notícias como corte no orçamento das forças armadas, assim como na Polícia Federal, entre outros.
Deve estar claro que esse arranjo não é sustentável. Sem controle da despesa obrigatória não interessa que o teto de gasto esteja inscrito no código penal, na constituição, ou mesmo nos 10 Mandamentos: não há diploma legal que se sobreponha a um fato inexorável. Se a lei estiver no caminho, será devidamente alterada, podem contar com isto.
Obviamente não estou recomendando que o teto constitucional seja revogado, apenas notando que, pelo que sabemos das instituições brasileiras, contar com mandamentos legais sem trabalhar para que funcionem é cortejar o fracasso. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que, reconheço, é uma lei complementar, não um preceito constitucional, não foi capaz de evitar a imensa deterioração das contas públicas.
A moral é simples: não resolveremos o problema só passando leis que expressam nossos objetivos; vamos ter que ralar muito para por este país em ordem.

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Alexandre-BSB * ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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