Jurassic Park. Por Alexandre Schwartsman

Jurassic Park

Por Alexandre Schwartsman

… Sigo com dificuldades para conectar os pontos “teto rompido” e “fazer tudo o que precisa”, talvez a mesma dificuldade que os personagens de Jurassic Park tenham enfrentado quando o matemático critica a abordagem adotada pelo programa de criar apenas fêmeas para evitar a reprodução dos dinossauros…

 Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 30 de agosto de 2017
Não pretendia comentar a proposta de privatização da Casa da Moeda, por me parecer um tópico de pouca importância (e é!), mas tive a triste oportunidade de ver nas redes sociais toda espécie de bobagens, inclusive de “economistas” heterodoxos-novo-desenvolvimentistas-keynesianos-sei-lá-o-que-mais e não resisti.
Para colocar nos termos mais simples possíveis, a Casa da Moeda é apenas uma gráfica qualificada. Quem determina gestão da moeda nacional é o Banco Central, cliente da Casa da Moeda, assim como de outras gráficas (importou no começo do ano 100 milhões de cédulas de R$ 2,00 da Crane AB da Suécia pagando cerca de R$ 20 milhões por elas). Não faz a menor diferença quem controla a gráfica; o relevante é tirar do governo de plantão mais alguns cargos públicos que costumam ser utilizados para fins inconfessáveis.
Esclarecido o ponto, vamos ao que interessa. Samuel Pessôa, amigo e colega de espaço, deu uma ótima entrevista ao Valor Econômico, cuja leitura recomendo. Embora concorde com toda sua análise econômica, há um ângulo mais político que o Samuel menciona e sobre o qual sou mais cético.
Ele atribui, com razão, a atual calma ao teto constitucional de gastos. Em suas palavras, “se mexer no teto o câmbio vai a R$ 5 (…) O mercado não está calminho à toa. Não é pelos belos olhos do Michel Temer. A âncora é o teto”.
Mais adiante nota que, se o teto for rompido “vai gerar tanto problema que você vai constituir uma base de apoio para aprovar a reforma da Previdência e fazer tudo que precisa fazer para gerir o conflito distributivo de modo civilizado”. E é aqui que tomo um rumo distinto do Samuel e do mercado em geral.
Sigo com dificuldades para conectar os pontos “teto rompido” e “fazer tudo o que precisa”, talvez a mesma dificuldade que os personagens de Jurassic Park tenham enfrentado quando o matemático critica a abordagem adotada pelo programa de criar apenas fêmeas para evitar a reprodução dos dinossauros. Ele apenas afirma “a vida há de encontrar um caminho”, o que, de fato, ocorre no filme (ou seja, o Samuel pode estar certo), sem, contudo, explicitar os passos que ligariam um evento a outro.
É verdade que até o governo Temer, com todas suas limitações, pode ter chegado perto da aprovação da reforma previdenciária (jamais saberemos, graças ao inefável Joesley), mas tivemos também a oportunidade de ver como a sociedade se opõe ao ímpeto reformista.
Abusando do meu chapéu de cientista político amador, me parece necessário que a proposta de reformas seja colocada explicitamente à população nas eleições do ano que vem, mesmo porque acabamos de ver as reações a uma administração que se reelegeu dizendo que tudo estava bem para, logo em seguida, ter que admitir problemas graves e recrutar um ministro da Fazenda dentre aqueles a quem demonizou durante a campanha. Mentir para reformar não vai funcionar… (E, deixo claro, o Samuel não está sugerindo isto).
Aí pergunto: qual é a chance de vitória de uma plataforma reformista em 2018?
Torço para que seja alta, mas torcida é uma coisa e realidade outra. O tempo corre contra e temo que em breve passemos do ponto em que ainda haverá o que fazer. Se esperarmos o teto estourar para começarmos a nos mexer, tenho convicção que terá sido tarde demais.

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Alexandre-BSB * ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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