Espanha estilhaçada. Por Milton Blay

Espanha estilhaçada

Milton Blay

…Quaisquer que sejam as alternativas, as consequências são imprevisíveis. Barcelona vive em estado de tensão permanente. E o que se vê é que cada ação de um lado potencializa a reação do outro.

Post do autor no Facebook, 5 de outubro de 2017
O divórcio está próximo. O presidente catalão, Carles Puigdemont, deixou claro que vai declarar a independência da Catalunha no final desta semana ou no início da outra, apesar de deixar a porta entreaberta à negociação com Madri. A expectativa é de que isso aconteça no domingo, dia 8, para que as pessoas possam ir às ruas apoiar o governo regional, ou nesta sexta-feira, dia que coincide com o aniversário da primeira declaração da independência da Catalunha, em 1934. Em 6 de outubro daquele ano, em Barcelona, o presidente da Generalidad de Cataluña, Lluís Companys, proclamou o Estado Catalão dentro da República Federal Espanhola.
Do lado de Madri, especula-se que o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, possa aplicar o artigo da Constituição que suspende a autonomia da Catalunha. Neste caso, a região passaria a ser administrada pelo governo central, os dirigentes catalães seriam cassados e convocadas eleições regionais. A policia catalã seria dissolvida e a Guardia Civil assumiria a segurança da região. Os primeiros passos nessa direção já foram dados pelo Tribunal Constitucional.
Quaisquer que sejam as alternativas, as consequências são imprevisíveis. Barcelona vive em estado de tensão permanente. E o que se vê é que cada ação de um lado potencializa a reação do outro.
A violência teve como efeito o fracasso do governo espanhol, enquanto os independentistas reforçaram sua legitimidade. Num país democrático é impensável que as forças de ordem sejam convocadas para bater na população que pacificamente tenta votar. De memória de elefante nunca se viu algo assim.
Como assinalou o politólogo Álvaro Vasconcelos, nas colunas do Publico, de Lisboa, “a unidade nacional e a democracia só podem sobreviver enquanto as duas significarem a mesma coisa”.
… Enquanto os políticos não sentam e discutem, nas ruas a temperatura sobe. Ao invés de uma maior autonomia, que poderia talvez levar a Espanha a uma espécie de Estado federativo, proposto pelos mais sensatos, o que se vê é a radicalização, que provoca um clima de quase guerra civil.
O nacionalismo catalão ressurgiu com força nos últimos anos, devido em parte à crise econômica, e converteu em separatistas muitos catalães que antes se diziam espanhóis. Em oposição, ressurgiu o nacionalismo espanhol, a tal ponto que, neste momento, as bandeiras de um e outro lado são usadas como armas para defender uma identidade contra a outra.
Não se pode pensar a Catalunha a partir do nacionalismo identitário excludente, que é um dos flagelos da Europa atual. Foi na Catalunha por exemplo que aconteceu a maior manifestação europeia em defesa dos refugiados. Assim como foi o entusiasmo catalão com a restauração da democracia, no fim do franquismo, que permitiu manter a unidade da Espanha.
O que Mariano Rajoy parece não entender é que não é possível hoje impor a unidade pela força, nem mesmo em nome da Constituição, do Estado de Direito. O governo espanhol não está combatendo o separatismo basco da ETA, que recorria à violência, está diante de uma nação catalã, com a sua identidade, a sua língua, uma cultura própria e um vínculo com a democracia muito mais profundo que no resto da Espanha (o franquismo que o diga!).
Enquanto os políticos não sentam e discutem, nas ruas a temperatura sobe. Ao invés de uma maior autonomia, que poderia talvez levar a Espanha a uma espécie de Estado federativo, proposto pelos mais sensatos, o que se vê é a radicalização, que provoca um clima de quase guerra civil. O diálogo que a comunidade internacional pede aos governos catalão e espanhol parece, ao menos no curto prazo, improvável.
Paralelamente, Felipe VI mostrou que não está à altura de seu pai Juan Carlos. A mensagem do rei contra o governo catalão, acusando Puigdemont de “irresponsável”, de ter sido de uma “deslealdade inadmissível” ao tentar “quebrar a unidade da Espanha e a soberania nacional”, colocou ainda mais lenha na fogueira. O monarca afirmou que “perante a situação de extrema gravidade, seu compromisso é com a unidade da Espanha, a defesa da Constituição e o respeito à lei”. Agindo assim, abdicou de seu poder moderador (tão fundamental quanto o de defensor da Constituição) para se alinhar de maneira total e irrestrita com o governo de Mariano Rajoy para frear o independentismo na Catalunha.
A resolução da crise catalã está ligada à superação da crise da democracia espanhola, que ao contrário de Portugal não gerou alternativas à política de austeridade. A demissão de Mariano Rajoy é uma condição sine qua non para abrir caminho a um novo consenso em torno da ideia de um Estado catalão em uma Espanha Federal, tal como em 1934.
A Catalunha parece pronta. Madri não.

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Milton Blay – jornalista . Com passagem em vários veículos. Foi correspondente da Rádio BandNews FM em Paris, onde vive,  por vários anos.

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