O “erro” de 2008 e o erro de 2011

A forte queda da atividade no final de 2008 ainda é vista por muitos como prova do “erro” do Banco Central à época. Segundo esta visão, a demora do BC para reduzir a taxa de juros teria impedido a recuperação mais rápida da economia, assim como uma queda ainda mais pronunciada da taxa real de juros. Esta é a justificativa para que agora o BC procure se antecipar à crise, promovendo uma redução expressiva de taxa real de juros, de cerca de 7% para algo como 4,5% ao ano, com o intuito de evitar a repetição do “erro de 2008”.
Há, contudo, equívocos sérios com tal versão. A começar porque superestima – e muito – o papel da política monetária na contração do produto naquele momento. O gráfico mostra o desempenho da produção industrial brasileira juntamente com as estimativas do CPB referentes à importação (quantum) e produção industrial globais, tomando como base os níveis observados no terceiro trimestre de 2008. Como se vê, a produção industrial brasileira seguiu muito de perto o desempenho do comércio e da produção mundiais. Isto indica que, mais do que a taxa de juros, foi o contágio da economia global quem determinou a aguda retração da economia brasileira no final de 2008.
Fontes: CPB e IBGE
Obviamente, como sempre insisto, temos que considerar também o que poderia ter ocorrido caso o BC tivesse reduzido a Selic mais cedo, ainda no quarto trimestre de 2008. Parece razoável, dada a relação relativamente estável entre a taxa real de juros e o comportamento da demanda doméstica, que esta última teria reagido ainda mais cedo do que o fez, o que possivelmente teria levado a uma recuperação ainda mais rápida da produção.
Caso isto tivesse acontecido, porém, o comportamento do chamado “hiato do produto”, a medida da ociosidade da economia relativamente ao seu potencial, também teria sido distinto, assim como a inflação.
Com efeito, minhas estimativas, combinação da taxa de desemprego e do nível de utilização de capacidade instalada da indústria, revelam que a utilização geral de recursos teria caído cerca de 2,5 pontos percentuais entre setembro de 2008 e março de 2009 (de 88,5% para 86%), movimento consistente com a queda expressiva da inflação em 2009, uma vez considerada a defasagem de cerca de 2 trimestres. Tivesse, pois, a atividade se recuperado mais rápido que o observado, muito provavelmente a inflação, que ficou na meta em 2009, a teria superado.
Note-se, ademais, que também o comportamento das expectativas de inflação à época reforça esta noção. Embora tivessem inicialmente se deteriorado, refletindo os temores (meus inclusive) associados à desvalorização da moeda, as expectativas, ao se normalizaram no começo de 2009, ajudaram a criar o espaço para a redução não-inflacionária da Selic. Neste aspecto também o “timing” da reação foi correto, pois a perda de controle das expectativas implicaria – mesmo sob maior ociosidade – inflação superior à meta.
Se isto é verdade, não parece ter havido nenhum “erro” do BC na formulação da política monetária em 2008-09. Pelo contrário, a velocidade de recuperação da economia e o comportamento das expectativas se mostraram consistentes com a meta de inflação, sugerindo adequação da política monetária. Em particular, não há indicações que teria sido possível redução mais expressiva da Selic sem o comprometimento da meta.
Isto dito, a discussão sobre o que foi (e o que poderia ter sido) a política monetária há 3 anos nos oferece lições que parecem ter sido solenemente ignoradas no atual ciclo. Naquele momento partíamos de uma taxa de inflação pouco inferior ao teto da banda, mas sofrendo os efeitos de um colapso da economia global que levou a uma considerável expansão da ociosidade na economia, cujos reflexos se fizeram sentir sobre a taxa de inflação, com o auxílio luxuoso de expectativas em plena convergência para a meta.
Já ao início deste ciclo de afrouxamento monetário partimos de uma inflação superior ao teto da banda, sob expectativas de inflação ainda consideravelmente acima da meta (na verdade piores hoje do que eram quando da decisão inicial de redução de juros) e com indicações de ociosidade muito menos favoráveis do que as observadas há 3 anos, dado que as estimativas de utilização de recursos se encontram agora ainda ao redor de 89%-89,5%.
A despeito disso, as taxas reais de juros hoje se encontram em patamares inferiores aos observados em 2009, gerando um impulso ainda maior sobre a demanda doméstica. Sob tais circunstâncias, não me parece que uma crise que gere impacto “equivalente a um quarto do (…) observado durante a crise internacional de 2008/2009” seja suficiente para fazer a inflação retornar à meta em 2012. Só intervenção divina, ou uma crise bem mais séria, farão o serviço, sugerindo que ao Copom resta torcer pela piora da situação europeia, ou uma súbita onda de religiosidade.
Novos instrumentos de política monetária
(Publicado 1/Dez/2011)

21 thoughts on “O “erro” de 2008 e o erro de 2011

  1. Meus caros,
    Juntem a isto um presidente do BC fraco e um claro abandono do regime de metas (e um claro quadro de populismo econômico) e temos a receita do desastre.
    Saudações

  2. Concordo que ceteris paribus a política monetária estava correta no momento. Mas muita gentereclama do mix entre política monetária e fiscal naquele momento. Muitos dizem que se tivesse havido menos estímulos fiscais e sido deixado a cargo mais a cargo da política monetária, teriamos juros menores hoje em dia.
    Mas me pergunto se isso seria possível. Dada a paralisia do sistema financeiro na época, não haveria empoçamento de liquidez? Ou seja, a política monetária teria potência o suficiente para induzir a uma recuperação?

    Abs

  3. Não esqueçam de adiconar também uma pitada de aumento irresponsável do salário mínimo em Fev/12, mês que coincide com o início dos efeitos do afrouxamento monetário de ago/11 sobre a economia.

    GC

  4. O artigo parece corroborar (parece?) a sinalização de um BC fraco no momento. O sistema de metas está sendo fritado.

    A(s) pergunta(s): poderá ele se recuperar de credibilidade? Qual o prêmio exigido?

    Ou teremos mudança no regime de definição da política monetária? Partiremos para um modelo discricionário novamente?

    Brados
    Martins

  5. Alex, sem discordar da lógica apresentada, mas por que então estamos vendo a inflação menor que antes? Mesmo que esteja fora do centro da meta, a queda nos juros não a fez acelerar…

  6. "mas por que então estamos vendo a inflação menor que antes? Mesmo que esteja fora do centro da meta, a queda nos juros não a fez acelerar…"

    Dê tempo ao tempo. A redução de juros a partir de meados do terceiro tri deste ano deve bater na atividade em meados do primeiro de 2012, com efeitos sobre a inflação a partir de meados do ano que vem. O que vemos agora, ainda que insuficiente, é resultado do aperto do começo do ano.

  7. Alex, um economista-chefe (Brasil) de um banco europeu (que não é espanhol) sugere, ainda, que o suposto atraso em agir naquela ocasião (2008-2009) permitiu um budget de cortes maior (exatamente pelo fato de o suposto atraso induzir uma reversão forte das expectativas). O link com o momento atual é evidente: a atuação tempestiva – hehe – do BC, almejando mitigar os efeitos sobre a atividade, implicaria num budget de cortes menor do que aquele que poderia ser aplicado tivesse a autoridade monetária permitido a convergência das expectativas para a meta. O que vc acha desse ponto ?

    Saudações,

    JA

  8. "Bom, estou na companhia do Michael Woodford e do Knut WIcksell…"

    putz… quer dizer então que a política monetária dos EUA é expansionista hoje, né? Assim como a do Japão nos anos 90.

  9. E o mantega matou dois coelhos com uma cajada so…

    Alex,

    Alem de fomentar o consumo para atingir a meta de crescimento em 2012, essa reducao de IPI e PIS/COFINS nao teria o objetivo de impactar os precos desses produtos para evitar o estouro da meta? Voce sabe o peso dos produtos impactados na cesta do ipca?

    Rafael Queiroz

  10. Meus caros,
    Não é por nada, não, mas com as medidas de ontem, fiquei absurdamente pessimista. Nuvens negríssimas vêm por aí. Sou eu que estou errado? A diminuição do IPI piora ainda mais as contas públicas (e o salário mínimo e os custos dos subsídios vêm aí). O incentivo ao crédito piora ainda mais o endividamento das famílias e estamos batendo na capacidade (vamos crescer como?). A única saída seria pela via externa, mas o mundo, do jeito que está, vai querer ampliar o financiamento da economia brasileira que já está ocorrendo? O cenário é catastrófico e temos um bando de mulas no governo. É muito triste.
    Saudações
    PS: E ainda tem os investimentos da Copa (nossa TFP vai lá para baixo). Que Deus nos ajude.

  11. Uma montanha de estímulos, uma inflação já alta e uma eleição no ano que vem… Quem tem cabeça já deve estar comprando a inclinação da curva.

  12. Com conhecimento praticamente nulo sobre economia, não vejo, na atualidade, um compromisso metodológico realmente interessado na melhoria do ambiente econômico nacional.
    Mudanças de câmbio e taxas de juros são artificialismos, até com bom efeitos decanos, sobre a economia, porém, podem se tornar impeditórios na remoção dos obstáculos e na promoção de incentivos que possam proporcionar uma economia forte, intrinsicamente, e não aquela avaliada pelo aumento do PIB.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter