Mudaram os argentinos ou mudamos nós? Coluna Mário Marinho

Mudaram os argentinos ou mudamos nós?

COLUNA MÁRIO MARINHO

O Flamengo perdeu para o Independiente, na Argentina, mas ainda está muito vivo na decisão da Copa Sul-Americana. O placar de 2 a 1 pode ser tranquilamente revertido no jogo da próxima quarta-feira, no Maracanã que, mesmo encolhido, estará lotado, fazendo lembrar, pelo menos um pouco, seus grandes momentos de glória.

Foi uma derrota absolutamente normal.

Num duelo de dois times parelhos, tanto pode dar Chico como Francisco.

O Independiente mostrou novidade em se tratando de time argentino: paciência.

E soube usar essa nova virtude sem abrir mão da decantada e histórica garra argentina.

O Flamengo abriu o placar logo aos 9 minutos, mas não aguentou a pressão de um time paciente, mas movido à energia de sua enlouquecida torcida que não parou um só instante.

Houve apagão no time do Flamengo: suas grandes estrelas não brilharam. Diego, que funciona assim como um maestro da equipe, desaparecia por vários minutos, como se estivesse à procura de sua batuta.

Everton Ribeiro também se perdeu nos pampas argentinos, enquanto Felipe Vizeu pouco fez, nas poucas vezes em que recebeu a bola.

Assim, sucumbiu o Flamengo. Isso dificilmente acontecerá num Maracanã eletrizado pela energia rubro-negra que virá das arquibancadas.

Veja os melhores momentos:

https://youtu.be/MalntmxsqEQ

?Cambian ellos
o cambiamos nosotros?

Chamou minha atenção o clima incrível e absurdamente pacífico que ocorreu nos dois últimos jogos entre brasileiros e argentinos.

Na semana que passou, o Grêmio enfrentou, venceu e conquistou a Taça Libertadores da América contra o Lanús, lá na Argentina.

Não houve pontapés, não houve provocações.

Terminado o jogo, os jogadores do Lanus andavam como autômatos pelo gramado, olhares pedidos, mais para zumbis, enquanto os gremistas se esbaldavam em festa ali, bem ao lado dos derrotados, na casa dos derrotados.

Clima civilizado jamais visto em jogos entre brasileiros e argentinos.

Os gaúchos do Grêmio não fizeram nem uma provocação, como respeitando a dor dolorida e cumprida dos argentinos do Lanús; estes, por sua vez, pareciam compreender e aceitaram a festa alegre dos gaúchos.

Ontem, em Alvellaneda, repetiu-se a esportiva civilidade. Réver foi visto sorrindo e conversando com um jogador argentino com se estivessem os dois tomando um chopinho no carioquíssimo Lamas.

Diego foi derrubado e, em rápida sequência, o argentino esticou os braços para levantá-lo do chão com o cavalheirismo antigo de um dançarino de tango.

Que mundo é esse?, pergunto eu. Onde estamos?

Tratado

de Tordesilhas

Segundo alguns historiadores, a rivalidade entre brasileiros e argentinos precede a criação dos dois países. Ela teria nascido quando da divisão que Espanha e Portugal fizeram do continente ao assinarem o Tratado de Tordesilhas.

“O povo dessas paragens jamais será amigo” teria vaticinado Zaratustra.

Uma coisa é certa: a animosidade entre tangueiros e sambistas precede o futebol.

Em 1900, o presidente do Brasil, Campos Salles, foi a Buenos Aires e lá, entre outras medidas, assinou um convênio sanitário que pôs fim a um longo período de desentendimento entre os dois países (a Argentina havia imposto quarentena a navios procedentes do Brasil em virtude da ocorrência de febre amarela, cólera e outras mazelas. Do seu lado, o Brasil proibiu a entrada de produtos argentinos de origem animal, argumentando que tencionava impedir a disseminação da peste bubônica).

Como se vê, os dois não se entendiam. Li essas informações no interessante livro “Brasil x Argentina – Histórias do Maior Clássico do Futebol Mundial – 1908 – 2008”, do professor, jornalista, pesquisador, paulistano e corintiano Newton César de Oliveira Santos.

Os argentinos gostavam de se referir aos brasileiros como os “macaquitos”. Na mesma obra, fico sabendo que o apelido se deu em razão do grande número de negros em nosso futebol.

Entre eles, Pelé – a pedra no sapato de qualquer dançarino de tango.

São históricas as pancadarias acontecidas em jogos entre times brasileiros e argentinos. Também as agressões de torcedores a jogadores – enfim, uma zona.

Estaríamos, portanto, vivendo novos tempos?

Dá para imaginar um engomadinho argentino, de terno preto, sapato de verniz, cabelo brilhando de gumex dançando um samba na Rocinha? Ou um esguio crioulo de camisa listradas, sapato branco, chapéu tipo Panamá se esmerando nos passos eróticos e geométricos do tango em pleno Camiñito?

Não sei, mas que o mundo está mudado, há!, isso tá!

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.

 (DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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