Muito pouco; muito tarde

Na semana passada o governo federal anunciou um ajuste fiscal, marcado pela promessa de corte de R$ 50 bilhões nas suas despesas. Parece muito, mas precisamos saber (a) se é suficiente; e (b) se vai acontecer. A resposta é infelizmente negativa nos dois casos (um desperdício, já que a negativa à segunda pergunta torna a primeira irrelevante, mas, mesmo assim, é importante compreender o porquê) e os motivos para isto devem ficar claros nos próximos parágrafos.

Comecemos por entender o que é realmente o corte anunciado. Uma mente menos afeita à particular forma de apresentação da contas públicas poderia interpretar que, da mesma forma que uma família em dificuldades financeiras reduz seu nível de gasto, o governo estaria disposto a diminuir suas despesas. Não é esse, porém, o caso.

De fato, o corte de R$ 50 bilhões aplica-se às despesas previstas no orçamento da União para 2011, R$ 769 bilhões, e, se posto em prática, traria o gasto federal este ano para R$ 719 bilhões. No entanto, como a despesa observada em 2010 ficou ao redor de R$ 657 bilhões, tal “corte” de despesas representa na verdade um aumento de R$ 62 bilhões no gasto público federal relativamente ao ano passado. A família em dificuldades iria certamente à falência caso seu “corte de despesas” implicasse, como no caso do governo federal, um aumento de quase 10% nos seus gastos.

Isto dito, como o crescimento do PIB nominal (o crescimento da economia acrescido da inflação) deve ficar em torno de 11%, a despesa federal, medida como proporção do PIB, deve sofrer uma queda modesta, de 17,9% para 17,7% do PIB. Será que a redução do gasto, 0,2% do PIB, será bastante para que o governo possa cumprir sua promessa e gerar um superávit primário de 3% do PIB este ano?

Novamente, à primeira vista, poderia parecer que sim. Visto que o superávit primário em 2010 atingiu 2,8% do PIB, 0,2% do PIB a mais já trariam o resultado fiscal para a meta. Entretanto, como mostrei na minha última coluna, boa parte deste número resulta da criatividade contábil do governo, em particular a operação em torno da capitalização da Petrobrás, que permitiu ao Tesouro registrar um ganho quase 1% do PIB, o qual, de resto, não se repetirá este ano. Assim, o governo deveria produzir um ajuste fiscal muito superior ao anunciado, caso realmente pretenda atingir a meta fiscal.

Tendo concluído que o corte é insuficiente para atingir a meta que o próprio governo definiu, precisamos saber ainda se ele é possível à luz dos constrangimentos naturais associados à rigidez orçamentária, até mesmo para determinar se há alguma possibilidade de aprofundamento do ajuste que possa nos trazer mais próximos à meta.

Contudo, dentre os R$ 769 bilhões orçados para 2011, cerca de R$ 550 bilhões representam despesas obrigatórias, com destaque para a folha de pagamento e as aposentadorias, de modo que o universo sujeito a cortes limita-se a cerca de R$ 220 bilhões, o chamado gasto discricionário. Ainda assim, este grupo compreende gastos sociais (o Bolsa-Família, por exemplo), Educação, Saúde e os investimentos do PAC, que, segundo o compromisso oficial, seriam preservados dos cortes orçamentários (diga-se, aliás, que restrições legais também impedem a redução dos gastos com Saúde relativamente ao PIB).

Caso tais promessas sejam honradas, mesmo a exequibilidade do corte fica ameaçada, pois este recairia sobre um conjunto que, dependendo das estimativas, equivaleria a R$ 60 a R$ 100 bilhões.

A triste verdade é que, se a política fiscal fosse mesmo “anticíclica”, o ajuste deveria ter começado provavelmente ao final de 2009, quando se tornou claro que a recuperação econômica já estava devidamente enraizada. Agora, depois da farra dos últimos anos, e novos gastos de R$ 85 bilhões em 2010, o ajuste não é só pequeno; é principalmente tardio.

Vou…fazer…um…ajuste…ri…go…ro…zzzzzzz

(Publicado 16/Fev/2011)

25 thoughts on “Muito pouco; muito tarde

  1. Foi o preço pago para se "ganhar" a eleição, agora a sociedade, que aprovou esse projeto político, vai pagar a fatura seja por mais inflação ou pela elevação( é possível?) da carga tributária.

  2. Estimados Alex, "O" e demais amigos do MV,

    É um espanto!
    Estou surpresa (e felix) por constatar tamanho interesse pelas questões Econômicas. Acabo de dar uma passadinha por aqui e me deparo com esse dado: quase 180 mil acessos!

    Qual o segredo do sucesso?
    Se puder ser revelado… Confesso que fiquei curiosa. Ou não, rs.

    Desejo mesmo é felicitá-los.
    Parabéns!
    Bjs, lu.

  3. O Samuel Pessoa nao só disse que o corte é crivel, como também suficiente pra trazer o primario pra meta…

    E cá entre nós, prefiro acreditar no Samu…

  4. Infelizmente a definição do orçamento não depende só do governo. Depende, por exemplo, de uma oposição que defende a redução dos gastos públicos, mas vota no aumento do salário mínimo para R$ 600. O que fazer neste caso? Guilhotina?

  5. Infelizmente nao temos oposição no Brasil. Quantos senadores do PSDB tem coragem de dizer em publico que Lula e' o responsável pelas mortes na serra fluminense? Quantos chamaram Dilma de estelionataria eleitoral por ter mentido sobre a necessidade de ajuste fiscal?

  6. "alguem poderia dizer onde o samuel pessoa disse isso , por favor?"

    Cara, na boa: pra que? Você leva ele a a serio? Eu prefiro o "O". Ou seriam a mesma Pessoa?

  7. "Dos R$ 50 bilhões a serem contingenciados, em relação ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), aprovado pelo Congresso, R$ 18 bilhões referem-se a emendas parlamentares… Em outras palavras, haveria possibilidade de economia de R$ 13,9 bilhões em relação ao PLOA só com essa hipótese, considerando apenas as discricionárias de "educação", "saúde" e "demais".

    Finalmente, a conta fecharia e até sobrariam possibilidades de contingenciamento, no cenário mais "otimista", sob a hipótese de que o governo cortará, sim, o PAC, ainda que não o tenha manifestado nesse anúncio."

    haja rebolado para a ser crível. ou seja, na hipótese de ocorrerência, não vai ser, como disse o Mansueto, acompanhado por outros, Alex inclusive, da forma como foi anunciado, e o SP, apesar da ginástica, apenas corrobora a tese.

    ;^/

  8. Então já era? Teremos descontrole inflacionário ou juros nos 17%? definitivamente não. Estamos seguindo a receita grega de gestão pública e caminhando para uma catástrofe na próxima década? Me parece que não.
    Mesmo com riscos um pouco assimétricos mesmo, estou vendo commodities acomodando, fiscal neutro, juros perto de 12,5%, demanda vindo para 4%/5%, talvez mais restrição no crédito, enfim um maior equilíbrio. E o mercado voltando a avaliar quando os juros vão voltar a cair e aplicando pré de novo com vontade. Sob a ótica do mundo ideal, está uma bosta, mas no real está satisfatório. Por enquanto…
    Fernando A.

  9. Meus caros,
    O artigo do Samuel é muito otimista e se baseia em uma premissa, a meu ver, falsa. É uma idéia antiga dele. O desacerto das contas fiscais no final do governo lulla não seria um grande problema a ser resolvido (atenção, ele não defende que esta deteriorização das contas públicas não seja ruim, e sim que seria possível sua reversão de maneira relativamente tranquila). A idéia seria congelar (ou diminuir muito seu crescimento) os gastos públicos reais. Ao mesmo tempo, a manutenção de altas taxas de crescimento do produto ajustariam, em poucos anos, a carga tributária e as relações gastos/PIB e dívida/PIB. Este é um ponto que ele sistematicamente defende. A premissa que acho equivocada é relacionada com esta manutenção das taxas de crescimento do produto. Sem aumento dos investimentos, sem aumento da qualificação da mão-de-obra e com esta carga tributária insana que nós temos, acho difícil conseguirmos alcançar um bom nível de crescimento sustentável. É isto. No artigo citado, não sei se vocês viram, pressupõe-se taxa de crescimento real do PIB para 2011 de 5%. Já sabemos que ela ficará bastante abaixo disto (e, portanto, fura o argumento apresentado). De qualquer jeito, o Samuel é um excelente economista e merece ser lido.
    Saudações.

  10. Alex

    O artigo é certeiro em apontar a origem e o tamanho da encrenca.

    No entanto, gostaria, se possível, de uma explicação ou comentário que considerasse também como parte da equação a variável "orçamento fiscal paralelo que o governo tem mantido no BNDES" [R. Werneck]. Isto é, o problema do ajuste não está restrito apenas à zona visível no orçamento como nos querem fazer crer os entusiastas do momento.

    Não é de hoje que Mansueto Almeida alerta para o problema fiscal oculto [algo em torno de R$ 10 bilhões ao ano] nas transferências do Tesouro para os bancos públicos, principalmente o BNDES.

    Rogério Werneck (Lição Clandestina) vai pelo mesmo caminho e conclui:

    "Não faz sentido, portanto, discutir como a política fiscal deve ser corrigida, em face do sobreaquecimento da economia, sem levar em conta os impulsos fiscais que têm sido gerados pelas gigantescas transferências do Tesouro ao BNDES. É indefensável que, a essa altura dos acontecimentos, a economia volte a ser estimulada com um impulso fiscal de mais de 1,3% do PIB, que é o que adviria de um novo aporte de R$ 55 bilhões do Tesouro ao BNDES."

    http://www.econ.puc-rio.br/rwerneck/pdf/vfd2011-0218.pdf

    O Executivo divulgou que cada R$ 1,00 a mais no salário mínimo representa um “rombo” de R$ 300 milhões nas contas da Previdência. Logo, um aumento irresponsável do SM poderia elevar (no caso dos R$ 600,00) o “rombo” para até R$ 16,5 bilhões. Bacana. Tudo muito transparente, tudo muito bem calculado e repercutido ad nuseam pelos economistas responsáveis. Não questiono o cálculo. Estranho que esses mesmos corifeus da responsabilidade fiscal não escrevam uma linha sequer sobre os custos fiscais ocultos nas operações de contabilidade criativa do Executivo.

    Abs.

  11. Eu queria entender o seguinte nesta discussão sobre a oferta de moeda e inflação.

    Considerando a equação MV = PQ, e suponto V constante, um aumento na oferta de moeda causaria inflação, pois o outro lado da equação deve se ajustar para manter a igualdade.

    Mas e se V não permanecer constante? Um aumento na oferta de moeda não provoca uma queda na taxa de juros, e esta queda nos juros não reduz também a velocidade da moeda?

    E se V cai, isto não diminuiria ou mesmo anularia o impacto do aumento de M sobre P?

    Ou seja, um dos efeitos da oferta de moeda é também reduzir os juros, e com isto a velocidade da moeda, e com isto o próprio efeito do aumenta da oferta de moeda sobre os preços. Então, nem sempre M afeta P?

    Falo com base neste gráfico aqui:

    M – V – P

  12. A verdadeira herança maldita foi construida pelo Lula para colocar a Dilma lá.

    Os 50 bi de corte são pura empulhação da Dilma que agora chegou lá.

    Me preocupa muito mais o desmonte das fantasias criadas pelo Lula e sua gerentona node hoje a Bertin sai de Belo Monte, pois nem eles conseguem executar o que Dilma nas energias projetou para lá.

    As obras das chuvas em Santa Catarina não foram a lunar nem um e nem a Dilma foi lá.

    As obras das chuvas no Nordeste, também não foram a nenhum lugar e ninguém viu a Dilma por lá.

    Na serra Fluminense a Dilma presidente foi, mas não tem nada acontecendo lá.

    As obras da para a Copa, para as Olimpiadas e o trem bala é tudo que se escuta de lá, mas cade a grana?

    Os apagōes de energia agora são aqui e acolá.

    Ai meu DEUS, que medo que a Dilma me dá!

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