Somos todos paparazzi. Por Ivone Zeger

Somos todos paparazzi 

Ivone Zeger  

Um celular na mão e muitas ideias – nem sempre boas – na cabeça

Se “uma imagem vale mais do que mil palavras”, como dita a famosa frase, para a lei interessa saber como a imagem foi conseguida e, mais do que isso, se a informação contida nela é verdadeira. Na atualidade, em que se vive a tirania da imagem e, mais do que isso, a tecnologia empresta olhos e ouvidos a qualquer um e a qualquer hora, jamais se dispensa testemunhos de pessoas “reais”, digamos assim. Vejamos o caso a seguir:
O cenário é uma empresa de pequeno porte, cujos sócios são cunhados. Parentes e amigos transitam pelos corredores sem muitas dificuldades. A filha mais velha de um dos sócios, Suzana, está terminando a faculdade de Administração, quer trabalhar na empresa do pai e por isso acompanha todas as reuniões de negócios. Mas nunca está só: a amiga de faculdade, Lúcia, aproveita a oportunidade para “aprender”.
Nas reuniões, os sócios são avessos a climas tensos, por isso inventam uma brincadeira para relaxar os participantes. Um deles, saca do bolso o celular e começa a pedir o sorriso das pessoas. O outro sócio aproveita para fazer pose. Lúcia gostou da brincadeira e, na reunião seguinte, não hesitou em levar seu celular e começar a fotografar. Percebeu que era fácil. Pediu à amiga que tirasse fotos do novo corte de cabelo dela, e se posicionou em uma mesa de trabalho, diante do computador, no setor de vendas. No dia seguinte, Lúcia foi à empresa pela manhã, estendeu sua visita e acabou sendo convidada por Suzana para almoçar. No refeitório em que os cerca de 80 funcionários almoçam, Lúcia tirou mais uma foto, desta vez até estudou o ângulo. Fotos de celular ficam sem definição no papel. Suzana, então, postou na rede social da qual faz parte.
Era tudo o que ela precisava para entrar com uma ação trabalhista contra a empresa na qual  ela nunca trabalhou. Alegou trabalho sem vínculo empregatício ou contrato; ela mesma inventou o tempo em que prestou serviços – dois anos – e usou as fotos como prova. A empresa recorreu, contou com  testemunhos de funcionários e outros amigos de faculdade de Suzane, revertendo a situação.
O fato chama a atenção para esses tempos em que há olhos e ouvidos em todos os lugares. Na verdade, por ser recorrente a existência de patrões que burlam a lei, facilitar aos trabalhadores os meios de obter provas é importante. Até porque, há anos, trabalhadores realizam suas atividades sob os olhares críticos e eletrônicos de câmeras, às vezes escondidas e não declaradas. Uma gravação realizada por um celular de um diálogo entre chefe e subalterno é considerada “prova lícita” em um processo trabalhista, mesmo que a gravação seja feita sem a anuência de quem está sendo gravado. Mas, daí a forjar provas, a distância é bem grande. Bom, pelo menos para os que agem de boa fé.
Um delito não justifica outro. Já por isso, as provas são classificadas em lícitas e ilícitas. Há inúmeros exemplos de provas ilícitas, mas cito um, bem simples: uma foto que é clicada em um ambiente íntimo sem que se perceba a presença do fotógrafo é ilícita, pois pressupõe invasão de privacidade.
… vivemos sob a tirania da tecnologia e das imagens. São recursos poderosos, que devem ser aliados na busca do aprimoramento da sociedade.
No direito de família, embora o ideal seja sempre resolver as situações em comum acordo, fotos clicadas discretamente – sem que haja invasão de privacidade – podem ser usadas. Posso dar mais um exemplo: tive um cliente cuja pensão cobria todos os gastos da ex-mulher e dos dois filhos. Entretanto, ele estava sempre às voltas com pedidos de revisão de pensão. Concedeu aumento dos valores por duas vezes. Na terceira, começou a questionar o destino que era dado ao dinheiro. Ele já tinha desconfiado do vício da ex-esposa com os jogos de azar. Flagrou-a em um bingo clandestino, clicou-a em plena mesa de jogo. Sua decisão foi inserir uma cláusula ao divórcio em que destinou parte do valor da pensão para tratamento da compulsividade. A ex-esposa não teve outra saída senão acatar.
Fotos em redes sociais têm sido fartamente utilizadas. Inclusive, podem ser usadas como prova mesmo aquelas fotos publicadas com reservas, só para amigos mais chegados ou família. Nesses casos, para além de salvar o material em pen-drive, o ideal é que um notário seja chamado a notificar a existência do material eletrônico, fazendo constar data de publicação e demais informações relevantes.
Não é difícil perceber que, como já citei, na atualidade, vivemos sob a tirania da tecnologia e das imagens. São recursos poderosos, que devem ser aliados na busca do aprimoramento da sociedade. No ambiente jurídico, especialmente documentos eletrônicos e fotos devem ser usados com critério, especialmente quando se trata de incriminar pessoas.

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DRA IVONE ZEGER

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP,  do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Famíia, e do IASP, é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br

Fanpage: www.facebook.com/IvoneZegerAdvogada

 

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