Lula e o partido dos “baianos”. Por Aylê-Salassiê Quintão

Lula e o partido dos “baianos”

Aylê-Salassié F. Quintão*

             O PT de Lula é o partido dos “baianos”, não da Bahia de Antonio Carlos Magalhães, que o descreveu como um “grande malandro”, nem de Geddel  ou Jacques Wagner , mas daqueles trabalhadores que desciam do Nordeste para o Sul, entre os anos 50 e 60, como animais, na boleia de caminhões , e que ficaram conhecidos como “paus de arara”, assustando, como mão de obra barata,  o operariado fluminense e o  paulista de olhos azuis…

Lula  perdeu a oportunidade  de ser julgado, em Curitiba,  como um revolucionário – vive entre eles – ou um cangaceiro moderno. Afinal,  Caetés  não fica longe da Serra Talhada, de Lampião.   A “nova esquerda” o engoliu  antes, e os prazeres burgueses o atropelaram depois.  Assim, figura contraditória, Lula deixava imobilizada a presidente Dilma , que assistia aos assomos de irritação do ex-presidente, confundidos,  às vezes,  com atitudes de companheiros da luta armada.
              Dilma via, entretanto, seu governo sendo atravessado por muitos interesses escusos da própria base de apoio,  da qual ela e seu grupo da VAR-Palmares se aproximaram nos anos 80/90,  acreditando tratar-se do tal partido de massas, de Lênin.  Ficava confusa. Lula configurava-se como  uma incógnita. Sempre acenou com a possibilidade de volta ao Poder e, contraditoriamente, dizia-se velho para isso.
               O educador Paulo Freire  o justificava como  o “Filho do Povo”. Aprendera experimentando e sentindo na pele  os efeitos da pobreza. Lula, aproveitava-se  da  ignorância dos paulistas, mineiros,   gaúchos e a maioria dos ideólogos sobre os efeitos reais de uma seca prolongada no sertão do Nordeste: aquele “brasero”, aquela “ fornaia”, sem “um pé de prantação”, de que falava Luis Gonzaga.
             No passado, essas estiagens foram responsáveis pela instituição, no Brasil, dos ghetos de retirantes famintos, “currais do governo”, denunciados por Rachel de Queiroz. Desse cenário surgiu Lula, um nordestino pobre, sétimo filho de um casal de lavradores analfabetos, e sem lugar certo para morar. Fugindo das secas em Caetés, às margens do riacho Seco , no coração do sertão, a família veio parar o Sul.
             Seus dramas ombreavam quase com os do russo Máximo Gorki. Ambos sobreviveram a duras penas , e  não frequentaram uma universidade. Lula  confessava que nunca lera um livro. Inspirava-se no beato Lourenço, afilhado do padim Cícero, que impediu a morte por inanição de  centenas de retirantes ao  instituir plantios comunitários no sertão.  O “Sapo Barbudo”  fantasiava, com graça e habilidade,  a realidade dos mais pobres. Jactava-se, ambiguamente, ter sido o presidente que mais criou universidades no Brasil.
                  Resgatou no imaginário  a esperança do seu povo  contando pequenas histórias, algumas lorotas, mas preocupou-se com a redistribuição de renda no País.   Percebeu cedo, a compra deslavada de votos que usurpava a dignidade da pobreza. Ao chegar à Presidência, substituiu-a pelo “bolsa família”, cujo orçamento passou de R$ 12 bilhões para RS$ 27 bilhões . Avançava, com a sua crença fincada no coração do sertão, e não nas ideologias partidárias.
                Lula captou o sentido da brasilidade amordaçada do sertanejo , e passou a capitalizar a  propagação da esperança.  Inteligência privilegiada, observou como as “zelites” de direita e de esquerda se apropriavam das riquezas, das oportunidades e do conhecimento. Entendia fácil os militares, o que os cientistas levavam anos para fazê-lo. A  categoria é constituída de gente de classe média e pobre mesmo, cujas raízes guardam fortes conexões  com as abordagens de Lula.
          Na sua afoiteza discursiva, Lula expôs  também a divisão do Brasil, entre sul e o nordeste – o homem branco de olhos azuis e o mirrado gabiru – bem como o caráter instável do brasileiro. Até incorporou o “jeitinho”  de dar rasteiras e sobreviver. A aproximação com o padrão populista de Getúlio fez aflorar  o lulismo ,  uma via ideológica confusa , unindo  bandeiras antagônicas, como a política macroeconômica  neoliberal de FHC, e as políticas sociais surgidas de artifícios criativos. A ortodoxia esquerdista ficava perplexa. Perdia o rumo da tal democracia proletária,  assinalada por Marx lá atrás.
                O lulismo não tem claramente uma bandeira partidária. É meio heterodoxa. Mas sobrepõe-se ao próprio partido  . Assim, Lula tem conseguido, gerir as componentes revolucionárias do programa das  esquerdas  que encontraram suporte inicial nos primeiros anos do PT.  O general Golbery sempre o teve em mira. O “barbudo” não iria seguir a cartilha  de Apolônio de Carvalho, de Mário Pedrosa, ou as artimanhas do José Dirceu e outros. Ele tinha e tem  a própria fórmula: como o pobre pode vencer na vida. Daí ter buscado sempre o caminho da conciliação, por meio de um pacto social , acusado de frágil, mas, dotado de fortes iniciativas distributivistas.
             Até agora não chegou a propor  nenhuma solução violenta para  problemas estruturais , nem bancou embates de classes. No seu modelo, o  Estado e a sociedade, têm a responsabilidade de alavancar os mais pobres.  O PT de Lula é o partido dos “baianos”, não da Bahia de Antonio Carlos Magalhães, que o descreveu como um “grande malandro”, nem de Geddel  ou Jacques Wagner , mas daqueles trabalhadores que desciam do Nordeste para o Sul, entre os anos 50 e 60, como animais, na boleia de caminhões , e que ficaram conhecidos como “paus de arara”, assustando, como mão de obra barata,  o operariado fluminense e o  paulista de olhos azuis.   O que  amedronta as “zelites” é a crença que a ideia  do Foro de São Paulo – união das esquerdas da América Latina – tenha sido uma proposta de Lula a Fidel Castro.

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Aylê-Salassié F. Quintão* –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Consultor da Catalytica Empreendimentos Sociais Inovadores. Vive em Brasília.

 

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