O anjo. Por Paulo Renato Coelho Netto

O anjo

Paulo Renato Coelho Netto

…Eu, que vejo tudo isso atônito, guardo meu anjo sob minhas asas para que ele nunca saiba sobre Auschwitz. Não por mim. Tenho vergonha…

 Toda madrugada um anjo, ainda criança, vem me visitar. Sem pudor algum de interromper meu sono ele me acorda, bate nas minhas costas e pede que eu o abrace.

Antes, sinto suas pequenas asas luzir pela escuridão: pluft, pluft, pluft... Sofro de insônia.

Ele se ajeita comigo e em poucos segundos dorme, enquanto perco o sono de encantamento.

E fica ali, comigo, no mais absoluto silêncio.

Eu, que não creio totalmente, agradeço a Deus por estar vivo e abraçado com meu anjo ainda menino.

Depois ele gira e me empurra para o abismo da quina, nos limites do colchão.

Não ligo. Dou gargalhadas silenciosas para não acordá-lo.

… Não sou ninguém, mas meu anjo menino faz com que eu me sinta imortal, um herói de história em quadrinhos. É o sentimento que tenho quando ele me visita.

Um sabiá anuncia o sol bem na hora que eu apago exausto para sonhar.

Sonho que estou sozinho no meio da noite, no meio do nada, um grão de areia perdido entre bilhões de galáxias.

Não sou ninguém, mas meu anjo menino faz com que eu me sinta imortal, um herói de história em quadrinhos. É o sentimento que tenho quando ele me visita.

…Ele quer que eu sonhe coisas boas. Logo eu que vi de perto crianças comendo resto de iogurte no lixão de Itaquaquecetuba…

 

Meu anjo me acorda para que eu não tenha mais pesadelos.

Ele quer que eu sonhe coisas boas. Logo eu que vi de perto crianças comendo resto de iogurte no lixão de Itaquaquecetuba.

– Qué, tio? Pode comer. Tá gostoso… Ofereceu o menino barrigudinho de onze anos, que aparentava sete, no máximo.

Que civilização é essa que permite que o que temos de melhor coma sobras de lixo?

Eu, que vejo tudo isso atônito, guardo meu anjo sob minhas asas para que ele nunca saiba sobre Auschwitz. Não por mim. Tenho vergonha.

Só consigo sonhar acordado. Fora isso, nunca.

Hoje em dia não, mas houve tempo que voava quando dormia.

Quando amanhece, meu anjo, ainda descalço pela casa, me pede papel e lápis coloridos para desenhar.

Depois vem e mostra e explica cada desenho. Coisas da imaginação dele.

E quando não entendo ele ri e fala: olha aí, não tá vendo?

Claro que não!

O tempo faz a gente endurecer para as coisas simples.

Só com muita sorte o inesperado pode vir e trazer boas surpresas.

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renato

Paulo Renato Coelho Netto – Autor de nove livros, é jornalista pós-graduado em marketing. Atualmente, escreve reportagens investigativas para sites e revistas de circulação nacional.

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