Duas perguntas

Estas eu recebi por e-mail:

Olá Alexandre.

Mais uma vez, gostaria de tirar uma dúvida com o senhor. Desde o ínicio da faculdade aprendemos modelos que dizem que sempre que a taxa de juros sobe, a poupança aumenta.

Temos a maior taxa de juros do mundo e nossa poupança não chega a 20% do PIB. Onde está o problema? Eu sei que o setor público não poupa, mas de acordo com os modelos, o próprio setor privado deveria poupar mais. Gostaria de saber onde está a armadilha dessa questão.

Resposta:

O que muitos economistas, inclusive alguns que ensinam a matéria, não conseguem entender é a diferença entre o comportamento individual e a agregação destes comportamentos por meio das condições de equilíbrio.

Deixe eu ilustrar por meio de um problema parecido, mas mais familiar: demanda e preço. Sabemos que preços mais altos reduzem a quantidade demandada, certo?

No entanto, quando a demanda aumenta (i.e., a curva de demanda se desloca para a direita), o preço aumenta. Alguém observa isto e diz: “estes economistas não entendem nada; não conseguem nem ver que os preços variam em linha com a demanda, não em oposição à ela”.

Qual o erro? Confundir deslocamentos ao longo da curva demanda com deslocamentos da curva de demanda, isto é, a descrição do comportamento individual (preços mais elevados reduzem a quantidade demandada) versus o equilíbrio (o deslocamento da curva de demanda implica um preço de equilíbrio mais elevado).

Agora para sua questão. A confusão é entre o comportamento individual (a elevação da taxa de juros implica aumento do preço do consumo presente relativamente ao futuro, portanto eu poupo mais [é um pouco mais complicado que isto, mas deixa pra lá]) e a condição de equilíbrio (forte preferência pelo consumo presente requer um preço mais alto do consumo presente [taxa de juros] para equilibrar demanda e oferta agregadas.

Ficou claro?

Os economistas neoclássicos dizem que a poupança gera o investimento.

Porém, os determinantes de cada um são diferentes. As famílias podem poupar e aplicar em títulos, ações, etc, tudo isso no mercado secundário, não gerando, a princípio, investimento. Ou podem até mesmo entesourar. Então quando se justifica, por exemplo, o alto investimento chinês pela alta poupança, que deriva da falta de garantias do governo para a velhice (por exemplo, falta de previdência pública), e portanto, as famílias necessitam poupar para a aposentadoria, eu não consigo entender muito bem. Se as famílias aplicam o dinheiro no mercado secundário, como isso gera um investimento simultâneo?

Trata-se, mais uma vez, da diferença entre comportamento individual e condição de equilíbrio. Vamos começar com sua primeira afirmação:

“Os economistas neoclássicos dizem que a poupança gera o investimento.”

Não é bem isto. Numa economia fechada, sem governo, a condição de equilíbrio (demanda = oferta agregada) também implica investimento = poupança. Numa economia sem rigidez de preço, esta igualdade ocorre com o produto igual ao potencial, com a taxa de juros garantindo que – mesmo com determinantes distintos – investimento iguale a poupança. Não há relação de causa e efeito: nem poupança gera investimento, nem investimento gera poupança, mas sim a determinação simultânea destas quantidades e dos preços (no caso a taxa de juros). Obviamente, se compararmos duas economias idênticas, exceto pela preferência pelo consumo corrente, aquela com menor preferência terá taxa de juros mais baixa e, portanto, investimento e poupança mais elevada.

Mantendo a analogia com o pergunta anterior, os determinantes de oferta e demanda são distintos. Como é possível que demanda seja igual à oferta? É possível via mecanismo de preços. No caso em questão, é a taxa de juros (ou a seqüência de taxas de juros se estivermos tratando de problema dinâmico) que equilibram poupança e investimento.

Isto dito, se preços não são flexíveis, ainda que a condição de equilíbrio continue sendo a mesma, o resultado não necessariamente se dá com o produto igual ao potencial. Ainda que esta consideração seja importante para o ciclo econômico, quando, porém, tratamos da questão de crescimento econômico de longo prazo, o problema da rigidez de preços se torna secundário e podemos tratar do equilíbrio poupança-investimento exatamente como no mundo de preços flexíveis.

Isto deve, porém, parecer muito abstrato à luz da sua pergunta: “se as famílias aplicam o dinheiro no mercado secundário, como isso gera um investimento simultâneo?”.

Concretamente posso pensar em dois mecanismos (não excludentes). Um aumento da poupança eleva a demanda por títulos de renda fixa, o que eleva os preços e baixa as taxas de juros. Companhias se aproveitam deste fato para emitis novos títulos e investir mais (ou, se preferir, o valor presente do investimento aumenta porque as taxas de juros caíram, portanto a empresa investe mais).

Um canal alternativo se dá por meio do investimento em ações. Isto eleva o preço do capital existente (representado pelas ações) com relação ao capital novo, isto é, torna-se mais atrativo criar novo capital (investimento) que adquirir o capital existente, o que também eleva o investimento (isto é um sumário muito pobre da teoria “q” de investimento proposta por Tobin).

OK?

4 thoughts on “Duas perguntas

  1. “Também não foi a alavancagem dos bancos. Ainda que possa ter impacto na demanda, seu efeito sobre a oferta (que, em última análise, governa o crescimento de longo prazo) é relativamente modesto.”

    Eu discordo aqui.

    O aumento da alavancagem pode ter impacto na demanda e gerar aumento de crescimento no curto prazo (por exemplo, como pode ser explicado por modelos em que o mercado de credito eh imperfeito).

    Tal explicacao ajuda-nos a entender o que aconteceu com o preco das commodities tambem – cuja oferta eh menos elastica que outros bens.

    Nesse caso, eh somente parcialmente correto a administracao e economistas do PT colocarem a culpa na desaceleracao do PIB brasileiro nos erros americanos. Afinal, eles tomam para eles todo o credito pelo crescimento moderado dos anos recentes, que foi empurrado pelo subprime…

    “O”

  2. “O”:

    Quanto ao efeito na demanda, OK. O que não me parece ser o caso é um possível efeito sobre a oferta para explicar a aceleração de crescimento ao longo de vários anos.

    Abs

    Alex

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