Um plano simples

Recebi o seguinte comentário bem-educado, mas não menos equivocado. Publico como post, assim como meus comentários para que possamos ver como funciona o mundo sem restrições orçamentárias. Não é invenção minha para fins didáticos.

Caro Prof. Schwartsman,

Tenho algumas reflexões sobre a validade de seu comentário sobre políticas em resposta ao problema do déficit em conta corrente.

Se o governo cortar gastos, Keynes demonstra em sua Teoria Geral, que há uma redução da demanda efetiva, e uma redução da renda. Como a renda é igual ao produto, isso significa que para um nível de consumo, vai haver menos excedente para ser exportado. Ergo, um maior déficit em conta corrente.

Mais importante, o ajuste fiscal, se feito nos moldes dos ajustes advogados pela maioria dos economistas ortodoxos, seria permanente, isto é, reduziria a demanda efetiva não somente hoje, mas também no futuro. É fácil ver que tal política diminuiria a eficiência marginal do capital hoje e amanhã, portanto uma redução na demanda por investimento.

Existem vários outros canais em que um corte dos gastos teria efeitos depressivos. Todos sabemos que a produção tem economias de escala. Quando reduz-se a demanda agregada, e portanto a produção e a renda, as firmas vão se mover para um segmento mais alto da curva de custos marginais, portanto necessitando aumentar seus preços, em detrimento da competitividade (exportações) e da renda real do trabalhador. Não preciso mencionar que tal aumento de preço geraria quase que automaticamente uma resposta das autoridades monetárias que ainda mais exacerbariam o mood depressivo.

Por outro lado, um aumento dos gastos do governo, estimularia a demanda efetiva, acionaria o acelerador dos investimentos, expandiria o produto, e em um segundo momento, as exportações e neutralizaria o problema do déficit em conta corrente.

Abraços,

Prof. João Mainá, Ph.D.

* * *

João: agradeço as reflexões. Seguem meus comentários

1) “Se o governo cortar gastos, Keynes demonstra em sua Teoria Geral, que há uma redução da demanda efetiva, e uma redução da renda. Como a renda é igual ao produto, isso significa que para um nível de consumo, vai haver menos excedente para ser exportado. Ergo, um maior déficit em conta corrente.”

OK. Vamos testar este raciocínio do João a partir do modelo keynesiano mais simples. Temos uma economia aberta (com preços fixos, portanto, keyenesiana), na qual o consumo só depende (positivamente) da renda (não há taxa de juros) e no qual as importações dependem (também positivamente) do nível de produto (não há taxa de câmbio). Matematicamente:

Y = C(Y) + I +G + X – M(Y),

Onde

Cy é a propensão marginal a consumir, positiva, mas inferior à unidade
My é a propensão marginal a importar, positiva, mas inferior à unidade

O impacto do gasto público sobre produto é dado por:

dY/dG = 1/(1+My-Cy) > 0

A expressão do lado direito da equação é o multiplicador keynesiano, o que sugere que produto cai quando os gastos públicos caem. Obviamente o efeito sobre as importações é dado por?

dM/dG = My/(1+My-Cy) > 0

ou seja, as importações caem. Como as exportações não se alteram, o saldo em conta corrente MELHORA, i.e., precisamente o oposto de resultado do João. Claro, podemos fazer com que a exportação dependa negativamente da renda (ou do consumo), mas isto só tenderia a aumentar ainda mais o saldo em conta corrente.

Se quisermos sofisticar isto um pouquinho, ainda no espírito do modelo keynesiano, podemos colocar uma taxa de juros na história, afetando, por exemplo, consumo e investimento, bem como uma taxa de câmbio afetando exportações e importações (o velho e bom modelo Mundell-Fleming). Só que as conclusões não se alteram, apenas ficam algo atenuadas porque agora permitimos que preços (além de quantidades) afetem as variáveis.

Assim, a redução do produto pelo efeito multiplicador se torna menor, pois a redução da demanda implica menor taxa de juros em equilíbrio, trazendo parcialmente a consumo e investimento para cima. Por este canal (juro menor) implica também câmbio mais fraco, portanto maiores exportações e menores importações, ou seja, saldo em conta corrente mais elevado.

Qual a lição que fica? Faltou ao João formalizar seu argumento, isto é, colocá-lo na forma de um modelo sujeito às regras da matemática que garantem a consistência lógica do raciocínio. Isto me lembra de um post que o Cláudio Shikida publicou no De Gustibus: não usamos matemática porque somos uns gênios; usamos matemática precisamente porque não o somos. É a única forma de não cair em erros como o do João.

2) “Mais importante, o ajuste fiscal, se feito nos moldes dos ajustes advogados pela maioria dos economistas ortodoxos, seria permanente, isto é, reduziria a demanda efetiva não somente hoje, mas também no futuro. É fácil ver que tal política diminuiria a eficiência marginal do capital hoje e amanhã, portanto uma redução na demanda por investimento.”

Imagino que o raciocínio acima seja: se cortar o gasto corrente, este gasto vai ficar permanentemente mais baixo, logo a demanda será menor em todos os períodos. Aqui faltou uma abordagem que permitisse tratar de forma completa a dinâmica, pois, mais uma vez, o efeito é exatamente o contrário daquele sugerido pelo João.

Aqui temos que sair do modelo de um período e começar a pensar em coisas como renda permanente ou ciclo de vida. Vamos lembrar que o governo está sujeito à restrição orçamentária intertemporal: pode ter déficits hoje, mas, eventualmente terá que gerar superávits para pagar a dívida.

Logo, um corte permanente de gastos públicos implica uma queda da tributação esperada cujo valor presente deve ser exatamente o valor presente do corte de gastos. Se a tributação for lump-sum (i.e., não causa distorção), o único efeito disto será aumentar o valor presente do consumo privado exatamente pelo valor do corte de gasto público (se a tributação causar, como é no Brasil, muita distorção, o corte permanente de gastos AUMENTA o retorno do capital ao reduzir as distorções tributárias).

3) “Existem vários outros canais em que um corte dos gastos teria efeitos depressivos. Todos sabemos que a produção tem economias de escala. Quando reduz-se a demanda agregada, e portanto a produção e a renda, as firmas vão se mover para um segmento mais alto da curva de custos marginais, portanto necessitando aumentar seus preços, em detrimento da competitividade (exportações) e da renda real do trabalhador. Não preciso mencionar que tal aumento de preço geraria quase que automaticamente uma resposta das autoridades monetárias que ainda mais exacerbariam o mood depressivo.”

Se isto fosse verdade, veríamos sempre a inflação se acelerando quando o produto caísse muito abaixo do potencial e desacelerando quando a economia estivesse muito aquecida. Olhando a experiência mundial a respeito, a evidência empírica sugere precisamente o oposto. Aliás, não é sem motivo que tipicamente BCs sobem as taxas de juros quando a economia opera próxima ao produto potencial (ou se espera que irá operar próxima ao potencial) e cortam juros quando a economia se afasta (ou se espera que se afaste) do potencial.

Também, se isto fosse verdade, as margens (estaríamos falando de uma economia não-competitiva aqui, se há economias de escala) deveriam cair no auge cíclico e aumentar durante a recessão. Mais uma vez não é o que aparece na evidência empírica.

4) “Por outro lado, um aumento dos gastos do governo, estimularia a demanda efetiva, acionaria o acelerador dos investimentos, expandiria o produto, e em um segundo momento, as exportações e neutralizaria o problema do déficit em conta corrente.”

Aqui aparece o Paraíso Terrestre, i.e., o mundo sem restrições orçamentárias, tão bem explorado pelo Pedro e pelo “O”. Reproduzo aqui trechos selecionados dos dois, que trataram a questão de forma muito mais competente do que eu conseguiria.

Pedro: “Minhas recentes incursões pela mentalidade heterodoxa me deram algumas pistas sobre esse viés ‘Bem contra o Mal’. Em uma péssima interpretação de Keynes, a pedra fundamental do pensamento ufrj-unicamp é o seguinte: só há trade-off entre consumo e poupança em termos individuais. No agregado, esse trade-off deixa de existir, E NÃO É NECESSÁRIO REDUZIR CONSUMO PARA AUMENTAR POUPANÇA E INVESTIMENTO, POIS AFINAL SEMPRE EXISTE DESEMPREGO E RECURSOS OCIOSOS. NA VERDADE, AUMENTAR O CONSUMO AUMENTA A RENDA E O INVESTIMENTO E O CRESCIMENTO ECONÔMICO DE LONGO PRAZO.

Uma vez que não exista tal trade-off, os caras têm toda razão: o negócio é aquecer ao máximo a demanda, com aumento de consumo, gastos públicos, diminuição da taxa de juros, estímulo às exportações, restrição de importações… se você é contra, então você só pode ser mesmo um bandido imperialista manipulador de números anti-filosófico feio, chato, bobo, e cara de mamão.”

O”: Então por que o Brasil não pode ter o mesmo padrão de consumo dos EUA. Se nos brasileiros consumíssemos como os americanos, nossa renda seria tão alta quanto a dos americanos, o que nos colocaria como a segunda maior economia do mundo.

Obviamente, isso não acontece porque tem gente em postos de poder que não querem que isso aconteça, né?

Tenho uma analogia para esse pensamento. Poderíamos dizer que o único motivo que não voamos, é porque nossas mães nos inculcaram a idéia que não devemos pular da janela do décimo-quinto andar. Se pulássemos, saberíamos como somos capaz de flutuar incólumes até o chão, na pior das hipóteses com um pouso de albatroz. Obviamente, não podemos provar que tal teoria é errada. Então quanto mais louca a proposta dos keynesianos de quermesse, mais difícil de se argumentar, pois a posição que eles tomam, é tão extrema que não é falsificável.”

26 thoughts on “Um plano simples

  1. Alexandre, muit boa e didatica a analise como sempre, a la Krugman 🙂

    Acho que faltou o Joao reconhecer que mais gasto publico implica mais imposto (dado que o governo tem uma restricao orcamentaria) e, portanto, menos renda disponivel. E isso vale tanto no modelo intertemporal Ricardiano que voce discutiu quanto no ISLM basico com equilibrio fiscal… E e’ nesse modelo basico mas com desequilibrio fiscal que vemos de onde vem o raciocinio de que mais gasto aumento o produto…sem ter que pagar a conta depois fica facil aumentar consumo, investimento, renda… basta gastar mais e mais! (e pq nao infinito?)

  2. Barba, cabelo, bigode e terminou com uma depilacao completa. Nunca vi um argumento ser desconstruido de forma tao definitiva. Se bem que a (baixa) qualidade do argumento ajudou.

  3. “fmg” , se não estou errado os keynesianos argumentam que o efeito direto de aumentar a renda via gastos do governo é maior que o efeito indireto advindo da redução da renda pessoal disponível. Ou seja, de qualquer forma o gasto aumenta o produto, mesmo que não no montante esperado.Ainda sou estudante primário da macroeconomia, inclusive estou “pagando” Macro II na graduação da UFRN. O professor é um keynesiano assumido. Toda a primeira unidade desse semestre foi resumido pelo João nesses argumentos refutados pelo Alex.Como a aula é totalmente viesada eu gostaria de indicações de livros/publicações que me ajudassem a fugir dessa cilada. Se puderem ajudar, agradeço.

    Abraços !

  4. Com licença do dono do blog, é só pegar um manual de macro atualizado (Blanchard ou Mankiw, eu gosto mais do Blanchard) e ler do começo ao fim.

  5. Cleiton:

    Nem tenho muito o que acrescentar (as sugestões foram valiosas). Caso você queira um manual bem não-keynesiano, eu tentaria o do Robert Barro, mas, até onde sei, nunca foi traduzido.

    O que possivelmente seu professor não disse é que toda esta análise (multiplicador, etc) refere-se apenas à demanda e pressupõe implicitamente que o nível de preços está dado, ou seja, que a oferta agregada é infinitamente elástica num determinado nível de preços.

    Quando você começa a modelar a oferta agregada é que as restrições orçamentárias começam a ficar claras e é onde se torna nítido que boa parte da análise keynesiana mais rasteira (no estilo UFRJ-Unicamp) só é relevante para níveis muito elevados de desemprego e capacidade ociosa.

    Abs

    Alex

  6. Alexandre:

    1) Eu acho que voce devia deixar pra la essa sua fixacao com o debate tupiniquim ortodoxo vs heterodoxo. Pra mim (e eu acho que nos concordamos), e uma questao simples: um grupo grande e relativamente influente em certos meios brasileiros nao teve formacao adequada em tecnicas modernas baseadas em matematica (nao tao avancada do ponto de vista matematico, mas muito mais do que eles podem digerir), tenta discreditar conclusoes tecnico-cientificas que nao entendem, e com as quais nao concordam por razoes ideologicas. Continuar discutir isso e perda de tempo.

    2) Uma discussao muito mais interessante e’ sobre a limitacao das tecnicas modernas por causa da imperfeicao das hipoteses (racionalidade, equilibrio) e assim sendo dos modelos baseados nelas. Essa e uma discussao que na verdade se aplica a todas as ciencias – veja por exemplo o contraste entre a fisica de Newton e a relativade – e em particular aquelas que, como a economia, contem um grande fator humano. As imperfeicoes nao invalidam as conclusoes baseadas nos modelos e nas hipoteses imperfeitas (something is better than nothing), mas requerem um certo cuidado e um pouco de ceticismo. Eu posso estar errado (nao sou nem filosofo (^:, nem economista), mas eu acho que essa e uma discussao bem diferente da dos “desenvolvimentistas” e muito mais interessante. Um leigo talvez colocasse a questao da seguinte forma: O que o Paul Samuelson e seus colaboradores teriam feito diferente se eles tivessem todo o conhecimento atual de behavior economics quando eles criaram a economia moderna?

    3) Quanto a questao do deficit publico. Nao sera uma questao de segunda ordem vis-a-vis a criacao de uma burocracia governamental tecnicamente e administrativamente competente e relativamente honesta? Essa e’ uma questao politica, mas sera que o problema maior nao e administrar o orcamento atual corretamente (discutir se e cortado ou aumentado alguns pontos percentuais parece procurar pelo em ovo)? Investimento mais efetivo e competente em infrastrutura, educacao, saude, e seguranca (aquelas coisas que todos parecem concordar que o estado deve fazer) talvez tivesse um efeito positivo a medio/longo prazo tao significativo quanto um corte nas despesas publicas. Ou sera que eu estou repetindo o argumento desenvolvimentista que voce refutou?

    Porcao campeao (4×1)

  7. Alexandre, desculpe-me, não tinha visto sua sugestão. Por favor, ignore o post anterior com a sugestão do Barro.

    Não tem traduação para o português.

  8. Eu discordo da sugestao do livro do Barro. Um pouco datado… e muitas das ondas que ele estava empurrando no final dos anos 80 nao pegaram.

    Se fosse sugerir um livro, acho que vale mais a pena um bom livro mainstream keynesiano (Blanchard ou o Dornbusch-Fischer).

    “O”

  9. Um leitor anônimo escreveu: “Eu acho que voce devia deixar pra la essa sua fixacao com o debate tupiniquim ortodoxo vs heterodoxo.”

    Permita-me discordar.

    Essas idéias heterodoxas prosperaram pela falta de contestação. Este é um espaço, até onde entendi, disposto a contestar equívocos, construir alternativas e disseminar a verdadeira, por assim dizer, ciência econômica.

    Os assuntos, claro, não se podem limitar a ortodoxos x heterodoxos. Mas, desconstruir os argumentos equivocados, como hoje, é uma boa forma de aprendermos economia e a debater com eles.

  10. “O”:

    Eu acho o livro do Barro uma boa alternativa para uma visão distinta (inclusive da minha). Isto dito, a parte de microfundamentos é muito boa e sobrevive bem, mesmo que certos tópicos, como RBC etc., tenham mesmo ficado datados.

    Anônimo:

    Como escreveu o De Losso, estes caras vivem da impunidade. Falam atrocidades (veja, por exemplo, o post sobre as idéias nakanômicas) e fica de graça.

    Ninguém contesta (porque a tendência é, de fato, pensar que bobagem se prova errada sozinha e que, portanto, seria perda de tempo) e fica a impressão de que tais idéias são mesmo uma alternativa intelectual legítima ao mainstream. Eu quero mostrar que o rei está nu! (e que a visão do rei nu não é um espetáculo a que queiramos assistir)

    Quanto ao tópico que você propôs, bem, eu não tenho qualificação para entrar neste debate. Sei, muito por cima, do trabalho que o Matt Rabin (foi meu professor em Berkeley – mesmo sendo uns 10 meses mais novo que eu – e ganhador da J. B. Clark Medal “http://elsa.berkeley.edu/~rabin/”), que explora este tipo de problema, mas é matéria para lá d complicada. Aliás, acho sugestivo que a AEA tenha dado a JB Clark para alguém cuja pesquisa vai numa direção tão diferente daquela que você menciona.

    Já a questão fiscal não me parece de segunda ordem. O setor público tributou 37% do PIB no ano passado, entregando um serviço de baixíssima qualidade em retorno (SUS, segurança, dengue, educação, o que você quiser). O estado brasileiro não precisa gastar 14-15% do PIB com funcionalismo para ter “uma burocracia governamental tecnicamente e administrativamente competente e relativamente honesta”. O Chile gasta um terço disto com serviços melhores e mesmo a Argentina gasta metade do que gastamos e, se os serviços públicos lá não são uma maravilha, dão de 10 na gente.

    O fato é que não se mede desempenho no setor público. Imagina-se que a resposta a tudo é despejar mais recursos sem a menor preocupação com eficiência, desempenho, resultados (uma tradição que começa a ser alterada justamente com o programa mais eficiente: o Bolsa-Família). E aí vêm uns malucos dizendo que no Brasil há poucos fiscais por metro quadrado, poucos postos de alfândega por quilômetro de costa, pouca gente por grão de areia em Copacabana, e outras medidas bizarras (já eu acho que há poucos neurônios por cérebro de “keynesiano de quermesse”, mas não proponho que se jogue mais dinheiro na Unicamp por causa disto).

    Saudações são-paulinas (5-3-3)

    Alex

  11. Alex,

    Tenho lido na imprensa que o Governo finalmente parece convencido de que um aperto fiscal é necessário. Números em torno de $30 bilhões. Já é alguma coisa. Eu acho que tem alguém na Fazenda lendo seus artigos! Já não era sem tempo…

    Sds,
    Ed

  12. Alex,

    Meu curso minimo de macroeconomia de graduacao para economistas brasileiros teria:

    – IS/LM, AS/AD
    – Mundell-Fleming
    – equilibrio interno/externo (Swan)
    – crescimento: Solow
    – crescimento: contribuicao de TFP
    – politica monetaria: regras de Taylor, IT
    – politica fiscal: Dinamica da divida; impostos no modelo AK
    – politica fiscal: pecado original

    Se esse curriculo basico fosse ensinado e aprendido, o debate seria outro…

    O que voce acha? O que voce adicionaria/tiraria?

    “O”

  13. Ed:

    Bem que eu queria que isso fosse verdade (tanto o ajuste fiscal como alguém no Ministério da Fazenda ler algo que escrevi e, ainda por cima, concordar).

    Na verdade me parece muito pouco provável que qualquer uma destas coisas ocorra.

    Abs

    Alex

  14. “O”:

    Belíssima sugestão de currículo, mas acho que precisaria de uns dois semestres para cobrir tudo como se deve (até porque imagino que, no estudo de IS-LM, teríamos que entrar um pouco em microfundamentos – pelo menos modelos de dois períodos).

    Acho que começaria com Solow e TFP para depois entrar na discussão de IS-LM (crescimento antes de ciclo) e aproveitaria o gancho para política monetária. Aí seguiria para economia aberta (Mundell-Fleming e Swan) e alguma coisa de taxa de câmbio. Finalizaria com política fiscal e incluiria equivalência ricardiana (aproveitando já ter introduzido o modelo de dois períodos).

    Não cabe num semestre só não, cabe?

    Abs

    Alex

  15. Eu estava pensando mesmo como o curriculo minimo para um macroeconomista. Mesmo que durasse 4 anos na graduacao, se todos os formandos entendessem esse nucleo, o esforco valeria a pena.

    “O”

  16. Queria completar o Alex escreveu logo depois de mim.

    Se esses heterodoxos se limitassem a falar, acho que o debate aqui poderia seguir a sugestão do Anônimo e ser em mais alto nível. O problema é que eles não só falam, mas colocam em prática o que dizem a exemplo de tablitas, congelamento de preços, etc.

    Eles não são uma fatia irrelevante da população e, pior, estão no governo e fazem tudo para se reproduzir lá e em outros órgãos públicos.

    Por nunca terem sido confrontados, vivemos essa monocultura de idéias, em que os programas políticos brigam para ver quem gasta mais. Se queremos um futuro melhor para nossos filhos, creio que não resta alternativa senão o que o Alexandre se propôs a fazer e que eu muito admiro pela coragem de colocar-se na linha de frente.

    Não creio que ninguém seja dono da verdade absoluta, porém a nossa ferramenta é usar a ciência econômica e tentar uma aproximação dela. Parece-me, que esse pessoal ainda não chegou a esse ponto, pois, por exemplo, escamoteiam a História e recusam-se a discutir números. E, o pior é a desonestidade intelectual, haja vista que se recusam terminantemente a admitir seu erro e voltar atrás, como se ciência não fosse justamente isso: substituir as verdades transitórias por outras, que subseqüentemente serão substituídas. Claro que admitir o erro tem o custo de ter que estudar mais, reciclar-se, etc.

    Para ser concreto e dar um exemplo. Os argumentos rebatidos hoje são os mesmos que aprendi na faculdade, terminada há 13 anos. Será que nada mudou? Digo mais, mudaram há muito mais tempo, lá na década de 70 com as Expectativas Racionais, para não dizer que já eram errados na essência, como o Alexandre demonstrou matematicamente.

    Seria bem melhor discutir idéias e, portanto, não gastar tempo confrontando esse pessoal… mas a nossa omissão representa um equilíbrio pior do que o contrário.

  17. Alex,
    em uma resposta a um comentario voce falou da questao fiscal de forma ampla, incluindo o tamanho do governo e a eficiencia do gasto. Eu nao podia concordar mais com essa maneira de abordar a questao fiscal. Inclusive acho que o conceito de superavit primario, uma bandeira supostamente ortodoxa para conter ocrescimento da relacao divida-pib, hoje e’ explorado de forma absurda pelo PT e e’ usado para acabar com qualquer discussao seria sobre politica fiscal. Qualquer critica dos gastos publicos o governo imediatamente aponta pro superavit como uma demonstracao de responsabilidade fiscal. Na realidade, apesar do superavit, o governo PT e’ extremamente irresponsavel fiscalmente pois nao contem o aumento do estado e nao se preocupa com eficiencia do gasto. O superavit e’ o basico, o minimo necessario, nao e’ de modo algum o fim da historia. E’ preciso que mais gente feito voce fale isso!

  18. Alex,

    Quanto ao teorema de Haavelmo? O problema estaria na suposição preços rígidos ? O teorema diz que se o governo efetuar gastos no mesmo montante dos impostos recolhidos (isto é, se o orçamento estiver equilibrado), o nível de renda nacional aumentará. É correto admitir que, conforme se aproxime do chamado produto potencial o efeito do aumento nos gastos do governo (mesmo que no montante da tributação) acarretará uma elevação nos preços e não na produção (a despeito das supozições do modelo) ? Me parece que, nesse caso,o problema é o mesmo: só é relevante para níveis muito elevados de desemprego e capacidade ociosa. O problema é que eles admitem isso como fato. Não sei se estou correto.

    Abraços,

    Obrigado aos amigos pela sugestão bibliográfica.

  19. Cleiton:

    É isto mesmo. Todas estas considerações só olham para a demanda agregada (inclusive o Teorema de Haavelmo), supondo implicitamente uma oferta infinitamente elástica (ou preços rígidos).

    Daí a importância da modelagem para a oferta agregada, que, eventualmente, desemboca na Curva de Phillips neo-keynesiana.

    Abs

    Alex

  20. Olá a todos do blog. Estou fazendo uma monografia para concluir minha graduação de Economia na UFRN, cujo tema é política fiscal e trata desta questão dessa discussão entre ortodoxos e heterodoxos. Eu ainda não decidi qual o referencial teórico que pretendo seguir, mas confesso que já estou com o conhecimento sobre economia heterodoxa plenamente consolidada, sobretudo devido à influência do meu ex-professor de Macroeconomia e atual orientador (que tem doutorado na UFRJ e que também é o mesmo professor do Cleiton). Devido a isso, eu ficarei agradecido se o professor Schwartzmann responder ao menos a algumas de minhas colocações, já que a opinião dele terá muito a acrescentar na minha pesquisa.

    “Logo, um corte permanente de gastos públicos implica uma queda da tributação esperada cujo valor presente deve ser exatamente o valor presente do corte de gastos. Se a tributação for lump-sum (i.e., não causa distorção), o único efeito disto será aumentar o valor presente do consumo privado exatamente pelo valor do corte de gasto público.”

    Eu suponho que aqui o professor Schwartzmann implicitamente cita a proposição de Barro – Ricardo. Segundo esse raciocínio, ao se dá conta que tem que pagar impostos menores no futuro, os consumidores, baseados em expectativas racionais, diminuirão a poupança privada na mesma proporção em que a poupança pública aumenta.
    O problema da teoria de Barro-Ricardo são alguns fracassos de suas previsões em alguns países, como os Estados Unidos, por exemplo. A realidade mostrou que, diferentemente do que a teoria de Barro – Ricardo predizia, o consumo de cada família não é aproximadamente proporcional à sua renda permanente, ou seja, sua renda esperada no longo prazo. No manual de Macroeconomia do Blanchard que tenho disponível (Macroeconomia: teoria e política econômica) tem dados indicando que a razão entre a poupança privada e poupança pública nos EUA entre 1968-1994 mostra que não há evidência que o aumento do déficit público desde o início da década de 80 tenha sido compensado pelo aumento da poupança privada. Além disso, a famosa contração fiscal no governo Clinton foi mais que compensada pela política monetária acomodatícia de Greenspan e seus efeitos colaterais. Não só em Blanchard se vê isso, mas há literatura nacional disponível sobre o assunto:

    Franklin Serrano ; BRAGA, J. M. . “O mito da contração fiscal expansionista durante o governo Clinton”. Economia e Sociedade (UNICAMP), v. 15, p. 213, 2006.

    E o corte de gastos não é incompatível com a política econômica heterodoxa.

    “O que possivelmente seu professor não disse é que toda esta análise (multiplicador, etc) refere-se apenas à demanda e pressupõe implicitamente que o nível de preços está dado, ou seja, que a oferta agregada é infinitamente elástica num determinado nível de preços. […] e é onde se torna nítido que boa parte da análise keynesiana mais rasteira (no estilo UFRJ-Unicamp) só é relevante para níveis muito elevados de desemprego e capacidade ociosa.”

    Na verdade, eu já conversei com ele sobre isso e o mesmo disse que o pensamento pós-keynesiano, assim como o de Keynes, não assume uma curva de oferta infinitamente elástica. Essa é uma premissa teórica dos “sraffianos” e alguns intérpretes de Keynes que tentam aproximar o britânico de Sraffa.
    A curva de oferta de curto prazo keynesiana tem uma significativa inclinação positiva devido à lei dos retornos decrescentes (associada a escassez de insumos necessários à produção, escassez de trabalhadores qualificados, etc.). No longo prazo macroeconômico, devido à superação desses gargalos e estrangulamentos, a inclinação de curva de oferta fica bem mais elástica, mas ainda assim a elasticidade dela não fica no nível da elasticidade infinita. Isso implica que os pós-keynesianos vêem que a política fiscal dá melhores resultados no longo do que no curto prazo, já que é no longo prazo que as pressões inflacionárias se amenizam.
    Ademais, os pós-keynesianos ainda citam que o efeito crowding-out associado a política fiscal expansionista pode ser contrabalançada pelo efeito do “acelerador keynesiano”.

    Citação de citação:
    “Pedro: ‘Minhas recentes incursões pela mentalidade heterodoxa me deram algumas pistas sobre esse viés ‘Bem contra o Mal’. Em uma péssima interpretação de Keynes, a pedra fundamental do pensamento ufrj-unicamp é o seguinte: só há trade-off entre consumo e poupança em termos individuais. No agregado, esse trade-off deixa de existir, E NÃO É NECESSÁRIO REDUZIR CONSUMO PARA AUMENTAR POUPANÇA E INVESTIMENTO, POIS AFINAL SEMPRE EXISTE DESEMPREGO E RECURSOS OCIOSOS. NA VERDADE, AUMENTAR O CONSUMO AUMENTA A RENDA E O INVESTIMENTO E O CRESCIMENTO ECONÔMICO DE LONGO PRAZO’.”

    Sim, keynesianos realmente consideram que a soma das partes do produto- consumo, investimento privado, gastos do governo e exportações líquidas de bens e serviços – é igual ao todo, mas não que a renda e o produto são dados. Sobre esse assunto, Luiz Fernando de Paula já disse que:

    “A falácia da composição neste caso é supor que um aumento na poupança dos agentes (microeconômica) – ou seja, da fração poupada de sua renda – levará necessariamente a um aumento na poupança agregada da economia (macroeconômica). Naquilo que ficou conhecido como ‘paradoxo da parcimônia’, Keynes mostrou que toda tentativa de poupar mais, reduzindo o consumo, age de tal modo sobre a renda que acaba anulando a si mesma. Como no nível macroeconômico a renda é determinada pelas decisões de gastos de todos os agentes (indivíduos e firmas), se todos eles (ou parte importante deles) resolverem diminuir seus gastos de consumo para poupar mais o efeito final será uma redução na renda deles – de tal modo que a poupança agregada continuará a ser exatamente igual a antes. O equívoco neste caso é pensar a renda como dada, como algo estático.”
    http://www.desempregozero.org.br/artigos/keynes_pac.php

    Pensar que para aumentar a poupança/investimento implica necessariamente que se deve reduzir o consumo, já é tomar a Lei de Say como uma verdade inquestionável. Heterodoxos não questionam que a existência de uma curva de oferta de longo prazo vertical seria válida se cumprida certas condições. A questão é que para que a Lei de Say e a existência de uma a tendência da economia caminhar ao pleno emprego seja uma verdade, essas hipóteses fortemente questionadas por pelos teóricos da demanda efetiva também deveriam ser verdadeiras: i) flexibilidade dos preços dos fatores; e ii) funções de (excesso) de demanda ‘bem comportadas’ por fatores de produção em geral, e por “capital” em particular. Tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista empíricos, os heterodoxos consideram que há implausibilidade do mecanismo que serve de base para a teoria da produção ortodoxa. O professor Franklin Serrano (da UFRJ) listou seus argumentos sobre isso neste artigo publicado em seu blog: http://franklinserrano.files.wordpress.com/2008/03/equilibrio-neoclassico-mercado-de-fatores.pdf

    Se a flexibilidade de preços, salários e juros no longo prazo macroeconômico é incapaz de corrigir os desequilíbrios entre oferta e demanda e garantir a validade da lei de Say, a conseqüência é tão somente a validade do Princípio da Demanda Efetiva. Além disso, meu professor já colocou a seguinte questão abordada por diversos autores:

    “Choques de demanda, de oferta e outros estão sempre mudando o ponto de equilíbrio de posição; como o processo automático é lento, antes de o ponto de equilíbrio ser atingido, ele novamente é deslocado por tais choques; na prática, nunca dá tempo de atingir o equilíbrio pelo mecanismo automático; a economia estará sempre em desequilíbrio, a menos que se utilize a política econômica para, de forma mais rápida, fazer a economia convergir para o equilíbrio. O longo prazo seria, na visão keynesiana, um prazo ‘virtual’, que nunca se efetiva”.

    Por fim, eu queria dizer que há uma visão equivocada em achar que a visão heterodoxa necessita do argumento que só há necessidade de políticas expansionistas se houver a existência de “recursos ociosos”. Os sraffianos e boa parte dos pós-keynesianos (Dutt, Lavoie, etc.) reconhecem que há congruência de longo prazo entre os tamanhos relativos do estoque de capital e a demanda pelos produtos produzidos, mas que isso se dá porque o investimento privado é uma variável basicamente induzida. Quando foi explicar a teoria de crescimento do Franklin Serrano, meu professor usou estas palavras:

    “[Na teoria de Serrano] sempre que a taxa de crescimento da demanda aumentar, acelerando o crescimento da economia de forma que a taxa de crescimento efetiva supere a do estoque de capital o grau de utilização da capacidade aumentará até que, eventualmente, ela passe a superar o grau de utilização desejado. Os capitalistas responderão a este fenômeno aumentando o investimento, o que fará com que, após certo tempo, o grau de utilização da capacidade volte ao normal.”

    Franklin Serrano diz em seu blog que:
    “Isso significa que esta teoria leva em conta não apenas o efeitos multiplicador usualmente contemplados também nas teorias de curto prazo de utilização de capacidade mas também os efeitos aceleradores pelos quais o crescimento sustentado da demanda efetiva vai induzindo a criação de capacidade produtiva da economia.”

    Serrano citando Pierangelo Garegnani:
    “Agora, o tamanho da dotação de capital parece, quando nada, até mais suscetível de adaptação ao seu emprego do que é o tamanho da força de trabalho … é o nível da demanda agregada e do produto que determina o nível de estoque de capital.”

    Por outro lado, existem os teóricos que consideram o investimento como uma variável essencialmente autônoma, como Michal Kalecki e a escola da Unicamp. Em comum, essas duas correntes de pensamento compartilham a idéia que crescimento econômico nas nações subdesenvolvidas é limitado por insuficiência estrutural de divisas devido a restrição externa no balanço de pagamentos.

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