As últimas do Sicsú

Uma seleção com os melhores momentos da entrevista de João Sicsú no Estado de S. Paulo (06/Jan/2007 pág B3)

O senhor é favorável ao regime de metas de inflação na forma como hoje funciona no Brasil?

Gostaria de comentar esse assunto ‘em tese’. É uma das minhas áreas de estudo. Sou favorável a que qualquer governo tenha uma meta para a inflação. Avalio que a tarefa de controlar a inflação é tão importante que o Banco Central deveria ser auxiliado nesse esforço. A estabilização dos preços é um grande ativo de uma sociedade e quem deveria zelar por ele poderia ser um conjunto de organismos públicos auxiliando o Banco Central. Controlar a inflação não é tarefa fácil. E é responsabilidade excessiva para um único órgão que somente tem um instrumento nas mãos, a taxa de juros, para cuidar do tema. Penso, por exemplo, que se a causa da inflação tem sido a alta dos preços dos alimentos, o Ministério da Agricultura poderia apresentar um relato minucioso, um diagnóstico da situação e apresentar as suas perspectivas para o problema. Eventualmente, a solução poderia ser simples e evitaria que o Banco Central aumentasse a taxa de juros. Assim, se evitaria que o Banco Central fosse tratado como vilão, como o órgão que eleva os juros e trava a economia. O Banco Central tem de ser visto pela sociedade e pelos formadores de opinião como um organismo ‘do bem’.

Comentário:

Trata-se, vejam bem, de “uma das áreas de estudo” do eminente pensador. Ele deve ter aprendido que no mundo todo não se atribui aos Bancos Centrais a tarefa de cuidar sozinhos da inflação. Imaginem só se os BCs saem por aí subindo juros… Aliás, é por isto que em todos os países que adotam o regime de metas para a inflação, a responsabilidade – caso a inflação se desvie da meta – é do Ministério da Agricultura, quando não do Ministério das Desculpas Esfarrapadas (por exemplo, que o presidente prometeu não aumentar impostos, mas que a promessa só valia para os últimos 15 dias do ano).

E o BC tem mesmo que ser visto como um organismo ‘do bem’, de preferência atendendo as pressões políticas de toda ordem. Onde estava o Rogoff com a cabeça quando concluiu que o banqueiro central deveria ser mais conservador que o resto da sociedade? Deve ter partido do pressuposto que BCs que se preocupam com a inflação são ‘do mal’.

Como seria essa contribuição de outros organismos ao Banco Central, como no caso do Ministério da Agricultura?

O mais importante seria o diagnóstico do choque, sua intensidade e extensão, assim como medidas preventivas de incentivo ao investimento setorial para evitar desequilíbrios entre oferta e demanda.

Comentário:

Excelente idéia. Podíamos passar a função ao Ministério da Agricultura mesmo. Inclusive com poderes para conter a demanda por alimentos na China. É uma proposta de se encaixa perfeitamente no projeto do Brasil potência, pedra angular da Sealopra.

Como o senhor vê a valorização do real e a redução do superávit em conta corrente (com projeções de déficit em 2008)? O senhor concorda com a prescrição do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira de impostos sobre a exportação de matérias-primas como soja e minério de ferro?

Vejo com muita preocupação a valorização do real. O câmbio foi valorizado porque houve entrada avassaladora de capitais financeiros durante o ano de 2007. Enquanto entre janeiro e outubro de 2006 entraram de forma líquida no País US$ 4,5 bilhões, no mesmo período de 2007 entraram quase dez vezes mais: US$ 23 bilhões foram para fundos de renda fixa. Em primeiro lugar, o País precisa ser menos atrativo do ponto de vista financeiro ao capital externo. Um caminho conhecido pelos países asiáticos para fazer isso é manter a trajetória de redução da taxa de juros.

É também preciso impor alíquota sobre determinados produtos importados, tal como o governo já fez no ano passado. E também é necessário incentivar a industrialização por meio da isenção de impostos para exportação de produtos manufaturados, deixando os impostos sobre o que é básico. Aliás, já existem alguns projetos no Senado que fazem essa proposta. Será delicada a situação de termos novamente saldo negativo em transações correntes – o superávit nessa conta é uma defesa contra ataques especulativos que não é desprezível.

Comentário:

Já que se passará ao Ministério da Agricultura a tarefa de manter a inflação sob controle, o BC ficará livre para ajustar a taxa de juros como objetivo de manter o câmbio fraco. Se – a exemplo da Argentina – a inflação subir e apreciar a taxa real de câmbio ampliaremos a produção agrícola até compensar.

A imposição de tarifas de importação deverá ajudar também. Afinal de contas, com as importações mais caras, a demanda por importações deverá cair, o que deve reduzir a demanda por moeda estrangeira e… Como é que tarifa de importação mais alta deprecia o câmbio real mesmo?

O senhor é favorável a algum tipo de controle de capitais?

O mais importante mecanismo de controle sobre a entrada de capitais é, como disse, ter uma taxa de juros baixa. É assim que os asiáticos controlam ou evitam a entrada que valorizaria excessivamente o câmbio

Comentário:

E tudo isto graças ao Ministério da Agricultura!

Qual sua visão sobre o papel do Estado na atual fase do desenvolvimento econômico do Brasil? Como vê a questão do tamanho do funcionalismo e seus níveis de remuneração?

O Estado já mostrou sua necessidade para promover justiça social e desenvolvimento. A participação ativa do Estado tem se mostrado útil tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. Para cumprir essa função, o Estado brasileiro precisa contratar milhares de servidores, principalmente médicos, professores, policiais, fiscais e engenheiros. E pagar bons salários para que permaneçam como servidores públicos. A despesa com a contratação de funcionários que atuam em atividades-fim deveria ser considerada investimento público. Aumentar a despesa com a contratação do funcionalismo não causa problemas fiscais. O equilíbrio orçamentário está sendo alcançando porque está havendo crescimento. A relação dívida/PIB e o déficit nominal estão se reduzindo. Não se equilibra orçamento cortando gastos quando uma economia está semi estagnada. O resultado fiscal de uma economia é apenas o sintoma, o motor é o crescimento. A fórmula é simples: o crescimento propicia equilíbrio fiscal e a estagnação leva necessariamente ao aumento dos déficits.

Comentário:

Solução genial! Não sei como ninguém pensou nisto antes. Contrataremos milhares (por que não mais milhões como anteriormente proposto?) de funcionários públicos. Mas, como os salários deles serão investimento, podemos incluir tudo no PPI e descontar da meta fiscal. Aí teremos simultaneamente um exército de funcionários públicos e imensoso superávits fiscais. E explicaremos que o aumento do endividamento para pagar o funcionalismo também não deve ser considerado como dívida, mas como um ativo do país. Quanto maior a dívida, maior o ativo. É como o queijo suíço: quanto mais queijo, mais buracos. Quanto mais buracos, menos queijo. Logo, quanto mais queijo, menos queijo e quanto mais dívida, menos dívida.

9 thoughts on “As últimas do Sicsú

  1. Bilu, não entendi muito bem… o Sicsú, cuja nobre tarefa de assessor de senador evangélico deve ter sido um estímulo a seus estudos de macro-enconomia, deve ser um especialista em enconomizar, sabe como é? enconomizar recursos, esforços, inclusive mentais e intelectuais, mas nunca retóricos, já que a Palavra então se fez…

    mas o fato mesmo é que, fazendo um pequeno exercício dedutivo, o que ocorreria se baixássemos os juros, como sugere Sicsú, este que teve que demitir especialistas do IPEA que poderiam lhe fazer sombra…

    se baixássemos os juros, o dinheiro iria para onde?

  2. Se baixarmos o juro, haveria uma aceleração maior da economia. Com o juro 1% a.a. mais baixo, ao invés da demanda doméstica crescer 6.5-7%, cresceria entre 7.5-8%. E a inflação – já na marca do pênalti – iria para cima da meta.

  3. Vi o anúncio da “negociação” de cargos federais nos Estados… parece que são dezenas de “funções”…

    Bilu, não entendi muito bem, será que tais “funções” vão aumentar o queijo ou o buraco do queijo?

    Uma das “funções” federais nos Estados, me lembro bem, era o cargo de motorista da presidência no Rio de Janeiro, “cargo” concedido ao motorista que transportou as caixas de “uísque” que foram custodiadas por aquele “assessor” da República de Ribeirão do Palhoci…

    (aliás, quando o Sicsú fala dos juros baixos como medida de contenção do câmbio, ele se esqueceu daquela norma do Tesouro que permite a saída de dólares sem pressionarem o câmbio?)

  4. Lembrei o escândalo da Enron, onde se lançava as despesas normais de manutenção das linhas de telecomunicação como se fossem investimentos na estrutura. Deve se a nova contabilidade milagrosa onde despesa (ou prejuízo) vira lucro e vice-versa.

  5. Alex
    Muito boa essa sua “entrevista” comentada”!
    Voce como bom “cabeca de planilha”, (hehehe), como eh chamado pelo pessoal que fez economia no curso noturno de Musambinho, deu uma aula com muita simplicidade.
    Nada como tecnologia Aristotelica para ensinar a mocada!

  6. Quem é você para criticar o professor Sicsú?

    Para você juros altos e corte de gastos públicos serve para curar qualquer problema.

    A crise veio, as receitas neoliberais perderam credibilidade e o sr continuar dizendo as mesmas coisas.

    Não foi o senhor que indicou cotas da pirâmide do Madoff para os clientes do Itaú Personalitê?

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