O primeiro voto. Coluna Mário Marinho

O PRIMEIRO VOTO

COLUNA MÁRIO MARINHO

Era manhã de domingo, 7 de outubro de 1962.

Acordei cedo, tomei banho e vesti um terno azul marinho, provavelmente o único que tinha na época.

Não era usual um terno num domingo pela manhã, principalmente para um jovem como eu. As poucas pessoas que encontrei pelo caminho naquela manhã, devem ter pensado: está indo para Missa. Afinal estava vestido com roupa de ver Deus.

Na verdade, ao sair de minha casa na Rua Bernardo Cisneiros, no então Parque Riachuelo (que, lamentavelmente perdeu sua denominação e foi engolido pelo bairro Aparecida) e dirigir-me para a rua Pororocas, no bairro Aparecida, eu estava indo votar.

Pela primeira vez iria exercer o direito do voto. E mais do que isso: havia sido convocado para trabalhar como mesário.

Da minha casa, na rua Bernardo Cisneiros, até o Grupo escolar que ficava na esquina da rua Pororocas com Leopoldina de Oliveira, a distância não era muito grande, coisa de um quilômetro, mas o terreno era bastante acidentado.

Parte da rua Bernardo Cisneiros era um morro bastante íngreme e nem tinha rua: apenas um caminho entre buracos e barrancos.

Cheguei ao Grupo, cujo nome na me lembro mais, um pouco suado, arfante, mas orgulhoso de estar pronto para trabalhar.

… O título de eleitor era de papel, a cédula era única que eu e o secretário rubricamos. Montamos a cabine indevassável em pano azul e, às oito horas como determinou a lei, depositamos nossos votos e abrimos a seção para o público.

 

Constatei que da meia dúzia de pessoas que iriam trabalhar, apenas eu e o presidente da Mesa estávamos de terno.

Fizemos a primeira reunião para o presidente nos ensinar o trabalho, não houve por parte do Tribunal Eleitoral, nem uma pequena aula de treinamento. Por ser de maior escolaridade entre os presentes, fui nomeado secretario com a incumbência, entre outras, de lavrar a ata ao final dos trabalhos.

O título de eleitor era de papel, a cédula era única que eu e o secretário rubricamos. Montamos a cabine indevassável em pano azul e, às oito horas como determinou a lei, depositamos nossos votos e abrimos a seção para o público.

Nosso local de trabalho ficava na Zona Norte de Belo Horizonte, nas confluências dos bairros Aparecida e Parque Riachuelo. Ainda hoje é local de residências humildes. Imagine, então, há quase 60 anos passados.

Some-se a isso ao fato de que o sistema de votação em cédula única era novidade.

Ao entrar na sala de votação, o eleitor entregava seu título, de papel, que era carimbado e assinado pelo presidente da seção. Recebia uma cédula onde deveria escrever os nomes dos seus candidatos.

Cada voto era muito demorado.

Muitos eleitores confundiam o local onde deveriam escrever os nomes dos candidatos. Embora estivesse escrito “Prefeito”, alguns escreviam ali o nome do vereador, do deputado ou do senador.

Não foram poucas às vezes que o eleitor depois de passar vários minutos dentro da cabine, saía e nos perguntava:

– Moço, como é que se escreve Ademar?

E nós não podíamos ensinar. O máximo que se poderia fazer era mostrar para a pessoa que havia uma lista com o nome de todos os candidatos dentro da cabine. Que ela procurasse o seu e copiasse.

Mas não era fácil.

Lembro de uma senhorinha, humilde, que ficou vários minutos na cabine. Saiu e a passos lentos, hesitantes, me procurou:

– Mocinho, eu esqueci o nome do meu candidato. Eu queria votar tanto nele, sabe? Eu acho que ele é ótima pessoa.

E agora?

O presidente da mesa sugeriu que eu conseguisse uma cadeira e que a senhora ficasse sentada em um canto, tentando lembrar-se.

Fizemos isso.

Meia hora depois, ela me procura.

– Mocinho, não consigo me lembrar. Eu queria tanto votar nele…

Conversei com o presidente a apresentei solução que ele topou.

– A senhora vai deixar aqui os seus documentos, vai até lá fora, vê se encontra um amigo, um vizinho, que pode ajudar a senhora. Tá bem?

Lá se foi a boa velhinha e nós demos continuidade na votação.

Quase uma hora depois, ela voltou alegre, sorridente.

– Mocinho, agora já sei. Encontrei com a Regina que é filha da dona Maria da Horta, sabe. Ela é um amor…

E foram mais alguns minutos contando a história da Regina, da dona Maria até que ela deu uma piscadela pra mim, me mandou abaixar e cochichou:

– Vou votar no Carone.

– Tá bom, tá bom, mas a senhora não deve falar em quem vai votar…

Ela ficou preocupada.

– Xi, não pode? E agora, eu posso votar? Eu queria tanto…

– Tudo bem, agora a senhora entra lá na cabine e vota.

Ela saiu da cabine toda feliz e até radiante por ter conseguido aquela façanha.

Deve ter ficado muito alegre ao constatar nos dias seguintes (a apuração levava alguns dias) que ajudou a eleger o prefeito Jorge Carone.

Meu primeiro voto foi naquele ano de 1962.

Em janeiro do ano seguinte, no dia 6, voltei a trabalhar no plebiscito que escolheu o regime presidencialista em substituição ao parlamentarismo que vigorara então. O voto “Não” que derrubou o parlamentarismo teve 83% dos votos.

Veio o golpe de 1964. Ainda aconteceram algumas eleições nas quais eu trabalhei.

Mas só pude votar para eleger um presidente da República em 1989.

E, veja só, votei no Lula contra o Collor. Foi a primeira e única vez.

 Frase

Eleitoral

“Quando as urnas começam a xingar não param mais” – Israel Pinheiro governador de Minas Gerais na década de 1960.

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FOTO SOFIA MARINHOMário Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS
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