A noite do goleirão. Coluna Mário Marinho

A noite do goleirão

COLUNA MÁRIO MARINHO

Normalmente quando se vai a um campo de futebol sem se conhecer os times, a atenção do torcedor se volta para o camisa 10.

O camisa 10 é o craque do time, sempre imaginamos.

Eu tenho predileção especial pelos goleiros.

Talvez seja alguma coisa hereditária, já que meu pai, na sua juventude foi goleiro jogando em campos improvisados, verdadeiros pastos, na cidade de Pium-í, em Minas Gerais, lá pela década de 1920.

Meu irmão mais velho, o Márcio, foi goleiro e dos bons. Profissional pelo Cruzeiro ao final da década de 1950. Goleiro ousado, sem medo foi titular da seleção mineira sub 20.

Meu irmão mais novo, o Marco Antônio (que Deus o tenha) também foi um excelente goleiro, embora gostasse mais de jogar na linha, onde podia aplicar humilhantes dribles nos adversários.

Um goleiro foi responsável pelo primeiro palavrão que falei na vida.

Na época, eu tinha, creio, uns seis anos de idade.

Meu pai costumava me levar para assistir a jogos do Parque Riachuelo, bravo time da várzea de Belo Horizonte, cujo campo ficava na rua Madureira, pertinho da minha casa.

Eu e meu pai ficávamos sempre atrás do gol. E nos empolgávamos com as defesas espetaculares que o goleirão Cueca, do Parque Riachuelo, fazia.

Algumas delas, espalhafatosas e desnecessárias, mas que levavam os torcedores à loucura.

Lembro-me que naquele domingo, o Cueca teve atuação ainda mais espetacular.

E eu ali ouvindo os torcedores exclamarem: “O Cueca é foda! O Cueca é foda!”

Terminado o jogo, levado pela mão segura e saudosa de meu pai, não tive dúvidas:

– O Cueca é foda, né papai?

Naquela época, criança não falava palavrões; em casa de católico, muito menos; em casa de Paulo Marinho, jamais.

Imagina o susto do meu pai ao me ouvir dizer isso. Foi tão grande o espanto que ele chegou a rir, certamente por saber que uma criança de seis anos nem de longe imaginava o que estava falando.

Ele parou, me olhou e disse firme, porém calmamente:

– É, é sim. Mas você nunca mais repita isso. Isso que você falou é nome feio.

Claro que nunca mais repeti, nem mesmo quando adulto.

Mas, desde aquela época, os goleiros me fascinam.

Eu mesmo fui goleiro na várzea de Belo Horizonte e em alguns jogos aqui em São Paulo, defendendo o time do Jornal da Tarde.

Longe do brilho e da competência do Márcio e do Marco Antônio. Mas dava para o gasto.

Lembro-me que numa tarde de 1956, quando eu ainda não havia completado 13 anos, perdi uma aula no austero Colégio Santo Antônio, de Belo Horizonte, para ouvir pelo rádio o Jogo Inglaterra x Brasil.

O Brasil perdeu por 4 a 2, mas o goleirão Gilmar defendeu dois pênaltis. Fiquei orgulhoso, porque tinha Gilmar em meu álbum de figurinha.

Só fui conhecer pessoalmente Gilmar 12 anos depois, em 1968, quando o entrevistei, em Santos, para o Jornal da Tarde. Fiquei emocionado.
Mantivemos um bom relacionamento.

Ao final do ano de 1989, fui contratado pelo Credicard para divulgar e levar personagens a um almoço oferecido em sua sede no dia do sorteio dos grupos da Copa do Mundo que seria disputada no ano seguinte, na Itália.

Ao final da cerimônia, acompanhei Gilmar até à rua onde ele iria pegar um taxi. Estávamos junto à calçada quando passou um rapaz, olhou para o Gilmar, deu um passo, parou e voltou.

– Você é o Gilmar?, perguntou parecendo incrédulo.

– Sim, sou.

– Você sabe como eu chamo?

– Não, não sei, mas imagino que seja Gilmar.

Gilmar

O rapaz, ainda olhando meio incrédulo para o Gilmar, remexeu os bolsos e tirou a carteira de identidade que mostrou ao Goleirão.

– Veja meu nome.

Lá estava:

– Gilmar dos Santos Neves Pereira.

Foi a vez do Grande Gilmar se mostrar emocionado. E explicou para mim e para o outro Gilmar:

– Eu sei que existem centenas de garotos que foram batizados com o meu nome. Aliás, eu mesmo fui padrinho de dezenas deles. Mas, assim, com o nome completo é a primeira vez que eu vejo.

Pois esse grande Gilmar, para mim o melhor goleiro do Brasil de todos os tempos, e que me inspirou, foi segundo goleiro que mais vezes defendeu a camisa do Corinthians: 395 jogos, número alcançado pelo também goleirão Cássio no jogo desta quarta-feira, contra o Racing, pela Copa Sul-Americana, em Buenos Aires (o recordista na posição é o também excelente Ronaldo, com 602).

E para fazer jus à comparação com Gilmar, Cássio também defendeu dois pênaltis no jogo de ontem, assegurando a classificação do Corinthians no torneio.

Um grande goleiro substituindo, no Corinthians, meu maior ídolo.

Veja os gols desta quarta-feira, inclusive as duas importantes defesas de Cássio.

https://youtu.be/IMJJn7uu7yw

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FOTO SOFIA MARINHO

Mário Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.

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