Jovens Suicidas – IV. Por Meraldo Zisman

Violência


JOVENS SUICIDAS –  IV

MERALDO ZISMAN

O atendimento a uma pessoa não pode ser como uma mercadoria que não varia de acordo com as etapas da vida humana. Assim como é impossível  separar a mente do corpo. Quanto mais jovem, o ser humano possui mais necessidade de ver um rosto conhecido, familiar, mormente quando fragilizado por uma enfermidade…

Postura Médica:

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Mudanças estão ocorrendo de forma muito rápida e devemos entender que é difícil aceitá-las, sobretudo quanto ao aumento de casos de suicídio entre crianças e jovens. Não poucas vezes, angustiados, telefonam-me pais, mães e pessoas conhecidas (muitas delas, que vi nascer), solicitando uma opinião, ou queixando-se do atendimento recebido pelo Sistema de Saúde, principalmente se o atendimento ocorre nas emergências.

Refiro-me à classe média urbana das grandes cidades brasileiras e agora à nova classe média, recém-chegada ao mercado consumidor. Noto que ao perguntar: Quem é o seu médico? A resposta é geralmente:

“A (criança/jovem) não possui um médico fixo. Quando adoece, eu a conduzo até uma emergência, porque não tenho tempo de levá-la aos consultórios. Lá, é um hospital, e sou atendido rapidamente. Já tentei marcar uma consulta e havia vaga, somente, dois meses depois. Creio que, do ponto de vista técnico, as emergências possuem aparelhagens modernas, que o avanço da Medicina vem exigindo, ou seja, lá, encontra-se de tudo.”

O atendimento a uma pessoa não pode ser como uma mercadoria que não varia de acordo com as etapas da vida humana. Assim como é impossível  separar a mente do corpo. Quanto mais jovem, o ser humano possui mais necessidade de ver um rosto conhecido, familiar, mormente quando fragilizado por uma enfermidade. Achar que todos os seres humanos são iguais é algo muito perigoso, além de pobre. O atendimento à pessoa não pode ser baseado na média dos indivíduos, pois, nesses casos, as médias não significam nada. Se você colocar a cabeça em um forno e as pernas em uma geladeira, a temperatura média corporal continuará sendo a normal.

No presente, porém, como o mundo caminha para a frente, e muitos homens passaram a se dedicar, também, aos seus filhos, percebo que tenho de escrever o título: Conselho aos Pais, aos Médicos e demais Profissionais de Saúde.

Estes últimos foram formados para considerar a morte como sua inimiga. Por sua vez a família de um jovem que comete ou tenta se autodestruir joga a culpa nas mais diversas causas. Tanto ele (o Profissional da Saúde) como os familiares são seres humanos que partilham das mesmas sensações diante da morte autoprovocada de uma criança ou jovem.

Costumo advertir aos meus colegas profissionais de saúde mental: “Evitem comentários do tipo”:

1 – “Deveriam ter procurado ajuda mais cedo”.

2 – “Por que não viram logo o que estava acontecendo?”

3 – “Porque esperaram tanto tempo?”.

4 – Após uma tentativa de suicídio e realizadas as medidas emergenciais (lavagem gástrica, hemodiálise, etc.), dar alta ao paciente, sem conduzi-lo a uma ajuda psicoterapêutica, é falta grave.

5 – Evitar frases do tipo: “quem se mata é um covarde” ou o inverso “para se suicidar precisa-se ter coragem.”

6 – Evitar ser dominado pelo sentimento de raiva contra o suicida.

7 – Não cair na tentação de minimizar o problema, transformando a tentativa em um caso banal de acidente. Acidentes repetidos muitas vezes são expressões de grave conflito interior.

8 – Não se deve encobrir a tentativa de suicídio com intoxicação acidental, ingestão exagerada de comprimidos e outros.

9 – Levar a sério qualquer tentativa de suicídio.

10 – Saber que os familiares devem ser preparados para ouvir as verdades.

Na profilaxia do suicídio é necessário aprofundar as causas, e o importante é evitar:

1 – Submeter a criança ou o adolescente a cobranças e pressões dignas de um executivo em ascensão, como natação, inglês, francês ou alemão, computador, ballet, judô e outras atividades. Lembrar-se que a criança e o jovem necessitam brincar.

2 – Levar em conta que o número de casamentos desfeitos é enorme. A criança não deseja a separação dos pais. Julga-se culpada de alguma forma pela separação, tenta culpar-se pelo fato. Quando essas tentativas fracassam, a solução será, para alguns, fugir pela porta da morte.

3 – A falta de oportunidades, medo do futuro, impotência diante do mundo e desamor, podem conduzir o adolescente à fuga ou desistência, e a única escolha será o suicídio.

4 – Atentar para famílias que já registram suicídio entre seus membros.

5 – Evitar competição exagerada no afã de atingir a felicidade, a posse de bens materiais.

6 – Mobilidade da família no mundo atual, mudanças, será outro fator contribuidor de instabilidade da criança e do adolescente.

7 – Doenças crônicas são outra causa de auto eliminação do tipo: “se a doença pode me matar, eu ganho dela, me matando primeiro”, o esquecimento de tomar a injeção de insulina, hemofílico que se bate propositadamente, são exemplos diários do desejo de morrer. Esquecer de tomar a pílula, ser mãe solteira.

JEITOS DOS PAIS:

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1 – Diante de um caso comprovado de tentativa, autoagressão ou acidente, deve-se procurar a ajuda do médico da família, desde que ele tenha demonstrado ser um profissional carinhoso e receptivo.

2 – Se ele for um profissional competente e humano, deverá saber que o problema não é apenas do adolescente, e sim de toda a família.

3 – O “suicida” deve deixar de ser o foco de atenção, enquanto o médico analisa o comportamento geral da família.

4- É necessário identificar as opções positivas de vida do jovem, encontrando as melhores alternativas para cada caso.

5 – Quando em tratamento com o terapeuta especializado, o jovem não deve ser abandonado pelo seu médico generalista.

6 – Acidentes deverão ser analisados com cuidado, bem como as queixas orgânicas, pois muitos dos acidentes nada mais são do que tentativas veladas de suicídio.

7. A formação dos profissionais da saúde deveria ser focada na prevenção e em como lidar com alguém que tentou ou que tem a ideia de querer suicidar-se ou auto agredir-se.

8. – Em centros que possuem profissionais especializados, deixar a eles a orientação terapêutica, mas sem deixar o paciente sem um clínico. O suicídio não deve ser um assunto exclusivo da psiquiatria.

9. – O suicídio não é uma doença, mas um fenômeno social que possui uma distribuição irregular na sociedade.

10.- O suicídio desperta nos que ficam dois sentimentos: culpa e raiva. O fato é que sua ocorrência é mais frequente em famílias em que um outro membro já se havia suicidado.

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Novas descobertas e a tecnologia cibernética parecem apontar para a necessidade de engajamento de especialistas em saúde pública e em suicídios, assim como o envolvimento da indústria do entretenimento, a fim de evitar novas representações nocivas de suicídio. Termino com a frase do sociólogo francês Émile Durkheim (1858- 1917) ainda bastante válida e pertinente:

“A ciência pode perfeitamente nos dizer de que maneira as causas produzem seus efeitos mas não quais finalidades devem ser buscadas; ela observa, explica, mas não julga: o bem e o mal não existem para ela”. Conferir em: https://citacoes.in/autores/emile-durkheim/

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SOBRE ESSE TEMA ESPECÍFICO, NÃO DEIXE DE LER TAMBÉM:

- Sexo feminino e Suicídio - I. Por Meraldo Zisman
- Sexo Feminino e Suicídio – II. Por Meraldo Zisman
- Suicídio e Mídia III. Por Meraldo Zisman

Veja os outros artigos onde o autor versa sobre “VIOLÊNCIA”:

artigo I Medicina e Política. Por Meraldo Zisman

artigo IIA Epidemiologia algorítmica na prevenção da violência. Por Meraldo Zisman

artigo IIICélulas espelhos. Por Meraldo Zisman

artigo IVViolência Interpessoal. Por Meraldo Zisman

artigo V – O Medo Ancestral. Por Meraldo Zisman

artigo VIViolência e Drogas. Por Meraldo Zisman

artigo VII Apreciações gerais e tipologia da violência. Por Meraldo Zisman

artigo VIIIViolência Oculta. Cripto-violência. Por Meraldo Zisman

artigo XIXGravidez na Adolescência. Por Meraldo Zisman

artigo XSíndrome da criança espancada. Por Meraldo Zisman


Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).

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