Violência contra os idosos – II – Medicalização. Por Meraldo Zisman

VIOLÊNCIA CONTRA OS IDOSOS – II

MEDICALIZAÇÃO

MERALDO ZISMAN

O ajustamento das pessoas idosas ao contexto de vida dos mais jovens e, da dificuldade em aceitar os tempos diferentes do hodierno é complexo. Na velhice há uma forte tendência ao abatimento, tendo em vista a grande quantidade de fatores que levam o ancião a desencadear sentimentos negativos, tais como o isolamento, o que por vezes culmina em depressão verdadeira…

Tenho observado nas prescrições médicas a ampliação da medicalização dos velhos, principalmente, de psicotrópicos (tarja-preta), ‘contra a depressão’. Do ponto de vista semântico o vocábulo depressão é originário do Latim “depressione” e significa: distúrbio mental caracterizado por adinamia, desânimo, sensação de cansaço e cujo quadro muitas vezes inclui também ansiedade, em grau maior ou menor.

De tanto ser empregado, o termo passou a significar tristeza, luto, perda, sentir-se infeliz, jururu. Chamo, desde logo, a atenção para o fato de que se sentir triste, privado de determinada satisfação pessoal ou emocional é uma reação normal do organismo diante de perdas, fracassos, lutos ou tristezas. Depressão é uma patologia.

Tristeza, infelicidade, são manifestações inerentes à vida do ser humano e têm duração limitada. São sentimentos passageiros e devem ser aceitos como lenitivos, pois auxiliam a pessoa a elaborar as perdas, fazendo com que o indivíduo se reorganize internamente e supere essa fase difícil, servindo ainda algumas vezes de lição.

A depressão ocorre quando a tristeza persiste e, há profundo sentimento de apatia, indiferença, desesperança, ausência de perspectiva e prazer.

Essa confusão semântica explica porque a tristeza profunda ou a insatisfação com a vida passaram a ser uma patologia listada na Classificação Internacional das Doenças (CID) e, como tal, de reponsabilidade médica. Ganhou até garantia Constitucional: A Saúde é Direito de todos…

Compete ressaltar que muitos dos sinais e sintomas da depressão podem ser confundidos com outras patologias ou desencadear queixas e problemas somáticos (somatizações), trazendo consequências drásticas para as pessoas. É comum que apareça um sentimento de que familiares e conhecidos não dão importância ao seu ‘caso’, um sofrimento que pode tornar-se em fator de risco de morbidade e, até de suicídio, principalmente nos idosos.

…Àqueles que não concordam comigo, apronto e parto para a pergunta: Será que essa mercantilização médica e social do idoso não seria uma das piores formas de violência para com os velhos? A falta de eco de seus pedidos os deixa à deriva…

O ajustamento das pessoas idosas ao contexto de vida dos mais jovens e, da dificuldade em aceitar os tempos diferentes do hodierno é complexo. Na velhice há uma forte tendência ao abatimento, tendo em vista a grande quantidade de fatores que levam o ancião a desencadear sentimentos negativos, tais como o isolamento, o que por vezes culmina em depressão verdadeira. A perda da independência e a inapetência dos velhos para representar o novo papel social que lhes cabe, acabam por rotulá-los de depressivos, uma classificação tentadora, pois a medicalização social é fato. O idoso pensa, elabora seu pensamento e, na altura de colocá-lo em prática, falta-lhe a vontade. A doença está em não poder agir.

O número de suicidas está aumentando cada vez mais. O que encontro, na maioria das vezes e dos casos, não é depressão e, sim um abuso de diagnóstico, um excesso de medicalização, desnecessária nessa etapa da vida que, hipocritamente, apelidaram de melhor idade…

Alguns, em sua rabugice, idosos dão trabalho aos familiares. É nesse momento que o diagnóstico de depressão passa a ser carimbo explicativo da tristeza pelo envelhecimento, ademais, uma válvula de escape para os familiares e profissionais da saúde levando, não poucas vezes, a internamentos desnecessários. Àqueles que não concordam comigo, apronto e parto para a pergunta: Será que essa mercantilização médica e social do idoso não seria uma das piores formas de violência para com os velhos? A falta de eco de seus pedidos os deixa à deriva.

Como vivemos nessa coletividade de consumo que leva à supermedicalização dos idosos, sua valorização seria alvissareira, para deixarem de ser consumidores de remédios, medicamentos, leitos hospitalares e UTIs.

Basta olhar para o enxame de farmácias que apareceram nas nossas cidades, para os planos de saúde de preços estratosféricos e para as antessalas luxuosas dos hospitais particulares/credenciados pelos planos de saúde mais caros e das UTIs superlotadas de doentes. Melhor estariam, com pessoas que fazem parte do seu circuito afetivo, ao invés de estarem violentados por tubos e aparelhagem manobrados por estranhos.

*O significado do vocábulo medicalização:
Em geral, a medicalização denota algo suspeito derivado da criação ou incorporação de um problema “não médico” ao aparato da Medicina. (ROSE, 2007a).

Conferir:
Nikolas Rose’s The Politics of Life Itself, biomedicine, power, and subjectivity in the Twenty-First Century. Oxford: Princeton University Press, 2007

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).

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