Mundinhos particulares. Por Marli Gonçalves

MUNDINHOS PARTICULARES

MARLI GONÇALVES

Andei rassudocando esses dias – gosto muito dessa palavra, rassudocar, e que também significa refletir, pensar, mas que a mim sempre parece mais profunda, tipo ir longe pensando, solto – sobre como está cada vez visível a formação de mundinhos particulares. Muitos, muitos tipos, grupos, turmas, e também, infelizmente, mundinhos de classes sociais, de opiniões políticas…

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Outro dia, passando a pé por um bairro cheio de tititi aqui de São Paulo de nome esquisito, e que a mim só lembra trânsito, buzina, o Itaim Bibi, foi a primeira vez que reparei em um desses acentuados mundinhos particulares que vêm se formando, o de classes sociais. Todo mundo vestido no mesmo padrão, roupas de marcas (bem expostas, inclusive, para todo mundo saber que marcas, calcular o valor), cores padrão, neutras, como diria o meu irmão, os homens são “Josés Serras”, blusa azul, calça bege. Tem também, claro, a versão “João Doria”, camisa branca engomada, o casaquinho jogado nas costas, sempre de cores celestiais, azulzinho, amarelinho, verdinho.

Reparei também no olhar… um olhar, um ar superior, não sei como não tropeçam nas calçadas esburacadas. Capazes de passar por cima de você, os jovens mais ainda, não se desviam, como se o outro fosse trespassável; se estiverem ao celular não preciso nem descrever.

Muito louco porque parecem mesmo saídos todos de uma mesma forma, ou melhor, de uns três tipos de formas, no máximo. Poucos nas ruas a pé, aliás. Ali é lugar que se usa o carro. Então, reparei muito também nos bares cheios dessa juventude dourada, em plena tarde de um dia de semana, como se não houvesse amanhã. As mulheres, com os cabelos lisos, fluídos, nos quais constantemente passam os dedos em toda a extensão, não sei como não se cansam, e também não sei como os cabelos não caem aos tufos de tanto serem puxados para manterem-se lisos, grande parte em matizes de loiro dégradée. É um tique. De onde é que pegaram isso? – pode ser das influenciadoras digitais? Já não é mais aquele charme, instrumento de sedução, sinal, quando a mulher mexia no cabelo quando se interessava por alguém.

Mas quero falar de outros mundinhos, de como acaba que todo mundo está falando só com seus iguais, juntos, em bolhas. Só deixam suas bolhas particulares, em alguns casos, para tentar furar o olho e a bolha do outro, especialmente se o assunto é a política. Os que vem defendendo de unhas e dentes o atual governante, se pudessem cortavam as cabeças de quem se opõe, e que logo é chamado de petista, mesmo que deteste o Lula e seus etcs. Por outro lado, nós adoraríamos apenas que nos ouvissem, porque argumentos não faltam para chamá-los à razão. Aí rola o stress, a provocação, e, ainda, o fim de amizades. Sim, ainda, porque chegou no limite e não dá, por exemplo, para gostar de alguém que goste de alguém que goste de um torturador sanguinário, assassino, entre outros disparates.

As bolhas estão se formando e explodindo. São muitas, em muitos outros assuntos, formando guetos. Bolhas de opções sexuais, bolhas de gêneros, bolhas de raças, bolhas de redes sociais, como se cada uma delas pudesse sobreviver sozinha.

Não podem. Bolhas estouram e a gente pode estar juntos dentro de uma delas, algo que nos una, como a bolha da economia que, furada, vai fazer sobrar geleca para todos, raças, cores, credos, classes, sexos e opções, posições, seja o que for. A mundial anda tremelicando. E não é de sabão.

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FOTO: Gal Oppido

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Lançamento oficial 20 de agosto, terça-feira, a partir das 19 horas na Livraria da Vila, Alameda Lorena, São Paulo, SP. Já à venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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1 thought on “Mundinhos particulares. Por Marli Gonçalves

  1. Prezada. Na universidade pública já vi inúmeras vezes a formação dessas bolhas de sofisticação dissimulada. Não são exatamente as mesmas desse bairro de nome curioso, mas, digamos, uma outra variação do mesmo tema. Mocinhas lindas com seus cabelos esvoaçantes e calças industrialmente esburacadas, sempre acompanhadas daqueles tontos que se arrumam com um tipo de negligência estética que faz os incautos acreditarem se tratar de gente que não liga muito pra aparência – afinal, aparência é só aparência, e boa mesmo é a gente que se importa com o que ‘tem por dentro’ (merda dia sim, dia não, como recomenda o capitão). Se a gente repara com atenção, nota que só usam roupas caras, acomodadas de uma maneira quase desleixada, mais ou menos como quem diz “olha, gente, sou simples, mas não pobre”. São um pouco diferentes desses tipos que infestam o bairro chique. Estes querem mesmo é que você saiba que estão dizendo para si próprios o quanto não são simples, nem pobres. Estão dizendo isso para você, para quem queira ver. De certa forma, são mais honestos, menos dissimulados, mais autênticos. Sua futilidade é assumida. Sua superficialidade, certamente mais crua. E estão felizes por isso. São ‘raiz’, digamos. Raiz da segregação, do preconceito, da exclusão, do elitismo, da estupidez que leva tipos como nosso coisa-ruim ao poder. São apenas gente que quer mesmo passar por cima, sem culpa, pois sempre se pode, depois do atropelamento, aparecer num evento beneficente. São o PSL, alguém dirá. Podem ser, mas vão muito além disso. A outra turma, a da universidade, é a do PT. As diferenças entre essas turmas são menores do que supomos, mas existem. Todos vivem dos acúmulos de suas famílias, mas uns dizem “somos melhores, é daí?”. Os outros são os que urram para todos os cantos “somos melhores, mas não diga que não queremos ser iguais – só que é muito difícil”…
    Sim, minha cara, você está certa. Nós somos trespassáveis. Na crueza de seu elitismo excludente, ou na dissimulação de seu populismo fake, esses dois tipos querem mesmo é reforçar o sabão de suas bolhas, só pra garantir que eles não, eles não são trespassáveis. Na selva, salva-se quem morde primeiro. Ou quem tem a melhor camuflagem. Dá o que pensar.

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