Populações indígenas vão sendo cozidas pela História. Por Aylê-Salassié F. Quintão

POPULAÇÕES INDÍGENAS VÃO SENDO COZIDAS PELA HISTÓRIA

Aylê-Salassié F. Quintão*

Oitocentos mil indígenas – já foram cinco milhões – estão largados no Brasil à própria sorte. Autonomia? Não. É abandono mesmo.  Os índios estão sempre fora da pauta. Como tema, a demarcação das terras indígenas, por exemplo, desliza com facilidade para o potencial mineral e florestal brasileiro inexplorado dentro dos territórios nativos. As controvérsias criadas são artificiais.

 

Na agenda do atual governo a questão indígena parece não se encaixar.  Passados oito meses, a Fundação Nacional do Índio está ainda pendurada no meio do caminho entre os ministérios da Justiça, da Agricultura e dos Direitos Humanos. Mesmo vagando sem rumo pela Esplanada, chefes de algumas nações nativas foram ao Palácio do Planalto discutir a demarcação e o uso da terra indígena. Na oportunidade, o Presidente procurou desviar-se do assunto, anunciando para os jornalistas vetos à lei de abuso de autoridade.

Oitocentos mil indígenas – já foram cinco milhões – estão largados no Brasil à própria sorte. Autonomia? Não. É abandono mesmo.  Os índios estão sempre fora da pauta. Como tema, a demarcação das terras indígenas, por exemplo, desliza com facilidade para o potencial mineral e florestal brasileiro inexplorado dentro dos territórios nativos. As controvérsias criadas são artificiais. Apenas formas de postergar ações definitivas. Como problema, a demarcação é cultivada, inclusive institucionalmente, com ignorância e má fé. Enquanto isso, de alguma forma, o homem branco avança sobre o território dessas populações.

São grandes empresas industriais, latifundiários, médios produtores, e até desempregados nas cidades, tentando retornar ao campo. Para expulsar os índios do seu habitat milenar, os brasileiros tem uma enorme criatividade, às vezes de inspiração sanguinária.

Os gloriosos bandeirantes deixaram verdadeiros rastros de sangue entre os nativos em todo lugar por onde passaram. O tal de Domingos Jorge Velho queimou no Sul aldeamentos inteiros de índios xogleng, kaingang e guaranis. O objetivo era apossar das terras e escravizar os nativos. Assassinavam os que resistiam. As populações foram simplesmente dispersadas ou exterminados pela colonização.

Culpa também teve a massiva campanha do Estado Novo, empreendida nos anos de 1940, com a sua “Marcha para o Oeste”, destinada a franquear terras para a colonização. Avançou sobre o território xavante, desarrumando a organização social daquela nação. Os Waimirí Atroarí, em Roraima, foram atravessadas pelas máquinas da rodovia Manaus- Caracaraí, que dá acesso à Venezuela. Lembro do sertanista Cotrim Neto, tentando transferir os parakanãs das suas terras milenares para uma reserva improvisada pelo Governo para dar lugar à estrada Cuiabá-Santarém, em construção.

Resultado de imagem para KADIWEUNão faltam histórias para explicar como o homem branco insiste em destruir a comunidade indígena no País pela ocupação de suas terras: abrindo estradas, cruzando-as com torres de transmissão de energia, minerodutos, explorando madeira, minerais ou simplesmente expandindo latifúndios improdutivos.

A tão festejada criação do Parque do Xingu, embora feita com as bênçãos dos irmãos Villas Boas, foi um desastre para algumas populações nativas, transferidas dos territórios de origem. Os cinta larga, índios agressivos do Centro-Oeste, tiveram sua população gradualmente dizimada após aceitarem o contato com os brancos. Os kadiwéu, conhecidos como índios cavaleiros”, guerreiros, usados pelo Brasil na Guerra do Paraguai, desapareceram como povo. No Maranhão, certa vez, um grupo de 50 índios foi presenteado, pelos fazendeiros de Caxias, com roupas de moradores da vila. Em um mês, metade do grupo ficara doente, e a maioria morrera.  A doação estava infectada com o vírus do sarampo.

 Não faltam histórias para explicar como o homem branco insiste em destruir a comunidade indígena no País pela ocupação de suas terras: abrindo estradas, cruzando-as com torres de transmissão de energia, minerodutos, explorando madeira, minerais ou simplesmente expandindo latifúndios improdutivos. Um empresário paulista tinha a “cara de pau” de dizer que em suas terras, no Centro-Oeste, viviam dois a três grupos indígenas. Até o MST quer as terras dos índios.

O SPI, aquele órgão que entregava as terras indígenas para quem as quisessem explorá-las, foi substituído pela Funai, que instituiu uma política de confinamento do índio em “reservas”, com o fim – dizia-se – de protege-los. Na realidade, procurava-se delimitar suas áreas de circulação.

Em Porto Seguro, no sul da Bahia, onde existem 23 aldeamentos pataxós, o IBAMA criou um parque nacional para proteção da fauna e da flora nativa. Os indígenas passaram momentos de grande apreensão, ao ver confrontada por valores a política indigenista com a política ambiental. Na ilha do Bananal ocorreu a mesma coisa.

 O agronegócio. Ah! O agronegócio…Agora tem essa história de agronegócio. É uma estratégia da política agrícola voltada para a exportação. Nas terras dos ianomâmis, em Roraima, os índios permitiram o plantio de arroz para subsistência, e depois precisaram da intervenção do STF para a retomada da terra.

De alguma forma, cutuca-se, vez por outra, a questão das terras dos índios. Nada de solução.  Índio também não é notícia. O que interessa é ver os modelos produtivos do branco sendo incorporados pelos povos nativos. A política indigenista atual é isso.  Os representantes da bancada da agricultura no Congresso tentam acelerar o processo, gritando: “Os xavantes querem tratores!”

É o que o processo histórico está a oferecer às populações indígenas, diante de tanta omissão.  Para chegar aí, os índios foram reprimidos violentamente, passaram pelo radinho de pilha, pelo aparelho de televisão, pelo telefone, pela geladeira, pelo computador, aprenderam a dirigir e a jogar futebol. Semana passada, tivemos até passeatas de mulheres indígenas.

O Planalto não quer saber: Laissez faire!

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Aylê-Salassié F. Quintão*Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília.

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