O Senhor Óbvio. Por Marli Gonçalves

O SENHOR ÓBVIO

MARLI GONÇALVES

O esquecido Senhor Óbvio. Ele faz piruetas, dança, samba, se joga, se mata para mostrar as coisas, apontar para problemas que, não tem jeito, vão estourar. Ele vai, ele volta. Dá sinais objetivos, pequenos a princípio, mas reais. Em alguns casos, imagino até o Senhor Óbvio tocando uma corneta no ouvido das autoridades, que teimam em não lhe dar atenção e aí…

As tragédias acontecem. E o Senhor Óbvio, de sobrenome Ululante, não deve acreditar quando escuta no noticiário, por exemplo, que os barracos de madeira debaixo do viaduto pegaram fogo, deixando centenas de pessoas sem abrigo e algumas milhares de pessoas sendo prejudicadas de várias formas entre seu ir e vir, presos no trânsito, ou sem transporte coletivo. Assim é com a fiação elétrica que emite pequenos raios de seus fios descascados. Assim é com o cheiro de gás que antecede explosões.

O óbvio está sempre diante de nós. É evidente, não se esconde, não se camufla, não se disfarça para ser visto a nu por olhos, narizes, consciências. Não deixa dúvidas, salta” à vista”, embora às vezes seja também, digamos, filosófico. Elementar, meu caro Watson.

Mas o Senhor Óbvio é bastante irônico e há fatos e falas que ouve aqui no Brasil que o fazem só mexer os ombrinhos para cima e para baixo, de tão óbvios que são. Mas fatos e falas que viram notícia como se representassem verdadeiramente algo inédito, diferente, real, ou mesmo que não fossem apenas deslavadas mentiras.

Não me diga! – ele exclama, cada vez que se depara com um desses fatos, muitos que, inclusive, já viveu para ver que obviamente não serão cumpridos. Ou que o silêncio caberia melhor naquele momento, para que todos nós não fiquemos tão irritados em ouvir tais declarações.

Em geral, promessas. Por exemplo, a do indicado pelo presidente Bolsonaro para ocupar o importante e estratégico cargo de Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e que estava fora da lista tríplice enviada pelos procuradores ao presidente, que a ignorou solenemente. Na sua campanha pela aprovação do Senado, de mãozinhas juntas, garantiu, primeiro que será independente do tal presidente que o indicou acima de tudo e todos. Se seria grato, se haveria moeda de troca? Respondeu: “Minha gratidão é com o país, não com as pessoas”. Antes já havia sido flagrado falando a um senador que o “presidente Bolsonaro não vai poder mandar e desmandar” na Procuradoria.

Quase leva o Senhor Óbvio Ululante às lágrimas.  Só não levou porque o nosso personagem estava às voltas com uma enorme pesquisa – para a qual inclusive pede ajuda de vocês – sobre quantas multas vultosas, milionárias, aplicadas com números lindos e divulgadas com toda aquela alegria pelos apresentadores, como punição, com rigor e etceteras, foram real e efetivamente pagas. Começou a pesquisa pelas tragédias provocadas pela Vale.

Tadinho. Tá lá procurando os recibos. Não tenho coragem de contar a ele que durante décadas esses valores serão contestados.

Outra coisa que o perturba é ainda mais comum. O cara, a cara, ou a empresa/empresário, corruptos ou assemelhados, são pegos pela polícia com a boca na botija. Qual é a mais nova moda de declaração sucinta? “Estamos colaborando com as investigações. Atenderemos aos chamados para esclarecermos tudo”.

– Não nos diga!

Pensamos, eu e o Senhor Óbvio Ululante, que os chamados seriam ignorados, que dariam uma banana (aquela, dada com o braço) aos policiais, investigadores, promotores…

A mesma banana que as autoridades dão aos alertas, aos perigos, e às vistorias que quando mandam fazer pegam os resultados rapidamente. E os mandam, sem dó nem dor de consciência, para a gaveta. Ou, como dizemos no jargão jornalístico, “para a cesta seção”. O lixo.

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FOTO: Gal Oppido

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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