Esqueletos no armário. Por Fernando Gabeira

ESQUELETOS NO ARMÁRIO

FERNANDO GABEIRA

… Esqueletos no armário podem ser cadáveres reais ou mesmo episódios que governos ou partidos querem ocultar porque a transparência, nesse caso, é indesejável. Fabrício Queiroz é um esqueleto no armário. Há muitas formas de tratar disso. Bolsonaro parece ainda inexperiente no assunto…

 - PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO
 E NO SITE OFICIAL DO AUTOR – WWW.GABEIRA.COM.BR,
EDIÇÃO DE 14 DE OUTUBRO DE 2019

Correndo de praia em praia, seguindo a mancha de óleo no Nordeste, tive uma noite livre para pensar na política nacional.

Dizem que é nova política. Não sei se tenho condições de entendê-la. Mas o exame da política de sempre é o critério que tenho para analisar esses fatos. Na minha tosca enciclopédia, dois verbetes dariam conta da fúria de Bolsonaro contra um ciclista e a divisão desse estranho partido que é o PSL: esqueletos no armário e racha, entendido aqui como a cisão num grupo partidário.

Esqueletos no armário podem ser cadáveres reais ou mesmo episódios que governos ou partidos querem ocultar porque a transparência, nesse caso, é indesejável. Fabrício Queiroz é um esqueleto no armário. Há muitas formas de tratar disso. Bolsonaro parece ainda inexperiente no assunto.

Ao gritar que Queiroz estava com a mãe do ciclista, ele apenas usou a pior tática: chacoalhar os ossos e chamar a atenção de todos para o esqueleto rangendo contra a madeira.

Resultado de imagem para SKELETON… Mas essa concordância entra em colapso quando o chamado objetivo maior não se realiza. Manter os esqueletos silenciosos no armário é uma tarefa difícil também a longo prazo. Bolsonaro, diga-se a seu favor, não é dos mais brilhantes na tarefa.

Esqueletos no armário são corrosivos. Os ultra fiéis não se importam, talvez nem acreditem que essas coisas aconteçam nos bastidores. Há um grupo que simplesmente aceita, com o argumento de que o objetivo é maior e que essas coisas acontecem mesmo em todos os partidos.

Mas essa concordância entra em colapso quando o chamado objetivo maior não se realiza. Manter os esqueletos silenciosos no armário é uma tarefa difícil também a longo prazo. Bolsonaro, diga-se a seu favor, não é dos mais brilhantes na tarefa.

Outro tema que me interessou foi a história de um possível racha no PSL. É o partido de Bolsonaro, e ele disse que é preciso esquecê-lo. Disse ainda que o presidente do partido estava queimado para caramba. É um partido que movimenta milhões. E brigas partidárias, apesar de sua natureza diferente, lembram separações conjugais: quem fica com o quê?

Resultado de imagem para SKELETON… quando a soma é gigantesca, em R$ 350 milhões, como no PSL, é certo que vão se dilacerar para decidir quem gasta o quê, campanhas vão florescer; outras, submergir.

 

No nosso movimento estudantil, os rachas, quando aconteciam, sempre desfechavam uma disputa em torno do mimeógrafo. Bem mais poético que agora.

Não há grandes divergências ideológicas no PSL. Não há correntes de pensamento definidas. São indivíduos e suas carreiras políticas. Se houvesse espaço, avançaria em outro verbete da tosca enciclopédia: as bancadas eleitas pelo populismo. São heterogêneas, compõem-se de gente que expressa proximidade com o líder, repete um ou outro dos seus slogans, e pronto.

Imagine o que acontece quando se injetam milhões de reais num agrupamento com essa consistência política? Não se trata mais de discutir quem fica com o quê, depois de uma divergência ideológica.

Nesse caso, o dinheiro é a própria razão do conflito. Dinheiro público, pois acabou o financiamento privado.

Resultado de imagem para SKELETON… A nova política não se cansa de me surpreender. Embora se diga defensora de valores tradicionais e prometa uma volta ao passado num mundo que se transformou profundamente, o seu tema central, no fundo, é o mais prosaico: dinheiro.

 

Nos partidos chamados nanicos, o fundo oficial é uma espécie de vaquinha que alimenta os dirigentes, consegue mantê-los com uma renda pessoal.

Mas quando a soma é gigantesca, em R$ 350 milhões, como no PSL, é certo que vão se dilacerar para decidir quem gasta o quê, campanhas vão florescer; outras, submergir.

Sempre tive essa intuição sobre a briga atual do PSL. Temia, no entanto, super simplificar. Afinal, é possível que tenham ideias. Ganhei um pouco de coragem para enunciá-la porque no momento em que perguntaram a Bolsonaro qual era o problema do PSL, ele respondeu: é o tesoureiro.

No tempo em que, diante da complexidade de governar o país, o problema do partido dominante é o tesoureiro, meu tosco arsenal carece de atualização. Faltam categorias. Esperava que o líder populista entrasse em conflito com sua base pantanosa. Pensei em infidelidade partidária, em choque de egos.

O tesoureiro me escapou. Tesoureiros de partidos costumavam ser presos, em tempos de financiamento privado. Agora, são o objeto de desejo.

A nova política não se cansa de me surpreender. Embora se diga defensora de valores tradicionais e prometa uma volta ao passado num mundo que se transformou profundamente, o seu tema central, no fundo, é o mais prosaico: dinheiro.

Aliás, ele é também a causa do ruidoso esqueleto no armário. Não apenas por ofensas ao ciclista. Os ossos rangem estrepitosamente desde o momento em que Toffoli proibiu a cooperação entre receita e órgãos investigativos. É uma espécie de grito: há alguma coisa errada entre nós; logo, suprimam-se as investigações.

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Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, onde produz semanalmente reportagens sobre temas especiais, por ele próprio filmadas (no ar aos domingos, 18h30, e em reprises na programação). Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas.

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2 thoughts on “Esqueletos no armário. Por Fernando Gabeira

  1. O Brasil é um país muito maluco. Cada vez que mexem numa lei, ou num regulamento, ou numa orientação para melhorar o país, só pioram. Essa do fundo partidário então, Santo Cristo da Abadia, foi muito pior a emenda do que o soneto original. É muito dinheiro, uma terrível tentação para os gananciosos de sempre. Só podia dar nessa sujeirada toda…

  2. Bom dia…
    Excelentes observações e análises do FB…
    Só acho exagerado a citação da resposta ao ciclista…escrita + de 1 vez…
    Ora o JB é 1 cara normal…não 1 Rambo…com nervos de aço…
    Se fosse comigo…mandava o ciclista lá para a Casa das Mães dos políticos…2º a crença popular…
    Que me perdoem as Mães dos políticos…afinal todos erramos de vez em quando…
    É o nosso Brasil…não é para AMADORES…

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