O velho discurso. Por Edmilson Siqueira

O VELHO DISCURSO

EDMILSON SIQUEIRA

…Recebi, dia desses, 20 posts no WhatsApp de uma vez só, espalhados pelos seguidores ou por membros do governo mesmo. Neles, inúmeras realizações atribuídas a Bolsonaro. Algumas (a minoria) verdadeiras, mas que não passam de obrigação de qualquer governante, outras duvidosas e algumas falsas mesmo, com fotos de obras com muito mais tempo de vida do que o ano e mês de atuação do atual governo…

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A apropriação dos discursos positivos é parte do esquema de qualquer um que quer chegar ao poder ou nele tenta se manter. Talvez seja a parte principal, pois através dele é que o político ou o teórico tenta convencer que seu partido ou sua ideologia é melhor e que tem os rumos certos para a felicidade geral da nação. Mesmo que tudo não passe de deslavada mentira.

Recebi, dia desses, 20 posts no WhatsApp de uma vez só, espalhados pelos seguidores ou por membros do governo mesmo. Neles, inúmeras realizações atribuídas a Bolsonaro. Algumas (a minoria) verdadeiras, mas que não passam de obrigação de qualquer governante, outras duvidosas e algumas falsas mesmo, com fotos de obras com muito mais tempo de vida do que o ano e mês de atuação do atual governo. Na mais vistosa delas, a diminuição da criminalidade, verdadeira, sim, mas que todos sabemos, deve-se mais à espetacular atuação de Moro. E há uma campanha, não totalmente descartada por Bolsonaro e filhos, de tirar a Segurança de Moro ou mesmo de tirar Moro do governo.

Numa roda de amigos, alguns bolsonaristas convictos, insistem em dizer que jornais só mostram coisas ruins e não dão noticias boas do governo. Curioso é que antes, quando acontecia a mesma coisa com o governo Lula ou Dilma, não havia essa reclamação. Depois que Bolsonaro e sua turma elegeram a imprensa em geral, e Folha e Globo em particular, como inimigas figadais, um monte de bolsonaristas se arvorou em ser comentarista de imprensa e começou a querer ditar as pautas dos jornais e da TV.

… a apropriação do discurso sobre o inimigo comum é tão vulgar e notória, que o comportamento doentio de Bolsonaro sobre o tema ganhou simpatias de, quem diria, ninguém menos que Lula. Sim, o inimigo a ser batido pelo bolsonarismo tem gostado do que o capitão e sua turminha têm dito sobre a “extrema imprensa”…

A imprensa erra, claro, há comentaristas, principalmente na TV a cabo, que não gostam de Bolsonaro, mas 99% das notícias negativas sobre o atual governo são apenas notícias. O atual governo é pródigo em criar uma crise por dia, sob os fatos mais banais. Como não podem evitar essas notícias ruins, os bolsonaristas acham que o critério de escolha do que é manchete ou do que vai ao ar está errado ou é proposital para mostrar só mazelas e “fazer a cabeça” do povo contra Bolsonaro. Viraram experts em jornalismo, sem saber o que é manchete e linha fina, ou sonora e nota coberta.

Assim, como não podem esconder a realidade, e essa é nutrida diariamente por fatos negativos que dão ótimas reportagens, estão apelando para espalhar pelas redes, fatos positivos, se apropriando de um discurso positivo mesmo que esse discurso esteja eivado de inconsistência e até de mentiras mesmo.

Nesse particular, a apropriação do discurso sobre o inimigo comum é tão vulgar e notória, que o comportamento doentio de Bolsonaro sobre o tema ganhou simpatias de, quem diria, ninguém menos que Lula. Sim, o inimigo a ser batido pelo bolsonarismo tem gostado do que o capitão e sua turminha têm dito sobre a “extrema imprensa”. O que prova, mais uma vez, a identidade e semelhança entre aqueles que, dentro de si, geram um feto autoritário.

A esquerda, em geral, é mais esperta, mas é tão ou mais desonesta. Hoje mesmo, há um artigo na imprensa do ex-presidiário e corrupto, José Dirceu, propondo até aliança com alguns campos da direita, mas me chamou a atenção um trecho onde ele fala em lutas comuns da esquerda para “defender e ampliar a democracia e as liberdades civis e políticas”… e sobre “garantia da nossa independência e força para aplicar nosso programa de governo”. Já é curioso, mas não surpreendente (o PT no poder se aliou mais à direita que à esquerda), Dirceu falar agora em possível aliança com a direita. Mas é pândego, claro, ver um ladrão do erário e admirador de ditaduras como esse personagem falando em democracia, liberdades civis e políticas e independência. Antes de rir, note que esse é o discurso positivo apropriado para posar de bonzinho e, depois, se chegar ao poder, roubar à vontade e, dependendo do grau de poder atingido, mandar exterminar a oposição, como fizeram seus ídolos na Rússia, em Cuba, na China etc…

… o atual governo, na sua ânsia de se manter no poder, tem empanado seu próprio brilho, tão reclamado pelos bolsonaristas. Pois é o próprio governo, com suas crises diárias criadas do nada, e seus pretensos inimigos, quem embaça as realizações que poderiam estar ganhando manchetes.

As posturas radicais, tanto da esquerda quanto da direita, lembram, evidentemente, o “duplipensar” do genial George Orwell, no clássico “1984”. O governo super-ultra-mega totalitário da obra de ficção (inspirado no que fez e fazia à época Stalin na Rússia) adotava como verdade apenas o que lhe interessava, podendo essa verdade ser a mentira de ontem ou de amanhã. Cito um trecho de cabeça: “As luzes no céu, sabemos que são astros como planetas ou estrelas, mas se quisermos, serão luzinhas de enfeite que acendemos e apagamos quando quisermos. E você acreditará nisso”. Era parte do discurso para fazer sucumbir o personagem, um rebelde que acaba não resistindo à tortura física e psicológica e passa a amar o Grande Irmão, o líder do qual só viam fotos e esculturas, mas que cuidava de todos como um pai zeloso. Sim, o nome no original é Big Brother. Foi dessa obra genial que saiu o nome daquela bobagem televisiva.

Nesse cenário todo, chega a ser espantoso que a economia e a segurança tenham tantos sinais e fatos positivos pra comemorar. Infelizmente, o atual governo, na sua ânsia de se manter no poder, tem empanado seu próprio brilho, tão reclamado pelos bolsonaristas. Pois é o próprio governo, com suas crises diárias criadas do nada, e seus pretensos inimigos, quem embaça as realizações que poderiam estar ganhando manchetes. Saibam os novos “experts” em imprensa que a fritura do ministro mais popular do governo jamais será encoberta nos jornais, TVs, revistas e rádios por um número recorde pontos da Bolsa de Valores. As duas notícias sairão, mas a fritura vai sair com muito mais destaque.

(atualizado 29-01-2020, 11hs)

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Edmilson Siqueira é jornalista

4 thoughts on “O velho discurso. Por Edmilson Siqueira

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