Os nascidos em tempos líquidos. Tatuagem II. Por Meraldo Zisman

OS NASCIDOS EM TEMPOS LÍQUIDOS

[TATUAGEM II]

MERALDOZISMAN

… A tatuagem é um fenômeno global. Não existe povo na Terra que não a aceite. Apesar de ser uma forma de arte efêmera (que finda quando seu suporte morre), o surgimento dessas marcas acompanha a humanidade há milênios e não há qualquer indício de que irá sair de moda…

“A metáfora do termo modernidade líquida é para fazer um contraponto com a modernidade sólida. Ele afirma que os conceitos, ideais e estruturas sociais eram mais inflexíveis e rígidos. A modernidade tem como característica derreter as estruturas sólidas, isto quer dizer que as estruturas políticas, sociais e econômicas, bem como as relações sociais sólidas vindas da sociedade tradicional foram dissolvidas”. 

(Zygmund Bauman 1925- 2017).

A tatuagem é um fenômeno global. Não existe povo na Terra que não a aceite. Apesar de ser uma forma de arte efêmera (que finda quando seu suporte morre), o surgimento dessas marcas acompanha a humanidade há milênios e não há qualquer indício de que irá sair de moda, ao contrário, a técnica vem se aprimorando e recebendo até importantes contribuições tecnológicas, nesta era informatizada.

 Existem vários motivos pelos quais as pessoas se tatuam: individualizar-se, ser única, especial, motivos religiosos ou espirituais, novas e extremas experiências, marcar uma fase da vida; protesto, rebelião, imitação e participação em grupo, motivos sexuais (fetichismo, exibicionismo, sadomasoquismo, expressos por cicatrizes de tinta ou não).

Todas elas estarão sempre à mostra para o expectador de si mesmo, que pode desabafar o que está no seu interior por um código criado pelo tatuador, agora considerado um artista. O tatuado quer mostrar que a vida nos deixa suas marcas (cicatrizes), das mais diferentes formas e maneiras, talvez ao tatuar-se queira nos fazer lembrar de períodos de grandes dificuldades e superação. Muito embora alguns dizerem ser a tatuagem uma tentativa apresentar a individualidade, existem muito mais coisas abaixo da pele da pessoa tatuada.

 No século atual, quando a epidemia de tatuagens e desenhos na pele permanece como sendo a representação da identidade pessoal. Indivíduos de todo o mundo usam os mais variados desenhos para eternizarem nos corpos as suas histórias de vida. O significado real das figuras e símbolos gravados na pele está sendo distorcido pelo imediatismo da modernidade líquida, segundo Zygmunt Bauman.

Com o advento das redes sociais, a aparência tornou-se uma ferramenta para a pessoa tornar-se popular, o que transformou o significado milenar das tatuagens em modismo.

Redes como o Facebook e Instagram valorizam a aparência pessoal, o que impulsiona os seus adeptos a recorrerem às diversas manipulações estéticas, sendo as tatuagens uma delas.

 É necessário evitar que o modismo e a leviana decisão de fazer uma tatuagem afete as culturas e os indivíduos pelo mundo.

É imprescindível, destarte, que a população, para evitar o arrependimento por ter seguido o modismo e a generalização cultural, reflita sobre a aplicação e o verdadeiro valor de se ter uma tatuagem.

Em consonância, a mídia, através da televisão, do rádio e da “internet”, pode difundir as consequências da aplicação dos desenhos sobre a pele e o processo difícil de remoção, para que toda a informação sobre esse ato se difunda pela população, ajudando, dessa forma, a análise da decisão de se tatuar.

À vista disso, a participação da escola é fundamental para informar os alunos acerca do uso de tatuagens e o seu significado histórico, para que, dessa maneira, desenvolvam o senso crítico acerca da inserção dessas marcas pelo corpo.

 Infelizmente as tatuagens, assim como as intervenções cosméticas-cirúrgicas-farmacêuticas em um mundo caracterizado pela substituição das compreensões autênticas, navegam pela superfície e poucos seriam os corajosos de criticarem esse modismo leviano.

Parece-me que um vínculo de libertação poderia ser evocado para pensarmos também nas sequelas subconscientes do relacionamento entre indivíduos na contemporaneidade.

Leia também: Os nascidos em tempos líquidos. Tatuagem I. Por Meraldo Zisman
____________________________________________________________

Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter