Inferno tropical. Por José Paulo Cavalcanti Filho

INFERNO TROPICAL

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

… Esse texto poderia ser ficção. Pena que não é. E não se trata de uma cidade imaginária. Dos romances. Dos filmes. Longe disso. É nossa Recife “de altos coqueiros”, “bravos guerreiros” e “imortal”.

João comprou um galpão. E, logo, preparou placa de Aluga-se para pôr na entrada. Ocorre que, na mesma hora, 5 coqueiros estavam sendo plantados no meio da rua que ficava à direita do tal galpão. E, no local, instalou-se vistoso comércio informal de madeiras. Problema é que, com a ocupação da rua, os possíveis usuários do galpão não poderiam ter acesso ao estacionamento, que ficava nos fundos. João não iria alugar seu imóvel, nunca. Procurou o tal camelô das madeiras. E pediu que tirasse aquelas tralhas dali. Em vão. Perguntou, por perguntar, se o tal cidadão pagava imposto. Resposta foi “Imposto é prá otário”. E João sentiu, na hora, que o otário dessa história era ele. Por pagar, religiosamente, IR, IPTU, ISS, ICMS, Previdência dos empregados, DPVAT, Taxa de Bombeiros.

Foi à polícia para liberar a rua. O policial disse apenas: “Se o tal camelô fosse rico, como Vossa Excelência, a gente tirava. Mas pobre como nós, não”. E ainda o recriminou: “Deixe o coitado ganhar a vida!, homem”.  João ligou para o 0800 da Prefeitura. Em vão. Foi lá, pessoalmente. Como o comércio de madeiras fechava uma rua, dirigiu-se à Secretaria das Mobilidades. O secretário informou que não estava, entre suas atribuições, cortar coqueiros. E sugeriu procurar a Secretaria do Meio Ambiente. Esse outro secretário prometeu resolver. Só prometeu. Que nunca esteve, nos seus planos, perder tempo com 5 coqueiros. Desesperado, João ligou para o telefone dos Bombeiros, 3421.9595. Tantas vezes que o dedo ficou roxo. O pessoal, provavelmente, estava de férias. Dirigiu-se à repartição. Foi lá, para conferir. E os bombeiros, por voz de um educado coronel, informaram que só atuavam em estabelecimentos “legalmente constituídos”. Regulares. Autorizados pela Prefeitura. Como se tratava de um camelô, perdão, mas não tinham nada com isso. João, então, lembrou frase de Fernando Pessoa, sobre os funcionários públicos: “São nomeados para não fazer nada, e é efetivamente o que fazem. Deles, pois, é o Reino dos Céus… Deixemo-los e volvamos à terra”. (1926, Revista de Comercio e Contabilidade).

João passou a se preocupar que, com aquela madeira tão perto, pudesse tudo pegar fogo. E perderia seu galpão. Só que na Seguradora, depois da vistoria, a resposta foi não. Por ser grande o risco de incêndio. Desesperado, chegou a mandar carta para a Voz do Leitor, no JC, com fotos. Nada. Agora, confia só em São Pedro. Na esperança de que as chuvas do inverno levem, com elas, as tais madeiras. E tome reza. Foi quando, sem mais ter o que fazer, João sentou no meio fio. E chorou. Esse texto poderia ser ficção. Pena que não é. E não se trata de uma cidade imaginária. Dos romances. Dos filmes. Longe disso. É nossa Recife “de altos coqueiros”, “bravos guerreiros” e “imortal”.

Infeliz João. Triste Recife.

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José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.

 

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