Sem máscaras e sem noção. Texto e fotos de Heloisa de Araújo Moreira

SEM MÁSCARAS E SEM NOÇÃO

TEXTO E FOTOS DE HELOISA DE ARAÚJO MOREIRA

Crônica de um domingo insano em São Paulo. Sem máscaras, aglomerados, efusivos, negando a pandemia, manifestantes vestidos de verde e amarelo atrapalham o trânsito e pedem impeachment. Do Governador João Doria, já que são adoradores do bolsonarismo…

 

Domingo, 26 de abril de 2020.

Saio de carro para comprar uma comida.

Deste lado da cidade as ruas estão cheias no meio da tarde quente de outono deste domingo e o termômetro de rua marca 33º.

Na esquina da Avenida Brasil com Rebouças a polícia dirige o trânsito orientando uma carreata que segue à direita pela Avenida Rebouças em direção ao Centro. São só dez carros, precedidos por uma caminhonete velha com aparelhagem de som e cinco pessoas na carroceria. Seguem para a Avenida Paulista onde logo na entrada, amarrado num trânsito lento, um homem de meia idade sobre uma moto reclama em voz alta de uma ambulância que pede passagem. Cruzei com outras duas ambulâncias na Rebouças, e pouco depois, na Paulista, também com um carro funerário que segue pela avenida cheia de carros, de ciclistas, de esportistas, de grupos em frente a quiosques que vendem sorvetes, pastéis, bebidas, e de polícia, muita polícia, que observa.

Mas depois do Masp e na frente da FIESP, a polícia monitora a concentração da carreata para não fechar a avenida, que se manifesta parada, mas buzinando muitas vezes e ocupando duas pistas à esquerda, junto à ciclovia em direção ao Paraíso. Mesmo ali o número de carros é modesto, não mais que 120, 150 carros. Mas com manifestantes animados, com caixas de som improvisadas em cima de um carro, hino nacional tocando, Bandeiras do Brasil que são distribuídas por um rapaz e amarradas sobre os carros. Aquele senhor da moto que reclamou da ambulância está entre eles, conversando; um soldado das Cruzadas saído do exército de Brancaleone empunha uma espada falsa; um camelô circula entre os carros oferecendo máscaras estampadas com a Bandeira do Brasil que ele mesmo usa, não se sabe se por proteção ou propaganda: 20 reais, cinco máscaras. Só três pessoas usam as máscaras verde-amarelas, arriadas no queixo, quase ninguém usa qualquer máscara por ali e se expõem à vontade concentrados em grupos.

A manifestação acontece com ênfase sobre a faixa de pedestres da esquina da Pamplona, nos espaços de tempo do farol fechado, onde alguns discursam, cantam e insultam Doria e Maia com palavras de ordem e cartazes em apoio a Bolsonaro, contra a Globo, pedindo impeachment do Doria e denunciando o que seriam as DitaDória e Traidória. Uma senhora idosa mostra vigor manejando uma bandeira amarrada num mastro.

Um rapaz sarado avisa que não é politicamente correto. Uma moça esfuziante posa para intermináveis selfies em frente à passagem de pedestres. Nas suas costas, pendurada no prédio da esquina, uma faixa protesta: In Moro we trust.

O farol abre para os carros, mas os bolsonaristas demoram a se dispersar. Tudo funciona com uma certa ordem: ninguém buzina pedindo passagem e os policiais esperam com calma que voltem para as calçadas.

Estranhamente dois deles se impacientaram comigo, ordenando que eu seguisse mais rápido e ameaçando me multar, enquanto a caravana parada atrapalhava o trânsito.

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HELOISA DE ARAÚJO MOREIRAÉ jornalista, fotógrafa. Trabalhou no Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Bloch Editores e Editora Abril.

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