Was soll’s, Presidente Morte? Por Ignácio de Loyola Brandão

WAS SOLL`S, PRESIDENTE MORTE?

IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

…E daí? Daí que me veio acachapante sensação, que não foi de repulsa ante a frieza e a indiferença com os  milhões de habitantes do Brasil.  Não foi de raiva, nem de ódio. Foi de uma tristeza imensa diante de tal desumanidade e desrespeito a dor alheia, a dor de uma nação. Não significamos nada para este senhor Jair. Ele tem por nós desdém, desprezo, desapego, desinteresse. Acima de tudo, desamor…

 

Covid-19: Bolsonaro é alvo de ação por crime contra | Direitos Humanos

 

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 1º DE MAIO DE 2020

Quando ouvi o presidente exclamar E dai? diante das mortes provocadas pelo Covid 19 tive ânsia de vômito. Em seguida pensei: é um monstro. Um homem sem aquilo que minha mãe chamava de misericórdia. Na mesma hora me veio a ordem do governador geral da Polônia em janeiro de 1942, pouco antes da reunião em Wannsee, Berlim, que determinou a aceleração da Solução Final (nem Bolso nem o chancelar Arruda acreditam nela), destinada a exterminar todos os judeus, todos os inimigos do nazismo. O resultado, 6 milhões de mortos em fornos crematórios, fuzilamentos, e tudo o mais.

Sabemos hoje alguns nomes daqueles que comandaram a operação. Inesquecíveis Himmmler, Heydrich, Adolf Eichmann  e Josef Mengele, este chamado de o Doutor Morte, pela frieza com que executou as mais perversas “pesquisas” em nome da ciência.

E daí? Daí que me veio acachapante sensação, que não foi de repulsa ante a frieza e a indiferença com os  milhões de habitantes do Brasil.  Não foi de raiva, nem de ódio. Foi de uma tristeza imensa diante de tal desumanidade e desrespeito a dor alheia, a dor de uma nação. Não significamos nada para este senhor Jair. Ele tem por nós desdém, desprezo, desapego, desinteresse. Acima de tudo, desamor. Fiquei deprimido.  Não sou ninguém, minha família nada é, meus amigos nada são, nenhum brasileiro tem qualquer significado, nenhum ser humano tem direito à vida. Nosso presidente não liga um pingo para nós, para nossas existências. Nem pelas vidas daqueles que votaram nele. Porque se as mortes continuarem nessa progressão, onde vão parar? Se é que vão.

Expressão tão sórdida, me provocou sensação de asco. No mesmo momento, tive um retorno, memória afetiva (afetiva não é bem o termo aqui), que me fez mal,  acabrunhou-me. Reação igual de mal estar, tive em 1987, quando em Berlim, como um dos convidados do DAAD para os 750 anos da cidade, decidi percorrer uma exposição chamada Topografia do Terror.

Em determinado espaço da cidade, estavam alguns edifícios que lembravam a zona do terror nazista, a Gestapo, a SS, a Direção de Segurança do III Reich. Um espaço relativamente (hoje é um memorial) pequeno onde se reunia a mortífera concentração de poder e terror do nazismo, a Prinz-Albecht-Strasse (hoje Niederkirchenstrasse), a Wilhelmstrasse e a Anhalterstrasse. Dali emanavam as ordens de morte, horror, torturas, prisões, assassinatos, lugar que faria a delícia do famigerado Ustra, ícone do Messias. Dali saiam as ordens que levaram milhões e milhões de judeus, ciganos, homossexuais, inimigos políticos para a morte em campos de concentração. Este horror é conhecido.

Havia também o prédio, o Tiergarten 4 onde se procedia o Projeto T4 para Eutanásias, ou seja a eliminação de loucos, deficientes físicos, seres inúteis,  tuberculosos, não convenientes a raça ariana.  Como os idosos hoje, aqui. Quem estudou a história há de se lembrar da Hans Frank e sua frase célebre. Em reunião na mansão de Wannseee, lago ameno na periferia de Berlim em janeiro de 1942, quando se acertaram os ponteiros para a Solução Final, ou seja  a morte de todos os judeus, Frank  acentuou:  “Cavalheiros, devo lhes pedir que se armem contra quaisquer sentimentos de compaixão.” Havia então na Polônia 3,5 milhões de judeus. Frank disse: “Não podemos atirar nesses 3,5 milhões, não podemos envenená-los, mas devemos ser capazes de tomar medidas que de alguma forma levem ao sucesso no extermínio absoluto.” (*)

       Assim, a morte de seis milhões de pessoas foi executada sem compaixão. Neste momento, no Brasil, enquanto hostes humanas – milhares e milhares de médicos, enfermeiros e voluntários lutam – ariscando a própria vida, para defender a vida, o presidente, condena o isolamento e diz: “E daí?   É humano este homem? É isto um homem? como perguntou Elie Wiesel em um de seus livros mais pungentes. E daí? Daí que nem eu, nem mais de 210 milhões de brasileiros queremos morrer de Covid 19.  Se sobrevivermos, vamos nos lembrar sempre de você, Jair, como o Presidente Morte.

* Terceiro Reich,  Na Historia e na Memória, de Richard Evans, editora Critica, São Paulo, e também o catálogo Topographie de la Terrreur, publicação do Berliner Festspiele GmbH, Berlim.

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IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO – JORNALISTA, ESCRITOR, IMORTAL

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