Onde enfiar o pronome

Ou:

… O CASO DO CAÇADOR DE MARAJÁS E DA PRESIDENTA

por JOSUÉ MACHADO

Andam fazendo comparações entre os casos da no mínimo desajeitada Dilma e do honrado Caçador de Marajás de estranhos olhos rútilos (por que será?), ainda em ação por aí.

Como a fez o ótimo analista político, que, no entanto, tropeçou no enunciado de sua obra em relação à colocação do pronome “SE” e do uso da vírgula. Ele escreveu assim:

“No caso do impedimento de Collor, quando rompeu-se o dique de proteção ao governo eram necessários 336 votos e 441 decidiram afastá-lo.”

Convém lembrar que a colocação do pronome oblíquo átono ANTES do verbo da oração é a mais frequente no português do Brasil. Em caso de dúvida, o melhor é antepor o pronome – é a chamada próclise: ela SE encheu; o juiz O indiciou; ele A amou, etc.

Em Portugal prefere-se a ênclise (pronome DEPOIS do verbo): rompeu-SE; afastá-LO; ele chamou-O de filho daquilo; fê-LO com prazer; ele deu-ME um pixuleco; ela deu-LHE um cargo; manifestou-SE, etc.

A anteposição do pronome, comum e correta entre nós, ocorre principalmente se a palavra que precede o verbo é uma das seguintes: advérbio, ou palavra de significado negativo, ou indefinido, ou conjunção subordinativa, ou pronome relativo, ou conjunção coordenativa alternativa, ou até pronomes pessoais retos. Mais ainda se o verbo estiver no modo subjuntivo.

Claro que muita gente deve ter esquecido como identificar tais classes de palavras, como as ensinava dona Olga em sua escolinha já faz tempo, por isso convém alinhar pelo menos as mais frequentes:

– palavras negativas e advérbios (não, nem, nunca, ainda, assaz, bastante, bem, já, jamais, mais, mal, muito, menos, pouco, quanto, quase, quem, quiçá, sempre, só, talvez, tanto, etc.);

– conjunções, principalmente subordinativas (enquanto, se, que, QUANDO, [como no texto sobre o marajá], etc.);

– pronomes relativos (que, quem, cujo, etc.);

– pronomes indefinidos (tudo, alguém, nada, etc.);

– conjunções alternativas (ou… ou, ora … ora, etc.)

– pronomes pessoais retos (eu, tu, etc.) em muitos casos.

Então ficaria assim o texto do analista quanto à colocação do pronome SE:

“No caso do impedimento do fabuloso marajá das Alagoas, QUANDO SE ROMPEU o dique de proteção…”

Agora, a vírgula. Já se sabe que a vírgula funciona frequentemente como os parênteses: uma antes, outra depois. Antes e depois de quê? De um gordo advérbio, de uma oração intercalada, (como é o caso do texto do analista), de um adjunto adverbial que apareça antes da oração principal. Mas esqueçamos a já esquecida nomenclatura gramatical, que os exemplos resolvem o problema com mais facilidade.

“No caso do impedimento de Collor, QUANDO SE ROMPEU O DIQUE DE PROTEÇÃO”, (vírgula que faltou ao texto do comentarista para fechar o trecho intercalado), “eram necessários 336 votos…”.

Nesse ponto aparece o caso da vírgula necessária antes do “E”.

Usa-se vírgula antes do “E” quando indicar, como aqui, o início de outra oração com outro sujeito — um numeral, no caso — (“441”[deputados]), e outro verbo (“DECIDIRAM”).

O resultado formalmente indiscutível então será este:

No caso do impedimento de Collor, quando se rompeu o dique de proteção ao governo, eram necessários 336 votos, e 441 decidiram afastá-lo.”

E assim foi, e o que tiver de ser será.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

1 thought on “Onde enfiar o pronome

  1. sempre leio os seus artigos, no intuito de aprender mais nossa língua, gostei do nome “Oração Intercalada”, no meu tempo com a professora Matilde (64/65), ela a nomeava ” Oração Explicativa”, da qual não esqueci o o uso das vírgulas.

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