O povo brasileiro está assim: as razões são individuais

Por Meraldo Zisman

“Na casa onde falta o pão todos brigam e ninguém tem razão”

Ponto de vista é, em pintura, a denominação do ângulo que o pintor escolhe arbitrariamente para pôr em perspectiva os objetos. E já que estou falando de pintura cito uma das máximas preferidas por Pablo Picasso (1801-1973) “estar com a razão não significa que o outro esteja errado”.

Carlton Lake (1915-2006), crítico de arte norte-americano entrevistando, em 1957, o pintor e sua mulher Jaqueline Roque (1927-1986) perguntou: — Como é que você consegue fazer um desenho com a face feminina de Jaqueline sob uma dura estilização geométrica, triangular, e mesmo assim consegue expressar sua beleza e meiguice? Como você consegue transformar uma deformação em beleza? O mestre, sorrindo, respondeu: “Logo após a libertação da França (Segunda Grande Guerra) abri meu atelier à visitação dos combatentes. Muitos deles mostraram fotografias das namoradas, noivas, amores… Foi quando um deles exibiu um pequeno retrato da sua amada. Olhando a fotografia exclamei: ‘ela é magra, tão chochinha’. O rapaz olhou-me com severidade e retrucou: ‘ela não é pequena, o retrato é que é 3×4’…”. Desta vez, olhando para Jaqueline e depois para mim, meio envergonhado, exclamou: – Vejam vocês, tudo é uma questão de ótica.

Head of a Woman (Jacqueline), 1962
… Como neste século XXI não há profetas e sim especuladores, será que não seriam os jovens, agora, que estariam enxergando para onde vai o Mundo? Por terem pontos de vista diversos, os jovens e os velhos podem ter opiniões divergentes sobre quase tudo…

Ao visitar uma exposição de pintores cubistas em Praga no início do século passado, o jovem poeta tcheco Gustav Janouch, então com 18 anos, comentou com seu mentor Franz Kafka (37 anos) que Picasso distorcia deliberadamente as formas. Em resposta ao jovem amigo, Kafka disse que o pintor espanhol apenas registrava “as deformidades que ainda não penetraram em nossa consciência”. A análise perspicaz preconizava um aspecto hoje comum à arte: a superação das formas tradicionais, em busca de um novo realismo. Tal raciocínio foi incorporado à sua literatura, de modo que em sua prosa “as deformações são precisas” (Modesto Carone, veja https://pt.scribd.com/doc/284223573/CARONE-Modesto-O-Realismo-de-Franz-Kafka)

Como neste século XXI não há profetas e sim especuladores, será que não seriam os jovens, agora, que estariam enxergando para onde vai o Mundo? Por terem pontos de vista diversos, os jovens e os velhos podem ter opiniões divergentes sobre quase tudo. De uma coisa sei eu: o conhecimento rejuvenesce a alma, diminui a amargura da velhice e reduz o distanciamento entre jovens e velhos. E as razões? Estas são individuais.

 

_________________________________________________________________

Meraldo ZismanMédico, psicoterapeuta. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter