ESPORTE DE ALTO RISCO

Luis de Góngora no STF

POR JOSUÉ MACHADO

Alguns juízes escorregam na casca de banana da linguagem barroca marcada pelo palavreado pomposo e o rebuscamento linguístico

O ministro do STF Marco Aurélio Mello tomou a decisão curiosa de determinar que o honrado presidente da Câmara de Deputados,  Eduardo Cunha, aceite o pedido de impedimento  do vice-presidente, o inconcebível Michel Temer.

Ao conceder liminar ao mandado de segurança impetrado pelo advogado Mariel Marra, Marco Aurélio estava interferindo na autonomia do Poder Legislativo, segundo a maioria dos sábios em assuntos de justiça. O que se confirmou no dia seguinte quando o mais experiente dos ministros do STF, Celso de Mello, conhecido pela firmeza doutrinária de suas sentenças, rejeitou pedido igual feito por outra pessoa também contra o inigualável Temer.

O fato é que não se tinha ouvido falar da possibilidade de interferência do STF em decisão ou falta de decisão administrativa do presidente da Câmara, por limpinho que não seja — e não é.

Pois o gongórico doutor Marco Aurélio, supremo ministro desde 13 de junho de 1990,  nomeado que foi pelo esquecível primo e presidente da República Fernando Collor de Mello, o breve, parece ter ido além do que lhe possibilitam as barrocas possibilidades. Daí que, pelo jeitão da coisa, deverá ser derrotado sem glória pela maioria dos colegas em votação do plenário do STF quando o caso de sua interferência discutível lá chegar.

Mas não importam aqui as questões jurídicas, e sim a forma de expressar-se de Marco Aurélio, o Mello.

O mais notável desse sempre bem penteado e bem vestido ministro é seu jeito peculiaríssimo de cavalgar frases retorcidas. Porque, quando ele fala, podem-se ver as vírgulas escorrendo-lhe dos beiços arqueados para isolar no espaço os trechos intercalados por pausas mortais — um assombro jurídico de gongorismo!

Dizem que seu corpo talvez seja habitado pela alma emaranhada do poeta espanhol rococó Luis de Góngora y Argote (1561-1627), famoso pelo hermetismo da frase, o emprego de palavras eruditas desnecessárias, a afetação extrema, a  inversão dos termos da oração, a abundância de figuras de linguagem e as escorregadias  metáforas tão ao gosto de ambos – o Argote e o Mello.

…Verdade que o pedantismo e o rebuscamento têm morada fixa no STF, mas deveria haver limites ou penas para quem se excedesse demais. Por exemplo, o supremo ministro que ultrapassasse demais as fronteiras do equilíbrio, como o faz  Aurélio com frequência…

Mello, ou melhor Góngora, ou melhor, Mello leva ao auge o rebuscamento linguístico, o palavreado pomposo e cheio de ornatos, de indagações retóricas, de pausas dramáticas infundadas. Fala com o luxo dos que têm a certeza do dom divino, como se estivesse escrevendo com pena de pavão dourado, prolongando sílabas na tentativa de dar a certas palavras o peso que elas naturalmente não têm, em inflexões aterrorizantes de montanha-russa.

Uma glória! Glória que se manifesta nas várias conversas  fora dos autos sobre assuntos variados mais ou menos ligados à justiça, à política e à natureza das coisas, embora tenha confessado um dia destes que não se considera semi-deus. Há quem duvide.

De todo modo, parece à vontade para contrariar sempre e sempre o jurista Moniz Aragão, que escreveu um dia:

A leitura de peças forenses é desanimadora. Escritas em linguagem que beira o ridículo pelo palavreado, falta-lhes a limpidez necessária a esclarecer as questões submetidas a julgamento.” ( Cidadania e Justiça), Revista da AMB, n. 8, 2000, pag. 58).

Claro que Moniz não escreveu isso só por causa dos sobrevoos de Aurélio. Impossível esquecer Gilmar Beiçola, como  se referem ao esvoaçante ministro Gilmar Mendes alguns de seus desafetos, acusando-o de também circular demais fora dos autos sobre Justiça e afins ou nem tanto.

 Verdade que o pedantismo e o rebuscamento têm morada fixa no STF, mas deveria haver limites ou penas para quem se excedesse demais. Por exemplo, o supremo ministro que ultrapassasse demais as fronteiras do equilíbrio, como o faz  Aurélio com frequência, seria punido: perderia por algum tempo o seu “capinha”, o funcionário sentadinho atrás dele, que lhe ajeita a sinistra capa preta e lhe ajeita o trono quando faz menção de sentar-se ou levantar-se.

Perderia também o direito a carro com combustível e motorista, a auxílio-moradia, a passagens aéreas, a pagamento das despesas com saúde e  com celular  e a verbas variadas para uma coisa e outra.

Pelo menos por algumas semanas.

Que tal?

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

 

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