O que tem de ver o anu com a garça? Por Josué Machado

O QUE TEM DE VER O ANU COM A GARÇA?

Por Josué Machado

 

Temer lembrou-se da infância distante e teve um sonho: sonhou ser um misto de rei Artur e imperador Carlos Magno.

    No encontro com o pessoal da Globo para gravação de um vídeo no Palácio do Planalto, disse Temer, modestamente, apontando a mesa redonda para doze pessoas, onde costuma trabalhar:

— Eu me sinto aqui como Carlos Magno. Quando eu tinha 11 anos de idade, eu ganhei um livro chamado “Carlos Magno e os 12 cavaleiros da Távola Redonda” e eu li aquele livro e era assim: os doze cavaleiros.

A lembrança foi expressa de maneira meio confusa, e parece duvidoso que tenha existido livro com esse título improvável. Duvidoso também que Michel Miguel já tenha tido infância.

Em todo caso, como já faz tempo, ele deve ter-se confundido, misturando lembranças na presidencial cabeça de cabelos bem penteados. Porque ao redor da Távola Redonda reuniam-se os doze cavaleiros com o mítico rei Artur em época imprecisa, talvez no século 6. Tudo não passou de lenda romântica. E o imperador Carlos Magno (748-814), de fato existiu e agitou muitíssimo, unificando a Europa entre os séculos 8 e 9.

Então, DOZE deve ser o número que costurou as temerianas lembranças tão antigas e mal digeridas. Sim, porque o reino dos doze valentes rapazes da Távola Redonda de Artur mora na mitologia, e os dos Doze Pares de França, a tropa de elite pessoal de Carlos Magno, reside na História. E uns têm tanto a ver com os outros quanto o anu com a garça.

Portanto, Miguel Lulia criou uma espécie de Samba do Crioulo Doido, em que a Princesa Isabel teria fugido com Tiradentes porque o Conde D’Eu não deu nada a ninguém e proclamou a Independência para se casar com Chica da Silva em Vila Rica.

Ah, fosse Luizinácio ou Tia Dilma a criar tão atravessado samba dos doze…

Haveria gozações inúmeras, embora dos dois nada se esperasse como referência cultural, como se poderia esperar do doutor Michel Miguel Elias Temer Lulia.

Não importa. Ainda bem que, ao olhar sua mesa de doze lugares, Michel Miguel não se tenha sentido tentado a comparar-se ao bom Jesus cercado pelos doze apóstolos na Última Ceia. Até porque a Santa Mesa era retangular, de acordo com Da Vinci. (E quem seria o Judas? Dá para escolher…).

Talvez Michel Miguel tenha evitado o possível paralelo também para não imitar Luiznácio, que já se comparou ao filho do bom Deus em público pelo menos duas vezes só neste ano.

Enfim, gente que não chega a estimar Temer acha que o melhor mesmo teria ele ter-se lembrado dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Apocalipse, 6:1-8), aqueles que vão levar o mundo à breca.

E, se fosse preciso nomear tais cavaleiros no partido dominante da atual política nativa, não seria difícil escolher os mais votados: José, o Renan; Moreira, o Franco; Romero, o Jucá; e Geddel Vieira, o Lima (na falta do mais consistente Cunha).

Claro que no Brasil há muito mais de quatro Cavaleiros do Apocalipse prontos para levar o país às trevas. Não só quatro ou os doze que caberiam na mesa de Lulia: há no mínimo, uns 5 mil, mas cerca de 500 ou 600 deles se reúnem de vez em quando em Brasília para alegria geral do povo que representam.

Sim, representam.

Não há o que fazer.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

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