Estagiário e o interino. Coluna Mário Marinho

Estagiário e o interino

COLUNA MÁRIO MARINHO

Quando chega à empresa onde vai prestar estágio, ele chega com ares de quem sabe tudo. Tudo sabe, nada duvida. Os mais antigos estão totalmente ultrapassados. Não conhecem as novas técnicas, as novas tecnologias, a linguagem ultramoderna que só ele, estagiário, domina.

Vai ser muito difícil Você falar com ele, pois o estagiário não gosta muito de falar com os mortais.

Conheci um estagiário, até parente, que ameaçou demitir o chefe dele, porque, veja só, o chefe lhe chamou a atenção. Logo ele, o chefe, que não sabe nada!

Então digamos que Você mande para ele um e-mail, só para puxar conversa. Algo do tipo:

– É novo por aqui, não? Seja bem vindo.

É provável que resposta venha assim:

🙂 (-: 🙂 =) :o). Não se espante: ele está mandando um sorriso.

Se ele for um pouco mais chegado ao diálogo, responderá:

fmz (quer dizer firmeza).

Se for um pouco mais de diálogo:

blz (significa beleza).

Se for um tagarela, poderá perguntar:

fla. 9das10? (fala. Novidades?).

Esse é o cara que axa (acha) que é um tremendo kbça (cabeça) e xega (chega) para mudar tudo. Entau (então) vc ou v6s (Você ou Vocês) terão que entrar no jg (jogo) dele ou t+ (até mais).

O interino é diferente.

E bota diferente nisso. Ele é um conservador, um ultraconservador.

Ele sabe que sua interinidade pode acabar a qualquer momento de modo feliz ou não.

Normalmente, ele já é amigo de todo o pessoal a quem ele vai chefiar interinamente. Sabe o nome da esposa, beija o filhinho, “como vai o garotão na escola? Tá matando a pau, né?”, pergunta interessado , mesmo sabendo que o filhão não passa de um bebê de um ano e dois meses.

Procura não mudar nada.

Milton Cruz trabalhou no São Paulo como auxiliar técnico durante 17 anos. Nessa época, assumiu interinamente o cargo de técnico diversas e diversas vezes. Dirigia o time interinamente sem mudar nada. Nada de atritos.

Nunca manifestou o desejo de se tornar técnico definitivo. Não contrariava ninguém e voltava ao cargo de auxiliar sempre que chegava um novo técnico.

Comodidade, simples assim. Até que um dia mudou a diretoria e Milton Cruz perdeu o seu cargo: foi demitido.

O chileno Roberto Rojas também foi um longevo auxiliar técnico do São Paulo e dizia que não queria ser técnico. Auxiliar e interino eram funções mais cômodas e garantidas. Até que um dia, seduzido por uma boa proposta salarial aceitou ser técnico efetivo: durou poucos meses.

Em 1999, eu era Assessor de Imprensa da Portuguesa e fui levar o técnico Zagalo ao programa Mesa Redonda, da tevê Gazeta, então comandada pelo competente Roberto Avallone (exclamação!).

Enquanto esperávamos a vez de entrar no ar, assistimos à entrevista do então técnico interino do Corinthians, Osvaldo de Oliveira. Osvaldo tinha acabado de assumir. Ele era o auxiliar de Vanderlei Luxemburgo que fora para a Seleção Brasileira.

Perguntado se ficaria no Corinthians, Osvaldo foi enfático:

– Eu não sou técnico. Eu sou professor de educação física, entendo disso e é isso que quero fazer.

Na sala contígua, Zagalo me olhou estupefato:

– Esse cara nunca vai ser um grande técnico. Um vencedor não pode falar isso.

Para sorte de Osvaldo Oliveira, poucos meses depois ele era campeão do mundo com o Timão, no primeiro mundial organizado, patrocinado e reconhecido pela Fifa.

Então, é esse o perfil do interino.

Pois é exatamente assim que está agindo o técnico interino do Corinthians, Fábio Luiz Carrile de Araújo.
É tão conservador que passa a imagem de medroso.

Carrile fez sua estreia no Timão na vitória sobre o Fluminense, 1 a 0, pela Copa do Brasil, num jogo absolutamente morno, sem criatividade. O Fluminense foi até mais criativo: marcou três gols, mas todos em impedimento.

Nesse jogo, já ficou evidente o cuidado excessivo de Carrile: o Fluminense teve um jogador expulso, mas o técnico corintiano não se aproveitou do fato de ter um jogador a mais. Mexeu no time para colocar Williams, um jogador defensivo, a invés de empurrar seu time para ataque.

No jogo seguinte, teve novamente o Fluminense pela frente (desta vez pelo Brasileirão) e perdeu: 1 a 0.

Nesta quarta-feira, o Corinthians teve pela frente o Cruzeiro, pela Copa do Brasil.

O primeiro tempo foi muito fraco, mesmo com grande empenho dos jogadores. Não aconteceu uma grande jogada que exigisse defesa difícil de qualquer um dos goleiros. Zero em emoção.

No segundo tempo, o Corinthians voltou mais forte e partiu para cima do Cruzeiro.

Logo a um minuto, fez 1 a 0, numa boa jogada de ataque. Aos 8, Romero fez 2 a 0, levando o torcedor a crer que a vitória viria com facilidade.

Alguns minutos mais tarde, Carrille mandou que Williams se aquecesse e fosse para o jogo. O propósito era evidente: colocar o time na defesa.

A torcida, que não é boba, logo protestou com vaias e xingamentos ao técnico e ao jogador. Claro, o protesto não era contra o jogador em si, mas contra o que representava a substituição.

O Corinthians acabou levando um gol.

O final, 2 a 1, foi uma vitória importante, mas o timão teve chance de melhorar o resultado. Poderia ter saído de Itaquera com uma vitória mais abrangente que tornaria a virada no jogo de volta, no Mineirão, numa tarefa mais difícil para o Cruzeiro.

Agora, basta uma vitória simples, 1 a 0, e o Timão ficará fora da Copa do Brasil.

Mas, interino é assim mesmo, não tem ousadia.

É aqui que o conservadorismo passa a ser sinônimo de medroso.

Veja os principais lances do jogo.

https://youtu.be/21hxtxav2b0

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo

A COLUNA MÁRIO MARINHO É PUBLICADA TODAS AS SEGUNDAS E QUINTAS AQUI NO CHUMBO GORDO.
(E SEMPRE QUE TIVER NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

 

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