Julgamento Dilermando de Assis – Continuação do caso Euclides da Cunha. Por Antônio Claudio Mariz de Oliveira

Julgamento Dilermando de Assis – Continuação do caso Euclides da Cunha

Antônio Claudio Mariz de Oliveira

Um dos objetivos da defesa foi demonstrar que entre Dilermando e Euclides não havia nenhuma relação de dependência, nenhum vínculo que levasse à gratidão do militar pelo escritor.

Originalmente em Migalhas, edição de 21 de outubro de 2016. Continuação de artigo republicado aqui no Chumbo Gordo

Euclides da Cunha era portador de um temperamento explosivo, neurastênico de difícil adaptação aos seus deveres de homem casado com uma mulher jovem, plena de vida e sequiosa por atenção e afeto.

As suas preocupações estavam voltadas para a produção intelectual à interpretação do Brasil e de seu povo, em detrimento de suas obrigações como chefe de família e esposo.

Um fato ocorrido na juventude bem revela a impetuosidade e o voluntarismo de Euclides.

Como oficial do exército cultivava ideais republicanos e não se conformava com as imposições da Monarquia sobre o exército.

Quando da visita do Ministro da Guerra, Conselheiro Tomas Coelho, ao quartel no qual servia, Euclides ao invés de saudá-lo erguendo a sua espada, como todos os demais, atirou-a ao chão.

Após ser considerado portador de grave desequilíbrio mental, foi afastado do exército. Com a proclamação da República o cadete Euclides da Cunha foi reintegrado ao exército.

Foi grande a comoção provocada na sociedade pela morte de Euclides. Em um primeiro momento a imprensa divulgou o episódio como uma ação defensiva de Dilermando, contra a fúria do escritor, que sabia estar sendo traído.

A sua convicção baseava-se principalmente na ação deletéria das irmãs Ratto, que o insuflavam e instigavam à vingança de sua honra ultrajada, pela conduta da mulher e pela ingratidão de Dilermando, a quem abrigara por algum tempo em sua casa.

Dilermando, ao depor, procurou proteger Saninha negando o relacionamento amoroso, bem como afirmou que ela não estava na casa da Estrada Real, no dia dos fatos. Aproximava-se da casa com os filhos Sólon e Luiz.

Suas declarações, no sentido de revelar o seu relacionamento amoroso, até então negado, no afã de mostrar que Euclides não agira como um insano e sim impelido pela situação por ela criada, provocaram uma reação favorável, por parte da imprensa.

Durante poucos dias, os jornais acreditaram na versão de Euclides. Logo mudaram de comportamento e passaram a atacá-lo e a considerar Saninha como uma mulher leviana e desprovida de escrúpulos.

Em um primeiro depoimento ela ateve-se a declarar uma relação de amizade quase maternal com Dilermando e Dinorah, em face da grande diferença de idade, dezessete anos.

No entanto, ao prestar novas declarações, desmentiu-se ao dizer que realmente fora amante de Dilermando de Assis. Disse estar contando a verdade, para que Euclides não passasse a ideia de ter agido desprovido de qualquer motivo, ao atentar contra a vida do militar, como se fosse um psicopata. Quis preservar, pelo menos sob esse aspecto, a imagem do marido segundo afirmou…

Suas declarações, no sentido de revelar o seu relacionamento amoroso, até então negado, no afã de mostrar que Euclides não agira como um insano e sim impelido pela situação por ela criada, provocaram uma reação favorável, por parte da imprensa.

Passou-se a enaltecer a dignidade e a generosidade de sua atitude, vítima, ela sim, de uma obsessiva paixão, por um homem bem mais jovem e que se valia desta condição para a explorar, inclusive financeiramente, segundo apregoavam os jornais.

Na obra “Matar para não Morrer”, sobre a tragédia da Piedade, a autora Mary Del Priore abordou um interessante aspecto relacionado à confissão de Saninha e à condição da mulher no início do século.

Em seu livro, afirmou que na concepção da época, a mulher era um ser fraco e suscetível a assédios promissores, no sentido de viver um grande romance, especialmente em se tratando de mulheres em face de declínio físico e emocional. Talvez tal ideia tenha influenciado a sociedade da época.

Quanto a Dilermando o quadro retratado pela imprensa não o favorecia, pois refletia ou influenciava a opinião pública, que via no trágico episódio, a morte de um grande intelectual, festejado escritor e jornalista, que procurou refazer a sua honra vilipendiada, em razão do adultério cometido pela mulher, tendo como parceiro um militar muito mais jovem, tido como ambicioso e aproveitador.

Foi exatamente com esse quadro, que o grande advogado Evaristo de Moraes trabalhou na defesa de Dilermando de Assis. Relutou em assumir o caso, pois era admirador de Euclides da Cunha. No entanto, após uma entrevista com o acusado, sentiu-o seguro e sincero quando expôs a sua versão, comportamento que o levou a aceitar a sua defesa.

Um dos objetivos da defesa foi demonstrar que entre Dilermando e Euclides não havia nenhuma relação de dependência, nenhum vínculo que levasse à gratidão do militar pelo escritor. Ao contrário do divulgado pela imprensa, alimentada por um inquérito conduzido de forma parcial e tendenciosa, Dilermando demonstrou que durante todo o período em que esteve no Rio de Janeiro as suas despesas foram suportadas por ele com o soldo do exército.

Evaristo defendeu a tese da legítima defesa própria e do irmão Dinorah, que atingido por um tiro ficou paraplégico e veio a suicidar-se, depois de passar um período internado em um hospício.

O Conselho de Sentença, à época, composto por doze jurados, dividiu-se, seis jurados votaram pela condenação e seis pela absolvição. Em face do empate foi proclamada a absolvição do réu. Em um segundo julgamento, Dilermando voltou a ser absolvido desta feita por maioria de votos.

Passado algum tempo, Saninha casou-se com Dilermando. O casal teve vários filhos.

A trágica saga de Dilermando não se exauriu com a morte do autor dos “Sertões”. Anos após, dentro de um cartório do Fórum da cidade do Rio de Janeiro, viu-se ele obrigado a reagir a uma agressão de Quidinho, um dos filhos de Euclides com Saninha, acabando por matá-lo.

“Crônica de Uma Tragédia Inesquecível” que reproduz o processo de Dilermando de Assis apresentado por Walnice Nogueira Galvão, tendo como consultor Domício Pacheco e Silva Neto; a biografia de Euclides da Cunha escrita por Roberto Ventura com organização de Mário César Carvalho e José Carvalho Barreto de Santana e “Anna de Assis, História de um Trágico Amor” e o já citado livro de Mary Del Priori são algumas das obras que tratam de um dos crimes mais reveladores das fragilidades, mazelas e distorções da condição humana, trazendo à baila fatos e situações que retratam sentimentos, emoções comportamentos e ideias dominantes em uma época determinada.

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IMAGEM ABERTURA: A morte de Euclides da Cunha gerou comoção nacional. Ilustração de O Malho feita em 1909 tenta reconstituir o tiroteio que lhe tirou a vida. (Imagem: Reprodução / original da Fundação Joaquim Nabuco

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado da Advocacia Mariz de Oliveira.

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