A chalana do amor. Por Aylê-Salassié F. Quintão*

A chalana do amor

Aylê-Salassié F. Quintão*

 

… O que aconteceu com Alexandre de Moraes é altamente revelador de vícios que atravessam a estrutura do Poder no Brasil, sem que ninguém se dê conta…

    Distante da violência  das ruas,  o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, parece degustar,  dentro do Senado, as últimas migalhas do ágape iniciado na Chalana Champagne (Love Boat). Sob a forma de “sabatina informal”,  continua a responder  as dúvidas de um e de outro, certo de que, no dia 22, a Comissão de Justiça vai outorgar-lhe o honorável título de ministro do Supremo Tribunal Federal, tornando-o responsável direto pela revisão do processo da Operação Lava Jato.

           Perguntado se achava que a Lava Jato iria resolver os problemas da corrupção no País, Eike Batista respondeu: “Pode, desde que se desmonte a “rede” (de propina) do outro lado”. Sugeria que o empresariado,  visto sempre como corruptor ativo, é, muitas vezes, o passivo. A corrupção viria de dentro do Estado para fora.   Caso do Mensalão: compra de votos para aprovar mudanças na Previdência.

              O que aconteceu com Alexandre de Moraes é altamente revelador de vícios que atravessam a estrutura do Poder no Brasil, sem que ninguém se dê conta. Moraes não conseguiu desvencilhar-se do que chamaria de uma simples armadilha da política: “Se Maomé não vai ao monte, o monte vai a Maomé”. Foi parar na Chalana Champagne, que a imprensa apelidou de Chalana do Amor. Chalanas  não são exatamente lugares sagrados, nem espaço para a discussão da Justiça. Carregam estigmas de alcovas (alcovitar) e lupanares.

            “Sabatina informal” com oito senadores na Chalana do Amor. O ministro vacilou, e o senador Wilder Morais (PP-GO) não parece ter agido totalmente de boa fé. Ele e seus amigos, alguns envolvidos na Lava Jato, prepararam festim diabólico para Moraes, que pode vir a comprometer inclusive a sua nomeação para o Supremo. Não que a Alta Corte seja o lócus da lisura e da moralidade. Quase todos os ministros ali, além de terem sido catapultados no campo da política, carregam o peso de uma ou outra dúvida fundada ou  infundada sobre suas atitudes e votos. Santos não são, nem cidadãos acima de qualquer suspeita.

              Nenhum deles abandonou totalmente suas convicções. Um liberou o ex-ministro correligionário da prisão preventiva, defendeu penas mais brandas para denunciados na Lava Jato e a absolvição de José Dirceu e José Genoíno. Outro manteve  estranhos embates com Joaquim Barbosa durante o julgamento do Mensalão, tumultuando o processo. Um terceiro posicionou-se a favor do financiamento eleitoral por empresas e contra a prisão de condenados do Mensalão após decisão na segunda instância.  Um quarto concedeu habeas corpus ao italiano Salvatore Cacciola , que deu um rombo no sistema financeiro do País, e foi fazer chacota do Brasil na Itália. Um  quinto  arquivou ações de reparação de danos por improbidade administrativa contra  três ex-ministros do presidente que o nomeou. Um ministro novo foi decisivo contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Vejam no que deu.

Uma ministra teve o nome exposto como mediadora política em ligações telefônicas entre Lula e Dilma, em linguagem cheia de impropriedades e baixo calão,. O ex- relator do processo da Lava Jato no STF votou, no Mensalão, pela absolvição dos condenados por formação de quadrilha,  e criticou Moro pela divulgação de áudios. Mal acabou de ser nomeado, o ministro deu suporte para a permanência no Brasil do terrorista italiano Cesare Battisti , condenado à prisão perpétua na Itália por quatro crimes, inclusive de um ex-primeiro ministro. Para arrematar, um dos magistrados recém-nomeados declarou, na sabatina no Senado, ser  favorável a um Judiciário contido.

…Existem, portanto, muitos precedentes sobre os animados papos  na Chalana do Amor. Nos Estados Unidos, Clarence Thomas, candidato à Suprema Corte,  teve de responder publicamente sobre o que pensava a respeito das leis e do Estado de Direito…

               Vacilando aqui, tropeçando ali, escorregando na hermenêutica, todos os ministros  tiveram registros pouco virtuosos na vida. Moraes, que também   dificilmente ocuparia o lugar num altar, apresenta problemas ainda de postura e de compostura. Terá de explicar  a acusação de plágio de uma obra do ex-presidente do Conselho de Estado da Espanha, Francisco Llorente; as razões de ter advogado para empresas usadas pelo PCC; de revelar a fórmula de ampliação de patrimônio num curto período de tempo; e o estado da arte de seu relacionamento com o ex-cliente Eduardo Cunha, preso em Curitiba. Afinal,  caso chegue ao STF, será o revisor da Lava Jato. Vai ter de se posicionar ainda  sobre a descriminalização do uso de drogas e sobre o combate à criminalidade. Terá de explicar porque postergou a repressão à explosão de violência desde o começo do ano nos estados. Cerca de 500 perguntas de cidadãos esperam por ele na sabatina da Comissão do Senado.

             Existem, portanto, muitos precedentes sobre os animados papos  na Chalana do Amor. Nos Estados Unidos, Clarence Thomas, candidato à Suprema Corte,  teve de responder publicamente sobre o que pensava a respeito das leis e do Estado de Direito, mas também sobre o porquê do assédio a uma procuradora, Anita Hill, quando era juiz federal. O único estigma que  permanece  é a de ser um juiz conservador.

No Brasil, espera-se que  o novo ministro tenha, pelo menos, compostura. Justo  Veríssimo estava certo: “Que se exploda o povo!”

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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural

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