digO ao povo que fico. Por Josué Machado

DIGO AO POVO QUE FICO!

Por Josué Machado

… Um novo “fico” para a felicidade geral da nação, mas com simpáticas curiosidades formais.

Michel Miguel Elias Temer Lulia se indignou com a divulgação da gravação feita à socapa* (como diria ele) por Joesley Batista, o bilionário tão bem ajudado por governos sucessivos anteriores a se milionarizar (bendito BNDES!) e anunciou em declaração pública um novo “Fico”:

“Não renunciarei!”, exclamou com irritação, firmeza e a peculiar dança dos dedos de todas as mãos.

Só não explicou nessa declaração por que teria recebido Joesley às 10h30 da noite no Palácio do Jaburu, residência oficial, em encontro não previsto oficialmente. Visita secreta, portanto.

O fato é que no pequeno discurso temerístico descobre-se uma curiosidade linguística: pouco antes de exclamar duas vezes que não renunciaria, disse no mesmo tom indignado, literalmente:

Se foram rápidos nas gravações clandestinas, não podem tardar nas investigações e na solução, respeitantemente a essas investigações.”

Sim “respeitantemente”,

Ao usar o curioso advérbio de modo “respeitantemente”, lembrou Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes (1922-1999), que também usava palavras raras, só que com muito mais liberdade, e representava muito bem o caráter de nossos mais expressivos políticos do passado, do presente e do futuro. Todos ínclitos, magníficos, insignes, egrégios, eminentes, conspícuos e façanhudos.

Odorico dizia coisas como “mormentemente”. Usou esse advérbio, aliás, ao também anunciar que não renunciaria, num dos capítulos finais da telenovela “O bem amado”, de 1973.

odorico-paraguacu-por-da-costaPois tanto “respeitantemente” quanto “mormentemente” são palavras bem formadas, em teoria. Como muitos advérbios de modo, formam-se com a junção do sufixo “-mente” a um adjetivo. “Respeitante” + “-mente”; “mormente” + “-mente”. Se o adjetivo tiver gênero, o sufixo liga-se à forma feminina: perfeito, perfeitamente; lindo, lindamente; gostoso, gostosamente. E assim por diante.

Claro que “respeitante” (decisivo, concernente, referente, relativo) e “mormente” (acima de tudo, em primeiro lugar) são adjetivos que, antes dos dois respeitáveis homens públicos, só o padre Manuel Bernardes (1644-1710) usou na hora de subir aos Céus. Mas tudo bem.

Alguém perguntará: coisas da língua (no bom sentido) numa hora destas?

O que se há de fazer? Ou choramos ou rimos.

O que será melhor?

*De maneira furtiva ou disfarçada, sem que se veja; dissimuladamente

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade

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