Governo de presidiários. Por Aylê-Salassié F. Quintão

GOVERNO DE PRESIDIÁRIOS

Aylê-Salassié F. Quintão*

O brasileiro corre o risco de ser governado por presidiários, a partir do próximo mandato presidencial. Orientações partidárias, coligações, propostas de campanha, listas com os nomes daqueles que irão concorrer à deputado, a senador, a prefeito e até à Presidente da República saíram das cadeias. Políticos prestigiados, como ex-governadores, dirigentes partidários, parlamentares e ex-deputados e senadores deram e continuam dando as cartas para as eleições de dentro dos presídios de Tremembé, da Papuda, de Pinhais, de Natal e de Curitiba.

…os partidos políticos conseguiram passar a ser confundidos com as facções criminosas. É dessas mesmas cadeias que partem também as palavras de ordem de Marcola, Fernandinho Beira-Mar, Escadinha, Elias Maluco, para atentados contra empresas de ônibus, contra o patrimônio público e contra pessoas…

        Pelo menos 27 sujeitos (116 já condenados), presos ou em prisão domiciliar, fazem valer sua liderança dentro dos partidos, procurando transferir a ideia de que são presos políticos. Nessa condição estão um ex-presidente da República, dois ou três governadores, três ex-chefes do Gabinete Civil da Presidência, dois presidentes da Câmara, dois de partidos, três a quatro senadores, vários deputados, ex-ministros ligados às grandes agremiações partidárias, como PMDB, PT, PP, DEM, PR, PDT, PTB, SD e outros. Antes das convenções eleitorais, não se tomava qualquer decisão aqui fora, mesmo em assembleias, sem uma consulta prévia aos chefões presidiários. Sob a tolerância ou conivência das autoridades superiores, os estabelecimentos prisionais tornaram-se também comitês eleitorais.

Com a efetiva contribuição dos líderes presos, os partidos políticos conseguiram passar a ser confundidos com as facções criminosas. É dessas mesmas cadeias que partem também as palavras de ordem de Marcola, Fernandinho Beira-Mar, Escadinha, Elias Maluco, para atentados contra empresas de ônibus, contra o patrimônio público e contra pessoas, além de recomendações para a desobediência civil e até a indicação de apoio ou rejeição a determinados candidatos às eleições de outubro. Segundo relatório da Polícia Federal, as facções criminosas contribuíram para a eleição de cerca de 200 políticos no pleito de 2014.

Para alguns brasileiros, não serve de lição. Por isso, no Brasil, em outubro, um número significativo de apalermados tende a votar na transgressão, chamada, pelos canalhas disfarçados, de governabilidade…

         Desde que Lewandowski, como presidente do Supremo Tribunal Federal, após legitimar o impeachment de Dilma, promovido pelo Senado, preservou-lhe os direitos políticos, a coisa desandou. É total o desprezo pelas normas constitucionais e pela legislação penal. Condenados e presos por decisões da Justiça em segunda instância, ratificadas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, começaram a ser soltos por iniciativas individuais de um ou outro ministro do próprio Supremo, em total dissonância com as decisões do plenário da Corte. Dias Tóffoli libertou José Dirceu, condenado a mais de 20 anos de cadeia, e ainda o dispensou do uso da tornozeleira eletrônica. Em condições similares estão Waldemar da Costa Neto, Pedro Correia e outros. Aécio Neves processado continuou com sua cadeira no Congresso. Na Câmara tem um deputado que à noite dorme na Papuda e à tarde faz discurso no plenário.

Não é de surpreender. Em 2013, as pesquisas no Distrito Federal já mostravam que José Roberto Arruda, aquele que foi flagrado pela televisão recebendo propina em dinheiro vivo, ganharia, com relativa folga, qualquer cargo que disputasse por aqui. Mesmo condenado, ele continua a ser um grande eleitor no DF, indicando ou legitimando candidatos. Nesse mesmo caso, liderando pesquisas eleitorais, atuam, nos respectivos estados, dezenas de políticos, sem qualquer peso ou remorso pelos danos causados aos cofres públicos.

O Palácio do Planalto, o conjunto arquitetônico do Congresso Nacional, a praça do Judiciário, já não tem significado como símbolos nacionais. Transformaram-se em espaços turísticos. O senador Cristovam Buarque tem uma certa razão: falta educação e, diria, espírito cívico, essa conivência identitária que deveria unir os brasileiros em torno da moralidade pública e da responsabilidade social que dão corpo a uma Nação séria. Brésil c´est pas un pays sèrieux: a todo momento levamos chutes na bunda.

Enfim, os políticos e as ideologias conseguiram desarrumar o País, nivelá-lo por baixo e estabelecer o caos. Vitória quase total de gente com um parafuso a menos. Maduro só está tentando fazer autocrítica agora, depois que o PIB venezuelano caiu 45%, e ninguém quer investir na Venezuela.

Para alguns brasileiros, não serve de lição. Por isso, no Brasil, em outubro, um número significativo de apalermados tende a votar na transgressão, chamada, pelos canalhas disfarçados, de governabilidade. Isso leva a crer que, após as eleições, os brasileiros possam vir a ser governados mesmo das cadeias da Papuda, de Tremembé, de Pinhais, de Natal e de Curitiba.

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Aylê-Salassié F. Quintão*Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília.

 

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