Fanatismo e polarização. Por Meraldo Zisman

FANATISMO E POLARIZAÇÃO

MERALDO ZISMAN

…Ele está sempre mais interessado em você do que nele mesmo. Ele quer salvar sua alma, lutar para lhe redimir, livrar-lhe do pecado do erro, de sua fé ou de sua falta de fé, quer melhorar seus hábitos alimentares ou lhe curar da bebida e até de sua preferência na hora de votar. É um abnegado das suas ideologias…

Fanatismo vem do francês “fanatisme“, caracterizando um estado psicológico de fervor excessivo, irracional e persistente, em geral associado a motivações das mais diversas.

O fanático tem uma visão unilateral do Mundo. Rígida é a sua personalidade. Acredita ou faz crer que o mal reside naquilo e naqueles que contrariam seu modo de pensar.

O mais perigoso nele é a falsa dicotomia que lhe mostra uma situação com dois pontos de vista alternativos, colocados como se fossem as únicas opções, quando na realidade podem existir outras alternativas que não foram levadas em consideração. Pode ainda ser factível que as duas alternativas consideradas pelo fanático possam ser escolhidas, acopladas pelos pontos que são concordantes.

Afirmar “Quem não é por mim, é contra mim” é uma visão fanática, assim como defender que todas as pessoas são totalmente boas ou totalmente más. Isto é dicotomia, do tipo noite/ dia, o bem e o mal, o preto e o branco, o céu e o inferno ou, na conjuntura atual, carimbar alguém com o rótulo de ser de direita ou de esquerda.

Por outro lado, o fanático é um grande altruísta, jamais um egocêntrico. Impossível marcá-lo como pessoa que somente pensa nele ou no seu bem-estar.

… Os fundamentalistas de qualquer caráter são danosos à saúde psicossocial nacional.

Pelo contrário. Ele está sempre mais interessado em você do que nele mesmo. Ele quer salvar sua alma, lutar para lhe redimir, livrar-lhe do pecado do erro, de sua fé ou de sua falta de fé, quer melhorar seus hábitos alimentares ou lhe curar da bebida e até de sua preferência na hora de votar. É um abnegado das suas ideologias e se envolve muito com você.

Além do mais, ele está sempre pronto para pular em seu pescoço. Por que lhe ama de verdade. Ou então está em sua garganta para abraçá-lo ou eliminá-lo. Topograficamente estar em seu pescoço é permanecer em sua garganta. É quase o mesmo jeito, muda apenas a forma de violência. O fanático tem muito pouco “dele mesmo” ou nenhum “ele mesmo”. Ele quer liberar você (por bem ou por mal) para fazer de você um dos seus ou – se não conseguir – eliminá-lo.

Os fundamentalistas de qualquer caráter são danosos à saúde psicossocial nacional.

Diante de polarização sob a qual vivemos neste momento de insegurança, de violência, de desesperança, o potencial destrutivo do fanatismo no seio da população é de alta periculosidade.

O resultado é o aumento da tendência para o funesto; disposição natural para cometer um crime, seja ele alcunhado de colarinho branco ou não. Assim sendo, a violência passou a ocupar o primeiro lugar no estudo da problemática Brasileira, sendo a corrupção uma das muitas consequências maléficas dessas dicotomias.

Caso continuemos com essas “intelectualizações” que são diferenças entre os mecanismos de defesa do Ego, sendo ainda uma forma de transferência através da qual impulsos penosos de origem emocional (como para se ficar calado) são substituídos por discursos intelectuais e por conceitos complexos da ordem do racional. É uma fuga do mundo das emoções inconscientes.

É o refúgio no mundo das palavras e das teorias, de forma a evitar a indulgência que origina sofrimento, realizando, assim, uma tradução para linguagem intelectiva dos processos pulsionais mais primitivos, tomando por base a pulsão psicanalítica, palavra reservada ao impulso, ao sinal do inconsciente que faz com que alguém se comporte de modo muito emocional, impetuoso e irracional.

Essa pulsão leva à violência, à marginalidade, às organizações criminosas, que pipocam. São sintomas do estado patológico que denominamos polarização.

Parafraseando Sigmund Freud, afirmo: “A inteligência é a única arma que temos contra nossos instintos, que podem nos levar pra qualquer lado”.

As despolarizações nascem do entrosamento, do diálogo. Não será possível “fazer a cabeça de alguém” pela memória, mas sim pelo entendimento. Não estou dizendo que é fácil, mas não é impossível.

Portanto, acredito ser a inteligência a única arma que possuímos contra os nossos instintos.

Em decorrência disso, as razões despolarizantes não podem vir enxertadas, têm de ser nascidas no intelecto, a partir do entendimento. As demais são vinculadas à memória e os Homens não se convencem pela memória, mas sim pelo entendimento, segundo o padre Antônio Vieira (1608-1697).


Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).

 

 

 

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