Socorro, Regina ! O governo deu uma facada na cultura! Por Antonio Silvio Lefèvre

Socorro, Regina ! O governo deu uma facada na cultura!

(CARTA ABERTA A REGINA DUARTE)

Antonio Silvio Lefèvre

… Sem qualquer aviso prévio, o Correio informava que, a partir daquele mesmo momento ficavam suspensas as postagens na categoria “impressos, com registro módico” utilizadas para envio da maioria esmagadora dos livros comprados online…

Cara Regina, Eu, como você, fui ator de TV , mas você, como eu, certamente reconhece que o principal meio de comunicação da cultura sempre foi e continua sendo o livro.

Por isso mesmo, todos temos lamentado a situação em que já se encontram os livros em nosso país, com grandes livrarias falindo e editoras encerrando a atividade, devido à crise econômica. E agora, então, com as poucas livrarias que estavam abertas sendo fechadas ao público por causa do Coronavírus, restava aos livreiros (como eu…) e aos leitores (como eu e você certamente somos) a segura alternativa de comprar livros pela internet e tê-los entregues em casa pelos correios em todo o país. Aproveitando, inclusive, a “prisão domiciliar” em que nos encontramos para essa atividade tão prazeirosa e tão enriquecedora que é a leitura de livros, tanto romances quanto da nossa área profissional.

Sim, eu disse “restava”, porque na manhã desta sexta feira dia 20/03, quando os livreiros preparavam-se para postar os livros vendidos na véspera, receberam uma informação que, esta sim, foi uma facada traiçoeira dos Correios na cultura de nosso país.

Sem qualquer aviso prévio, o Correio informava que, a partir daquele mesmo momento ficavam suspensas as postagens na categoria “impressos, com registro módico” utilizadas para envio da maioria esmagadora dos livros comprados online.

Esta categoria é (ou era…) a que permite que livros sejam enviados para os mais longíquos locais do Brasil por uma tarifa muito razoável, da ordem de R$ 8 a R$ 10 para a maioria. Tarifa esta que viabiliza a compra de livros novos ou usados, direto dos livreiros, dos sebos ou através de portais como o da Estante Virtual.

Sim, porque sem esta tarifa, nas outras opções de frete (carta registrada, encomenda PAC ou Sedex) o valor do frete fica multiplicado de duas a cinco vezes, fazendo com que um leitor de Macapá que comprar um livro usado de R$ 10 de um livreiro de Porto Alegre tenha de pagar de R$25 a R$ 60 como frete para recebê-lo … Não é preciso ser nenhum guru de marketing para adivinhar que, nessas condições, ele desistirá de comprar…E não só ele, mas a provável maioria esmagadora de compradores online.

Para quem não conhece os meandros dos Correios como eu, explico que esta categoria de impressos (serviço chamado no correio de “Marketing Direto”) foi criada e regulamentada na década de 1980 para favorecer a difusão da cultura no Brasil. Conheço isso muito de perto porque na época, era eu o Presidente da ABEMD, a Associação Brasileira de Marketing Direto, que reunia as maiores empresas usuárias no país, entre as quais as maiores editoras de livros, jornais e revistas. Produtos que dependiam fortemente de uma tarifa diferenciada para impressos para viabilizar a comercialização e distribuição dos seus títulos.

Para negociar essa tarifa fui várias vezes à Brasilia, falar diretamente com o Presidente dos Correios e uma vez até com ACM, então Ministro das Comunicações ao qual era subordinada a ECT. E tivemos sucesso sim, tanto que esta tarifa de favorecimento à cultura sobreviveu nesses mais de 40 anos… até a última sexta-feira, quando veio a facada. Hoje, logando no site dos Correios, o serviço ainda está lá, anunciado com esse título:

Drummond, Saramago ou Shakespeare. Editoras e livrarias podem enviar livros e publicações com segurança pelo Serviço Impresso dos Correios!

Só que a partir de agora Drummond e todos os demais autores ficarão em prisão domiciliar nos estoques dos livreiros porque poucos serão os leitores dispostos a pagar a tarifa do Sedex para recebê-los em casa..

Tentei descobrir qual o motivo do Correio ter suprimido este serviço… mas no comunicado enviado aos livreiros só tardiamente, intitulado Procedimentos operacionais de entrega e suspensão de alguns serviços, o Correio só informa que as entregas de objetos registrados não precisarão da assinatura dos recebedores, para evitar o contato físico destes com os carteiros… e informa também que os prazos de entrega de cartas e encomendas poderão ser ampliados. Mas não justifica de forma alguma por que o serviço de entrega de impressos foi “suspenso’.

… Para evitar que esta facada na cultura mate os livros é que peço a você, Regina, que entre em ação antes que uma hemorragia torne irreversível este processo. Sim, você tem moral e autoridade para falar disso ao Bolsonaro ou ao Ministro da Ciência e Tecnologia ao qual é subordinada agora a ECT…

Claro que, se a situação da epidemia chegasse ao extremo de se considerar que os carteiros não deveriam mais ir às ruas, todos os serviços dos correios teriam de ser “suspensos”.

Mas se vai continuar a entregar cartas e encomendas em várias modalidades de frete, por qual motivo suspendeu justo a entrega dos impressos?Mesmo porque se um impresso, ou mesmo um livro, for postado como carta, PAC ou Sedex, ele será entregue pelo mesmo carteiro…..

Não houve nem acredito que haverá explicação para isso porque desconfio que o Coronavírus seja um mero pretexto para fazer o mesmo serviço por uma tarifa mais cara. E que, por trás disso, esteja um profundo desinteresse do atual governo na difusão da cultura. Expresso em manifestações recentes de ministros e autoridades censurando livros recomendados pelas escolas. E, quem sabe, também no desejo secreto da área econômica do governo de eliminar definitivamente este “subsídio” dos Correios para os livros e, com isso, aumentar os lucros desta estatal e prepará-la para uma privatização sem que os empresários que assumirem tenham que manter este serviço que, com certeza, é o menos rentável da ECT. Embora o mais rentável para a Cultura.

Para evitar que esta facada na cultura mate os livros é que peço a você, Regina, que entre em ação antes que uma hemorragia torne irreversível este processo. Sim, você tem moral e autoridade para falar disso ao Bolsonaro ou ao Ministro da Ciência e Tecnologia ao qual é subordinada agora a ECT.

Ou, então, dar direto um puxão de orelha no atual Presidente dos Correios, o General Floriano Peixoto Vieira Neto, para que cancele já essa “suspensão” dos impressos.

Se precisar de ajuda para isso eu, Pedrinho, peço à boneca Emilia e ao Saci Pererê para irem até lá na ECT levarem a ele o livro Poço do Visconde, do nosso mestre Monteiro Lobato, para que entenda em que fundo do poço iremos parar sem livros.

E, ainda, informá-lo daquela fala histórica de Lobato, mais atual do que nunca: “Um país se faz com homens e livros”.

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ANTONIO SILVIO LEFÈVRE é sociólogo (Université de Paris), editor e livreiro. Interpretou Pedrinho na 1ª adaptação do “Sítio do Picapau Amarelo” para a TV, em 1954. Veja no Museu da TV.

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