ESQUECIMENTO

Direito ao esquecimento em julgamento. Por Renata Abalém

DIREITO AO ESQUECIMENTO EM JULGAMENTO

RENATA ABALÉM

As memórias que merecem ser apagadas e o julgamento polêmico do STF sobre o direito ao esquecimento

ESQUECIMENTO

ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO PORTAL DO ESTADÃO
(BLOG FAUSTO MACEDO),30 DE SETEMBRO DE 2020

Esquecer é uma virtude ou é um mal? Na máxima da física quântica, -ao menos nos livros de fácil acesso aos leigos-, depende de quem é o observador! Para o mal ou para o bem, tem coisas que merecem ser esquecidas e outras que merecem receber o pódio das lembranças. Mas lembrar demais faz mal, que o digam os buscadores de conteúdo como o Google, principalmente no continente onde a memória é viva. De acordo com o jornal “The Gardian”, mais de três milhões de europeus já fizeram um pedido para terem seus dados eliminados do site de busca.  O Tribunal de Justiça Europeu declarou o “direito de ser esquecido” depois que um espanhol fez o pedido judicial. A decisão passou a permitir que os cidadãos europeus removam links que apresentem conteúdos inadequados, irrelevantes ou excessivos, ou que, de alguma forma, possam constranger os seus protagonistas.

Assim nasce o esquecimento: pela não lembrança.

E, para apagar ou deixar registrado, o nosso STF vai enfrentar, em guerra titânica, o direito ao esquecimento na esfera civil. Explico: “Guerra Titânica” porque, sob caráter de Repercussão Geral, a Corte vai sopesar a controvérsia que envolve princípios básicos e fundamentais da nossa Constituição: princípio da dignidade da pessoa humana, inviolabilidade da honra e direito à privacidade versus liberdade de expressão e de imprensa e direito à informação. O caso que será analisado é um drama em que os autores postulam ser indenizados em razão do uso de imagem não autorizado da irmã falecida deles. A divulgação, depois de cinquenta anos do acontecido, se deu no programa de TV  ‘Linha Direta Justiça’, que é réu no processo e levou na sua programação fatos que já eram de conhecimento público e que já foram, no passado, amplamente noticiados. Nada de novo, a não ser a rememória, que ao meu ver, nesse exclusivo caso, é desnecessária.

Contudo, o tema não se esgota no processo paradigma. E de novo explico: se para a família enlutada, exposta, o esquecimento é um bem que se busca, inclusive extensivo para todos os cidadãos brasileiros (quem se beneficia de tragédia?), de outro lado esquecer pode significar deixar de ser informado sobre assuntos de extrema importância. E informação é dinheiro e tomada de decisão. Buscando  exemplo na mesma Europa, temos o processo de uma médica holandesa que moveu uma ação contra o Google para ser “esquecida”, ou para que ninguém que utilizasse o buscador pudesse ter acesso à condenação que sofreu de uma junta médica por negligência no exercício da sua profissão. Naquele caso, como o buscador rejeitou o pedido, a médica postulou judicialmente o esquecimento. Apresentando o seu caso no tribunal de Amsterdã, o colegiado decidiu em favor da profissional e  contra o Google.

Segundo o tribunal, e apesar da informação disponível nos sites ser verdadeira, o fato do nome da médica aparecer associado à lista proibida “sugere que ela é incapaz de cuidar de pessoas”, e, portanto, a informação merece ser apagada. Nesse caso, a única beneficiada da decisão é a profissional, porque os cidadãos daquele país não terão informação necessária para tomada de decisão, ou seja, estarão sujeitos a se consultar e se tratar com uma profissional que no passado teve conduta médica errônea, fato que poderia facilmente ser decisivo para que os pacientes procurassem outro médico. A matéria é de enorme amplitude, mas uma pergunta se faz necessária: quem se beneficiará com o esquecimento? Será que a Corte brasileira vai saber responder?

Eu não tenho opinião formada sobre isso. De um lado, penso que é justo aos pacientes conhecerem sua médica, biografia profissional e feedbacks de pacientes, por outro lado, penso também que quem errou uma vez pode nunca mais errar e não precisa ser medido por uma régua do passado. No Brasil, já temos algumas postulações judiciais sobre o direito ao esquecimento, a maioria relacionado a questões financeiras e sobre os relacionamentos amorosos fracassados, temas talvez “mais leves” e de igual forma o Google tem sido obrigado a retirar as informações do ar.

Vale lembrar que o julgamento do STF deverá servir de jurisprudência, ou seja, a decisão que dali sair servirá de base para outros julgamentos similares, daí a grande importância do evento.

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*Renata Abalém, advogada, sócia do escritório Marco Antonio Renata Abalém Advogados e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/ Goiás

 

 

 

2 thoughts on “Direito ao esquecimento em julgamento. Por Renata Abalém

  1. Obrigada por publicar. Me sinto deveras honrada. Mas preciso fazer uma ressalva. O cargo ou função que me atribuiu de vice-presidente do Colégio Nacional da OAB não existe. Peço por gentileza e para evitar qqer transtorno, que ele seja suprimido. Sou presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OABGOIAS. Muito grata.

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